quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Macroscópio – Uma selecção cuidada… bem, vocês sabem sobre o quê

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!

Trumpquake. Trumped. Revolution. American Psycho. Os títulos das capas dos jornais de hoje reflectiam surpresa e ansiedade. Afinal Donald Trump derrotou as sondagens – como antes dele o Brexit também derrotara as sondagens. Rios de tinta já se escreveram sobre como isso foi possível e o que isso significa, centenas e centenas de artigos que transmitem de uma forma ou de outra a derrota de jornalistas, comentadores e cientistas políticos que consideraram “impossível” Trump ganhar. Os leitores do Macroscópio sabem que aqui sempre se foi mais prudente e se teve o cuidado de citar aqueles que falavam das limitações das sondagens ou da possibilidade de acontecer aquilo que aconteceu: Hillary vencer no voto popular mas perder no colégio eleitoral. Mandava a prudência, e mandava bem. Agora manda a humildade que se tente perceber melhor o que se passou e o que vem a seguir. Por isso, dos tais milhares de artigos produzidos nas últimas 36 horas, a minha limitada capacidade de absorção e selecção permitiu mesmo assim escolher alguns que, creio, informam de forma mais pertinente e analisam com aquela inteligência que ajuda a pensar.
 
Vou começar por alguns artigos da imprensa norte-americana, que naturalmente é aquela onde se pode encontrar maior variedade de enfoques. Peço desculpa por a arrumação das sugestões não seguir, desta vez, uma ordem precisa, mas pareceu-me preferível sublinhar a diversidade dos pontos de vista:
  • How Donald Trump broke the old rules of politics — and won the White House, uma boa análise de Marc Fisher no Washington Post, onde se escreve, por exemplo, que “Trump won because he understood that his celebrity would protect him from the far stricter standards to which politicians are normally held — one bad gaffe, and you’re done. He won because he understood that his outrageous behavior and intemperate comments only cemented his reputation as a decisive truthteller who gets things done.
  • What A Difference 2 Percentage Points Makes, a análise de Nate Silver no FiveThirtyEight de como o erro nas sondagens levou ao erro nas previsões mesmo dos analistas mais cuidadosos, como ele mesmo: “Given how challenging it is to conduct polls nowadays, however, people shouldn’t have been expecting pinpoint accuracy. The question is how robust Clinton’s lead was to even a small polling error. Our finding, consistently, was that it was not very robustbecause of the challenges Clinton faced in the Electoral College, especially in the Midwest, and therefore our model gave a much better chance to Trump than other forecasts did.” De resto, acrescenta, “What’s important is that Trump was elected president. Just remember that the same country that elected Donald J. Trump is the one that elected Barack Hussein Obama four years ago. In a winner-take-all system, 2 percentage points can make all the difference in the world.”
  • How Trump Reshaped the Election Map é provavelmente a mais extraordinária e reveladora infografia que pude encontrar e foi elaborada pelo New York Times, mostrando com ajuda de setas como o eleitorado se moveu de um partido para outro entre 2012 e 2016, condado a condado. É impressionante ver o progresso conseguido por Trump no Midwest e o Rust Belt.
 
