É já na próxima terça-feira, dia 8, que os americanos vão escolher o próximo presidente dos Estados Unidos. Estamos por isso a entrar no último fim-de-semana de campanha, a altura em que se esgotam os últimos cartuchos. Inevitavelmente o Macroscópio tem de regressar a esta campanha, até para ajudar os leitores a perceberem até que ponto a corrida ainda está em aberto – ou, por outras palavras, até que ponto ainda é possível que Donald Trump venha a ser eleito.
Em Portugal é muito comum vermos títulos sobre sondagens onde se dramatiza este ou aquele resultado, isolando a sondagem que, por ter saído num órgão de informação importante, mais atenção concentra naquele momento. Na verdade a realidade é muito mais complexa, como os leitores desta newsletter sabem, pois todos os dias são conhecidas dezenas de novas sondagens, umas nacionais, outras realizadas nos Estados onde o resultado das eleições se pode decidir, da Florida ao Ohio passando pela Pensilvânia ou pela Carolina do Norte. Por isso Nuno Martins fez hoje no Observador um apanhado do que tem vindo a ser publicado, em que procura responder à questão Com tanta sondagem, quem é que tem razão? É um trabalho onde se explica a diferença entre o significado das sondagens nacionais – onde, em media, Hillary continua a liderar – e as sondagens estatuais – onde a vantagem da candidate em alguns estados decisivos tem vindo a diminuir ou mesmo a desaparecer. Citam-se em especial as contas do Politicosobre o “swing states” e o barómetro do nosso conhecidoFiveThirtyEight.
Quanto a este site, à hora a que escrevo a sua estimative é que Trump tem 34,9% de probabilidade de ganhar (mais do dobro do que tinha há uma semana) e Hillary tem 65,1%, como mostra o mapa que reproduzo a seguir:
A estimativa do New York Times era mais favorável a Hillary (84% contra 16%). Quanto a sondagens nacionais, no RealClearPolitics a média das mais recentes apontava para uma vantagem de 1,6% de Hillary Clinton, sendo que nesse site a estimativa de votos eleitorais dizia-nos que a democrata ainda só tinha 216 seguros (são necessários 270 para se ser eleito), sendo que haverá ainda 158 votos eleitorais em disputa nos estados que tanto podem cair para o lado da candidata democrata como do candidato republicano. Já projecção do Wall Strett Journal, mesmo usando a mesma base, é mais favorável a Hillary, considerando que esta está a caminho de garantir 278 votos eleitorais. Ou seja, há ainda grande variação nas estimativas mesmo usando os mesmos números, apenas diferendo os modelos estatísticos.
Quanto a comentários, o nosso conhecido Nate Silver procurava ontem explicar Why Clinton’s Position Is Worse Than Obama’s. O seu argumento é que a democrata poderá vir a ter mais votos do que Obama em estados onde a eleição está decidida à partida (como a Califórnia, que votará Hillary, ou o Texas, que não deverá deixar de votar Trump) e vir a perder votos que lhe fazem imensa falta em estados como o Ohio ou a Florida, onde a vitória se deverá decidir por uma margem escassa. Ora, como ele notava, “if she’s trading voters in Ohio and Iowa for those in Texas and Maryland, she’s not getting the better side of the deal.”
Já hoje o mesmo Nate Silve escrevia que National Polls Show Clinton’s Lead Stabilizing — State Polls, Not So Much. Em concreto: “National polls tend to suggest that Donald Trump’s momentum has halted, and that Clinton may even be regaining ground. But Trump is getting his share of good results in state polls, which both show competitive races in some of Clinton’s “firewall” states and favorable trend lines for Trump.” Ou ainda: “It’s not clear that things are getting any worse for Clinton, but it’s also not clear that they’re getting better — and we’re at the point where even a 1-point swing in either direction would be a big deal, since a 4-point lead for Clinton would be quite a bit safer than a 2-point one.”
Mas deixemos agora os números e passemos a algumas análises. No meu mais recente Macroscópio referi-vos uma reportagem que eu próprio fiz nos Estados Unidos – As duas Américas já nem falam entre si – onde vos referia as conversas que tive em vários think tanks de Washington (aonde estive no quadro de uma parceriado Observador com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento) e traçava o quadro de um país profundamente dividido. Recordo esse texto porque John Cassidy escreveu na New Yorker um texto com exactamente o mesmo ponto de partida: Two Americas: Why Donald Trump Still Has a Lot Of Support. Ao lê-lo encontrei uma citação de um grande primeiro-ministro inglês do século XIX, Benjamin Disraeli, que a propósito das clivagens que a industrialização criara na Grâ-Bretanha escreveu uma frase que se aplica como uma luva à realidade americana: agora temos “two nations between whom there is no intercourse and no sympathy; who are as ignorant of each other’s habits, thoughts, and feelings, as if they were dwellers in different zones, or inhabitants of different planets.”
