Péricles Capanema
Assunto de enorme e triste relevância. Os dados, já um pouco envelhecidos, retratam realidade persistente. Vamos a eles. Executado por incumbência dos 34 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que inclui, entre outros, boa parte dos países europeus, Estados Unidos, Canadá, Japão, é publicado periodicamente o relatório PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos, PISA, na sigla em inglês), com grande reputação de seriedade. Muitos o consideram o principal critério para avaliação da eficácia no ensino.
O relatório de 2012, ainda o mais recente, inclui os 34 países da OCDE e mais 31 outros, entre os quais o Brasil. Juntos, os 65 países, representam 80% da economia mundial. Os alunos, avaliados em 6 níveis de competência, 510 mil no total, tinham entre 15 anos e 3 meses e 16 anos e 2 meses. No Brasil, participaram pouco mais de 30 mil estudantes. Cada educando checado gastou em média seis horas e meia para responder aos itens. A amostra era representativa de 28 milhões de estudantes. Três áreas foram testadas: matemática, ciências, leitura.
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Os países ou regiões de melhor desempenho em matemática, por ordem: Xangai, Cingapura, Hong Kong, Taipé, Coreia do Sul, Macau. Brasil: 58ª entre os 65. Em leitura: Xangai, Hong Kong, Cingapura, Japão, Coreia do Sul, Finlândia. Brasil: 55ª. Em ciência: Xangai, Hong Kong, Cingapura, Japão, Finlândia, Estônia. Brasil: 59ª.
Alguns outros dados. Os níveis 5 e 6 representam o aproveitamento dos estudantes de alto e altíssimo desempenho (os chamados top performers). Em matemática, 23,9% dos rapazes chineses de Xangai estão no nível 5, 32,8% no nível 6. Quanto a nós, 1% dos rapazes brasileiros estão no nível 5, 0,3% no nível 6.
A média dos rapazes da OCDE no nível 5 é de 10,5%, 4,2% estão no nível 6. 25,2% das moças chinesas de Xangai estão no nível 5; 29,0% no nível 6. 0,4% das moças brasileiras estão no nível 5; 0% no nível 6. A média das moças da OCDE no nível 5 é de 8,2%; no nível 6 é de 2,4%.
Em leitura, 21,3% dos escolares de Xangai estão no nível 5; 3,8% estão no nível 6. Porcentagens dos estudantes brasileiros: 0,5% no nível 5, 0% no nível 6.
Em ciência, 27,2% dos estudantes de Xangai estão no nível 5; 4,2% no nível 6. Porcentagem dos estudantes brasileiros: 0,3% no nível 5, 0% no nível 6. 98,8% dos alunos brasileiros não alcançaram os níveis 5 e 6 em nenhum item. 44% dos estudantes de Xangai não alcançaram os níveis 5 e 6 em nenhum item.
Em matemática, 67,1% dos brasileiros estão abaixo do nível 2; 3,8% dos estudantes de Xangai estão abaixo do nível 2.
Poderia continuar num sem fim de comparações deprimentes, mas paro por aqui. Púbicos e gratuitos, para quem se interessar, os dados completos estão em vários sites da rede. Contêm 564 páginas apenas um dos vários relatórios que perfazem o conjunto.
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Admito, a qualificação dos educandos de Xangai pode estar acima da média chinesa geral. Mas os demais se esforçam rumo a esse patamar dos top performers. Com tal excelência de índices, o povo chinês, apesar de estar atualmente subjugado pela tirania comunista, posiciona-se em vantagem na corrida para alcançar no futuro um lugar de destaque no concerto das nações.
Como qualquer um sabe, a qualificação humana é decisiva na produtividade, competitividade, renda pessoal, nacional, progresso, poder político, militar, capacidade de assistência social efetiva. Entre outros efeitos, entre nós nada seria mais eficaz para diminuir a pobreza e ter recursos para atender os necessitados do que eliminar o descaso generalizado com a instrução. Lembro ainda informação divulgada em julho de 2012 pelo Instituto Paulo Montenegro: era de 38% o INAF (Indicador de Analfabetismo Funcional) dos universitários brasileiros. Explicando, 38% deles entendem pouco ou nada do que leem.
São dados estarrecedores; ou por outra, a realidade é estarrecedora. Divulgo-os (são públicos e já divulgados, aliás) não pelo gosto imbecil da crítica barata, mas para que a conscientização mais ampla leve a ações restauradoras de maior impacto. É modesto convite para trocarmos ufanismos ocos por realismo empreendedor. Começando por um passo essencial: valorização e qualificação do professor. Professores mais bem preparados, mais bem pagos, com prestígio social muito maior seriam capazes de começar a arrastar o Brasil para fora do atoleiro.
Bill Gates fez o seguinte comentário sobre os nerds (os “caxias”, em tradução caseira): “Seja amável com os caxias, é provável que sejam seus patrões no futuro” (Be nice to nerds, they’ll probably be your boss one day). Bato na tecla: a continuar nessa trilha o Brasil está sendo preparado não para as funções de frente, mas para executar tarefas subalternas no mundo.
Não vou simplificar confundindo cultura com instrução, hábitos de disciplina e de esforço sistematizado. Cultura vai além, compreende busca habitual do excelso, supõe valores e formas superiores de convívio, ambientes espiritual e moral ilustres, assim como percepções penetrantes dos aspectos mais importantes da vida. Na base, vida familiar intensa. Em linguagem mais direta, são ideais de perfeição humana expressos em Weltanschauungen (numa cosmovisão) com enorme força civilizatória.
Cara e coroa. Acima, a cara. Agora, outro lado da realidade. Lembro observação de Fernand Braudel [foto], dos maiores historiadores do século XX, nascido em 1902. De 1934 a 1937 viveu no Brasil, participando da fundação da USP: “Tornei-me inteligente quando fui ao Brasil. O espetáculo que tive sob os olhos foi um raro espetáculo de História, um raro espetáculo de gentileza social e, a partir daí, passei a compreender a vida de outro modo. Os mais belos anos de minha vida passei no Brasil. O que provocou profundas consequências em mim e, de alguma forma, me expatriou”.
Vejam o detalhe, uma das maiores inteligências do século XX afirmava: a observação admirativa do convívio no Brasil o tornou inteligente, levando-o até a entender a vida de um outro modo (Weltanschauung enriquecida de perfeições novas). É apenas um aspecto, mas já denota, embora potencialmente, elevado estilo de civilização.
Indica outro ponto essencial a desenvolver, esse enormemente positivo, ao lado de se necessário eliminar a devastadora negligência na instrução. Só assim terão condições para futuro digno os filhos e netos das gerações atuais.
Fonte:abim
Litoral Centro – Comunicação e Imagem
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