  • The people v the people, a habitual coluna Lexington da The Economist desta semana (grande parte dela dedicada a esta eleição), um texto onde se considera que “Setting Americans against each other paved Donald Trump’s path to power”. Mas não foi só ele que fez isso: “Mr Trump may be unique in embracing nastiness as a way to demonstrate sincerity. But it is also the case that Mrs Clinton rallied such voter blocs as Latinos, blacks, women or gay Americans by telling them not just that she was on their side, but that her coalition would not seek to win the votes of those Americans they dislike or distrust. That is what it meant when she declared half of Mr Trump’s supporters “deplorables”: Mrs Clinton was promising that she had no intention of trying to persuade the wrong sort of voters.”
  • How eight years of Barack Obama created Donald Trump, uma perspectiva muito diferente da dominante, um texto de Simon Heffer no Telegraph, um texto de Fevereiro deste ano mas que o jornal decidiu recuperar precisamente por ser desafiante: “To glimpse how little Mr Obama has done for his own constituency – the poor blacks – it is worth reading an instructive article in the latest New Yorker. It is about evictions in Milwaukee, a city that is 40 per cent black. An industry exists to service evictions – courts, lawyers, removal men, bailiffs – and operates full-time, dealing with masses who cannot pay their rent, or their mortgages. Mr Obama was elected promising to end such misery, but he hasn’t, and he never would. America has astonishing wealth; it also has astonishing deprivation and squalor, because there isn’t enough well-paid work to go round. I don’t know Milwaukee, but am familiar with cities such as Baltimore, Newark and Trenton on the east coast, which have square miles of squalor on a scale unknown in Britain.”
  • How Donald Trump won: The insiders tell their story, uma daquelas investigações jornalísticas como raramente se fazem, em que se está por dentro da máquina eleitoral de um candidato para depois contar o que se passou. Eis como o Washington Post a apresenta: “By the spring of this year, it was clear that Americans were heading into one of the ugliest, most consequential and often bizarre presidential campaigns in memory. Donald Trump would become the improbable Republican nominee, and Democrat Hillary Clinton the first woman to head a major-party ticket. Their clash challenged Americans to confront divisions over race, gender, ideology and our very national identity. This is how the race unfolded, as retold by the people who lived it. This oral history is based on four dozen on-the-record interviews with campaign advisers and other key players, conducted during the final two weeks”. Se não conseguir ler já, guarde para ler mais tarde, que vale a pena. (Já agora recordo que o Observador se estreou com dois trabalhos deste tipo nas Europeias de 2014, onde Miguel Pinheiro não descolou de Paulo Rangel, A campanha que andou à procura de “povo”, e Gonçalo Bordalo Pinheiro não largou um minuto Francisco Assis, Por dentro de uma campanha dividida.)
  • Inside the Loss Clinton Saw Coming, uma reportagem dos bastidores da campanha de Hillary Clinton, de Edward-Isaac Dovere no Politico. Conclusão possível: “Clinton and her operatives went into the race predicting her biggest problems would be inevitability and her age, trying to succeed a two-term president of her own party. But the mood of the country surprised them. They recognized that Sanders and Trump had correctly defined the problem—addressing anger about a rigged economy and government—and that Clinton already never authentically could. Worse still, her continuing email saga and extended revelations about the Clinton Foundation connections made any anti-establishment strategy completely impossible.”
  • Want to know why Trump’s winning Ohio? Drink a beer with ‘the deplorables’ in Boehner’s old district., uma reportagem do Washington Post em Middletown, Ohio, que começa assim: “Many Washington elites, including Republicans, do not know a single person who supports Donald Trump. In this depressed industrial town in southwestern Ohio, it is hard to find anyone who says they are for Hillary Clinton.”
  • How Trump Won, uma análise de Ronald Brownstein na The Atlantic onde se passa em revista o que disseram as sondagens pós-eleitorais que permitiram perceber quem vote mem quem, explicando que “The Republican nominee put together a coalition of non-college-educated, non-urban voters—and they turned out for him with tremendous enthusiasm.” (A leitura deste texto que deve ser complementada com outro trabalho do mesmo autor, How the Rustbelt Paved Trump's Road to Victory). Se quiser conhecer todas as “exit polls” e ver como, por exemplo, Hillary afinal acabaou por perder também entre as mulheres brancas, pode consultá-las aqui, no site da CNN.
  • A ‘Dewey Defeats Truman’ Lesson for the Digital Age, uma crítica do provedor do leitos do New York Times, Jim Rutenberg, à forma como os jornalistas e os órgãos de informção não foram capazes de compreender o que se estava a passar no seu próprio país: “The problem that surfaced on Tuesday night was much bigger than polling. It was clear that something was fundamentally broken in journalism, which has been unable to keep up with the anti-establishment mood that is turning the world upside down.”
  • 6 Books to Help Understand Trump’s Win, uma selecção do New York Times “For those trying to understand the political, economic, regional and social shifts that drove one of the most stunning political upsets in the nation’s history”.São eles: The Unwinding: An Inner History of the New America, de George Packer (Farrar, Straus and Giroux); Strangers In Their Own Land: Anger and Mourning on the American Right, de Arlie Russell Hochschild (The New Press); Hillbilly Elegy: A Memoir of a Family and Culture in Crisis, de J.D. Vance (Harper); Listen, Liberal: Or, What Ever Happened to the Party of the People?, de Thomas Frank (Metropolitan Books/Henry Holt & Company); The Populist Explosion: How the Great Recession Transformed American and European Politics, de John B. Judis (Columbia Global Reports) e White Trash: The 400-Year Untold History of Class in America, de Nancy Isenberg (Viking). Pessoalmente acrescentaria a esta lista pelo menos mais dois livros: Coming Apart: The State of White America, 1960–2010, de Charles Murray (Crown Forum) The Fractured Republic: Renewing America's Social Contract in the Age of Individualism, de Yuval Levin (Basic Books).
  • The Troy Brothers Bemoan the Election (An Epistolary Bromance) é a quinta troca de cartas entre dois hisoriadores nascidos em Queens, dois irmãos que se estiveram em lados diferentes da barricada nesta eleição e que, no site judaico The Tablet, mantiveram uma interessantíssima troca de ideias. Senão vejamos: Tevi Troy, um republicano – “For Americans in general, remain calm. Trump is flawed, but hysterical accusations that he is some kind of totalitarian or fascist are and have long been not just overstated but plain wrong. In addition, American institutions are strong, and cannot easily be subverted by a president with bad intentions, even if we did at some point elect a president with those tendencies. We are governed by the rule of law and will continue to be governed by the law.”; Gil Troy, um democrata – “I didn’t and don’t have delicate “misgivings” about Donald Trump. I’m disgusted by his demagoguery, dismayed by his bullying, appalled by his boorishness, stunned by his success despite his governing inexperience. Still, I believe that America is bigger and greater than any one individual because of three important things: the American system, the American people, and the American idea. I still believe the American system the Framers designed over two centuries ago works brilliantly. Again and again, it has figured out how to bring out the best in people by understanding our flaws, thereby fragmenting power, checking and balancing, serving as a constructive platform for the greatest experiment in liberal nationalism, the United States of America.
  • The Trump Opportunity, uma opinião de Daniel Henninger no Wall Street Journal onde se dão alguns conselhos ao novo Presidente sobre quais devem ser as suas prioridades: “The Trump opportunity is at hand to quickly normalize unease about what his presidency represents by sitting down with Mitch McConnellPaul Ryan and U.S. ambassador to Congress Mike Pence to chart a reform agenda on taxes, health care, energy and financial regulation. (…) As to the post-Comey investigations of Hillary, drop it. She’s finished. Move on. Besides, half of the divided country will be watching the Trump presidency for any positive sign that he’s, well, normal.”
  • Can Republicans Contain Trump?, uma análise de David Frum na The Atlantic que, de certa forma, complementa a leitura anterior, mas deixando a dúvida sobre se Trump conseguirá trabalhar, com pragmatismo e moderação, com os congressistas do partido pelo qual foi eleito para a Casa Branca: “Like George W. Bush in 2000, Donald Trump lost the popular vote. More Americans opposed him than favored him. The constitutional rules allow him and his adopted party to proceed. It’s up to them whether to proceed cautiously or recklessly. The early indications suggest they will push as hard as they can. It’s a risky plan, both for party and nation. The country cannot be governed by partisan imposition. The attempt to bypass democratic consent will not end well. And this time it may permanently damage republican institutions.”