Um outro texto da New Yorker, uma grande reportagem de George Packer, Hillary Clinton And The Populist Revolt, abordava também o mesmo problema, agora pelo ângulo do que se está a passar com o eleitorado branco das classes trabalhadoras e chegando a conclusões muito semelhantes sobre a tribalização da política nos Estados Unidos: “More and more, we live as tribes. It’s easier and more satisfying to hunker down with your cohort on social media than to take up Obama’s challenge and get in someone else’s head. What’s striking is the widespread feeling that liberal values are no longer even valuable—a feeling shared by many people who think of themselves as liberals.”
Isto leva-me directamente ao ensaio desta semana do Wall Street Journal, How to Get Beyond Our Tribal Politics - Whether Hillary Clinton or Donald Trump wins Tuesday, understanding the psychological causes of our national rift can help us bridge it. Neste interessante texto, Jonathan Haidt e Ravi Iyer recordam um provérbio beduíno – “Me against my brother, my brothers and me against my cousins, then my cousins and me against strangers.” – para sublinharem o carácter tribal da natureza humana. Depois de analizarem a forma como a luta política tende a explorar essa nossa forma de ser, sublinhavam como se está a ir longe demais e é necessário encontrar formas de voltar a cerzir uma sociedade deslassada: “This has been a frightening year for many Americans. Questions about the durability, legitimacy and wisdom of our democracy have been raised, both here and abroad. But the true test of our democracy—and our love of country—will come on the day after the election. Starting next Wednesday, each of us must decide what kind of person we want to be and what kind of relationship we want to have with our politically estranged cousins.”
Como não quero começar já a sugerir-vos guias para compreender e seguir do resultados eleitorais – vou deixar isso para o último Macroscópio antes da noite eleitoral – vou acabar por hoje com uma sugestão obrigatória e um brinde especial.
A sugestão obrigatória é o editorial da The Economist, que como sempre deu a sua indicação de voto e fê-lo para apoiar Hillary Clinton, de uma forma até mais afirmativa do que alguns poderiam esperar e concebendo uma capa poderosa com base na imagem que ilustra esta newsletter. Em America’s best hopeescreve-se, por exemplo, que “Mrs Clinton is a better candidate than she seems and better suited to cope with the awful, broken state of Washington politics than her critics will admit. She also deserves to prevail on her own merits.” Ou seja, merece vencer, não apenas tem de vencer para que Trump não possa ser eleito. A velha revista britânica manifesta mesmo algum entusiasmo pela personalidade de Hillary, considerando que apesar da retórica da sua campanha, “In Britain her ideological home would be the mainstream of the Conservative Party; in Germany she would be a Christian Democrat.”
O brined é o primeiro texto no Observador de Germano Almeida, um jornalista especializado em temas norte-americanos - é autor dos livros “Hillary Clinton – Nunca é Tarde para Ganhar” (novembro 2016), “Por Dentro da Reeleição” (abril 2013) e “Histórias da Casa Branca” (maio 2010) – que convidámos para escrever um conjunto de especiais que publicaremos nos próximos dias. Hoje saiu o primeiro, Os americanos estão numa relação com Michelle — e não é complicado, e nele se conta como os eleitores estão apaixonados pela Primeira Dama, um encantamento tardio mas ainda a tempo de tornar Michelle Obama na verdadeira estrela da campanha mais feia, tensa e bizarra dos últimos anos. Pequeno extracto: “Inspiradora, Michelle Obama consegue tocar o coração dos eleitores. É, nesse aspeto, muito mais eficaz em campanha do que tem sido Hillary, que apesar da extrema preparação nos assuntos, não tem o dom da persuasão. Um pouco como fazia Barack em 2008 (menos em 2012, depois de quatro anos de choque da realidade com o poder), Michelle é capaz de pôr o dedo na ferida sem magoar. De falar diretamente ao bom senso das pessoas, algo cada vez mais difícil no clima dividido e maniqueísta que se vive na política e na sociedade americana.”
E por hoje é tudo. Tenham um bom fim-de-semana e preparem-se para uma semana de emoções fortes, com eleições americanas na terça-feira e um Web Summit toda a semana reunido em Lisboa.
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