Outra vez. Agora em Bruxelas, primeiro no aeroporto, depois numa estação de metro. Homens iguais a tantos outros aproximam-se dos passageiros e fazem-se explodir (pode recapitular aqui o filme de mais este dia de pesadelo). Na hora a que começo a escrever este Macroscópio são muitas as interrogações e poucas as respostas – e é mesmo possível que continuemos sem respostas nas próximas horas, dias, semanas, meses, talvez anos. Por isso a selecção de textos que se segue é, em boa parte, uma manta de retalhos, abordagens diversas as questões inquietantes, textos onde espero possam encontrar algumas peças que ajudem a perceber este complexo puzzle.
Da imprensa portuguesa começo por destacar um texto que tem tanto de testemunho pessoal como de pertinência no diagnóstico: o que João Marques de Almeida publicou aqui no Observador, Minha querida Bruxelas. É curto, directo e sentido, e dele deixo-vos apenas duas passagens:
a) “Não sei se é uma guerra, nem tenho um bom nome para lhe dar. Mas sei que a nossa vida mudou. Rotinas simples como apanhar o metro para ir trabalhar pode significar o fim, a morte. Obviamente, não vamos mudar a nossa vida. Seria conceder uma vitória aos terroristas. (…) A vida é mais insegura, as nossas famílias e amigos (e todos nós) viverão mais preocupados. Mas não podemos alterar os nossos hábitos.”;
b) “Estamos a assistir à banalização (no sentido em que Arendt usou o termo) dos ataques terroristas. Não sabiamos, mas todas as idades estão condenadas à sua versão da “banalização do mal”; mesmo no mundo pós-Holocausto. Inevitavelmente, isto fará de nós menos tolerantes. As nossas sociedades serão mais nacionalistas e mais fechadas. Por isso, este ataque em Bruxelas tem um simbolismo forte.”
Ainda na imprensa portuguesa, um outro texto importante, a pequena mas penetrante análise de Miguel Monjardino publicada pelo Expresso: Terroristas viram-se para quatro novos “principais alvos” (desta vez sem paywall). Dos 12 pontos em que se organiza o texto deste professor de relações internacional, transcrevo dois:
2. Depois do 11 de Setembro de 2001, um ataque contra edifícios governamentais ou embaixadas passou a ser muito mais díficil do ponto de vista tático-operacional. Estes alvos estão muito bem protegidos e defendidos por forças policiais e militares; (…)
4. Os aeroportos, as estações de metropolitano, os hotéis e as grandes salas de espetáculos nas capitais europeias são agora os principais alvos daqueles que usam o terrorismo para atingir os seus objetivos políticos. Os governos, os serviços secretos e as polícias não têm recursos infinitos. É impossível proteger milhares de pessoas nestes grandes espaços;
Retenho e repito a última frase: “É impossível proteger milhares de pessoas nestes grandes espaços”. É neste momento que o terrorismo começa a ganhar. E parece que está a ganhar: The Brussels attacks show that Islamic State is still growing in ambition and capability escrevia-se na The Economist, para quem “Europe must confront the possibility of such attacks on a regular basis”. Só que…
Yet faced with such a threat, it is still far from certain that Europe can react in the way that America did in the aftermath of September 11th 2001, when it was quickly understood that the failure of different agencies to pool and share intelligence had been instrumental in allowing the plot to proceed. America’s long run of preventing another foreign-borne attack on its soil is an indication of how well the lessons were learned. In Britain too, with its experience of combating IRA terrorism for decades, the security agencies and the police have shown how it should be done. But to replicate that example across all the countries of the European Union is a tall order, even though the open borders of the Schengen passport-free zone should have suggested the need for joined-up intelligence long ago. In Belgium itself, politically riven between two language groups, inter-agency co-operation is known to be dire.
No coração desta incapacidade europeia está a própria Bélgica, um país que não não é bem um país, mas vários. E que se tem vindo a tornar num dos centros de irradiação do jihadismo, como se pode ver neste gráfico que o Guardian publicava hoje:
O artigo onde o encontrei colocava uma questão – Why did the bombers target Belgium? – e sintetizava assim a resposta: “Poor integration, political instability and growing evidence of extremism mean the Brussels attacks come as little surprise”. Mais: “In the first half of the last decade, as European security services struggled to understand the new threat they faced, and bombs exploded in Madrid and London, Belgium was largely ignored, despite mounting evidence of extremist networks based in the country.”
Será só isso? O senador belga Alain Destexhe, num texto escrito para o diário francês Le Figaro – Pendant 20 ans, la Belgique a eu tout faux (paywall) – critica a cegueira o que considera ter sido o excesso de tolerância das autoridades e da comunicação social face à ascensão do islamismo. Que estava à vista de todos: “En effet, des réseaux belges ont été impliqués dans les grands attentats terroristes des vingt dernières années. Parmi les plus connus, citons l'assassinat du commandant Massoud en Afghanistan deux jours avant le 11 septembre 2001, les attentats de Madrid en 2004 et, plus récemment, la cellule de Verviers, l'attaque du Thalys et, bien sûr, les attentats de Paris. C'est une Belge convertie qui fut la première Européenne à commettre un attentat kamikaze en Irak en 2005…”
O Telegraph é ainda mais duro: Brussels attacks: Belgium, corrupt and fragmented, is a breeding ground for extremism. A sentença do jornal é pesada – “Corruption in public service; the fragmentation of police forces; tolerance of criminality: a toxic combination that makes areas of Belgium ungovernable” – e não lhe faltam argumentos: “The trend of the last 30 years has been to devolve power down to the three regions – Dutch-speaking Flanders in the north, francophone Wallonia in the south, and the bilingual Brussels region in the centre – but that leaves Brussels underfunded to address the pockets of poverty where Islamic radicalism breeds, and the federal government short of staff and money to tackle, for example, radicalisation in the prisons.”
Mas há quem ache que a questão não se circunscreve a Bruxelas, como Rod Liddle, da Spectator, em Like London, Brussels has allowed itself to become a hotbed of Islamic extremism. O seu prognóstico é sombrio: “One assumes it will be London next. Again. And the terrorists will be home-grown – from Tower Hamlets or Luton or Kirklees. Indulged at an early age in their adolescent and narcissistic sense of victimhood. We will be told, when the atrocity happens, that they were ‘radicalised’ by something or someone, as if their espousal of Islamism had been imposed upon them extraneously. Another nonsense.”
Será o Político encontra melhor resposta em ‘Why do they hate us so much?’, um texto de Matthew Karnitschnig. Um texto onde se considera que estamos, de novo, perante uma ciclópica tarefa que só chanceler alemã pode enfrentar, mas nem isso é seguro pois “Even if Merkel succeeds in keeping the EU’s refugee strategy on course, the Schengen treaty may be on its last legs”. Isto porque “Just as Schengen allows for the free movement of goods and people, it also allows terrorists move seamlessly from one jurisdiction to another. In the wake of Brussels, it will be difficult for even the most liberal European politician to oppose calls for stricter controls.”
Deixemos por ora os textos mais analíticos, recordemos apenas que vale sempre a pena regressar a um grande trabalho da The Atlantic que já aqui citei no Macroscópio - What ISIS Really Wants: “The Islamic State is no mere collection of psychopaths. It is a religious group with carefully considered beliefs, among them that it is a key agent of the coming apocalypse. Here’s what that means for its strategy—and for how to stop it.” – e passemos a um registo mais de reportagem. Com três destaques, que vale a pena recordar e, porventura, revisitar:
- “Sim, somos muçulmanos. Não, não somos do Estado Islâmico”, um especial do Observador de João Almeida Dias que resulta de uma reportagem realizada em Paris depois dos atentados do passado mês de Novembro, um trabalho onde se procura saber mais sobre a comunidade muçulmana: “Nasceram em França - mas muitos recusam-se a reconhecê-los como franceses. Filhos de emigrantes magrebinos, muçulmanos e habitantes dos subúrbios, vivem com as feridas do passado e do presente.”
- Desradicalização: "Para cada pessoa há uma janela de oportunidade”, uma reportagem de Sofia Lorena no Público, escrita no início de Janeiro e que tenta mostrar-nos como é Molenbeek, o bairro de Bruxelas que se tem revelado um ninho de radicais. Está escrita num registo mais optimista: “A longo prazo, a prevenção é a melhor arma contra o terrorismo. Mas não há casos perdidos, dizem psicoterapeutas e activistas. Alguém que se envolveu num movimento extremista violento pode ser ajudado a abandoná-lo.”
- From the Banlieues to the Bataclan: A Trip on Samy Amimour's Bus Route, uma reportagem da Spiegel que procurou seguir as pisadas de um dos radicais que protagonizaram a carnificina no Bataclan em Novembro do ano passado: “Day after day, Paris attacker Samy Amimour drove a bus through the city's notorious banlieues before murdering scores of people at the Bataclan concert venue. A journey through the area offers a full view of the stark contrasts and uncertainty that ail France today.”
Guardei para o fim dois textos mais emocionais da imprensa belga. Textos escritos a quente, quando ainda não era possível refazer-nos do choque:
- Bruxelles n’est plus qu’une sirène, de Béatrice Delvaux no Le Soir: “C’est la tristesse surtout qui est infinie, elle suinte des pavés, elle dégouline des trottoirs. C’est le seul mot qui franchit les lèvres, « nos » lèvres, car voilà, c’est bien cela qui achève de nous achever : c’est chez nous, cette « chose ». « Nos » premiers attentats suicides, des corps sur le sol de notre aéroport de Zaventem, des morceaux de chair devant la rame de notre métro, éventré, à l’arrêt forcé.”
- "Mon fils, Papa est triste et te demande pardon", de um leitor de La Libre Belgique: “Mais ce matin, j'ai le sentiment d'être terriblement égoïste. Égoïste de n'avoir que ça à t'offrir, un monde devenu fou, où la haine n'a jamais trouvé autant écho, où nos libertés n'ont jamais été autant remises en question, où le respect de notre intimité et de notre vie privée est de plus en plus bafoué au privilège de la sécurité d'une part et de la consommation de l'autre.”
Para fechar, e me despedir, também eu triste, com o habitual “até amanhã”, nada melhor que um genial cartoon de Plantu, o eterno Plantu do Le Monde. É apenas um entre muitos outros belíssimos cartoons, mas é daqueles que diz tudo em meia dúzia de traços:
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