Poderia continuar, mas julgo que já me estendi um pouco na lista de sugestões e ainda devo deixar algumas referências indispensáveis relativas ao que foi publicado entre nós. E aqui começo não por uma leitura, mas por um programa: o Conversas à Quinta que gravei hoje com Jaime Gama e Jaime Nogueira Pinto, A vitória de Trump: do pânico do establishment à ansiedade dos parceiros internacionais. Muitos pensarão que já não há muito mais a dizer sobre as eleições norte-americanas, o porquê do resultado, os desafios dos próximos tempos, mas isso é não conhecer a cultura e a inteligência destes dois grandes conversadores que, em mais este programa, fogem das ideias feitas e da superficialidade, para irem mais além. Vale a pena ver ou, então, ouvir o podcast - aqui ou aqui.
 
Por fim, uma selecção de alguns dos textos que me pareceram merecedores da vossa atenção:
  • É amarga, mas justa, a lição que Donald Trump acabou de nos dar, de Miguel Esteves Cardoso, no Público: “Donald Trump foi sujeito à maior e mais violenta campanha de ataques pessoais que alguma vez vi na minha vida. Todos as principais publicações alinharam entusiasticamente. Sem recorrer a sites de extrema-direita o único site que defendia Trump foi o extraordinário Drudge Report. Foi só através dele que comecei a achar – e aqui vim dizer – que o eleitorado reage sempre mal às ordens paternalistas dadas por uma unanimidade de comentadores, jornalistas e celebridades. A eleição de Donald Trump foi um triunfo da democracia e uma derrota profunda dos meios de comunicação social.”
  • A revolução dos “deplorables” e a derrota histórica do “establishment” boquiaberto, de Nuno Garoupa no Observador: “Há muitos derrotados. O establishment, claro está, que tudo fez para eleger Hillary Clinton. O Presidente Obama que, rompendo com a convenção de muitas décadas, decidiu meter-se a fundo na campanha (…). A comunicação social progressista que levou a candidata ao colo e patrocinou sistematicamente os ataques moralistas a Trump (aliás, inventaram os Republicans for Clinton, que evidentemente não existem eleitoralmente, mas esqueceram-se dos Trump Democrats que, sim, existem e muitos deles são latinos e mulheres), nomeadamente o NYT, a CNBC e a CNN.”
  • Acordámos num mundo que não conhecemos, que eu próprio escrevi no Observador: “Não vale a pena prever o apocalipse. Porque não vai acontecer. O momento é de espanto e choque, mas continuo a acreditar que a democracia americana não deixará de ser a democracia americana, e se há coisa que a caracteriza é o princípio da limitação de poderes. A fidelidade aos “checks and balances”. O presidente, o “homem mais poderoso do mundo”, não é omnipotente: Trump não actuará a seu bel prazer, mesmo que a sua surpreendente vitória o tenha creditado com uma autoridade pessoal que nunca pensámos possível.”
  • poder e o medo, de Jorge Almeida Fernandes no Público: “Os medos desafiam a lógica e os próprios interesses. É acima de tudo um medo da mudança e do desaparecimento dum “antigo mundo”. Medo da erosão dos valores tradicionais. Medo do futuro. As classes dirigentes americanas (para não falar nas europeias) não souberam falar aos “perdedores” da globalização e das revoluções tecnológicas.”
  • Sabemos quem perdeu, não quem ganhoude Rui Ramos no Observador: “Perdeu o conservadorismo clássico, que cedeu o seu lugar, enquanto inspiração doutrinária do Partido Republicano, a um movimento capaz de levantar milhões de pessoas contra a elite privilegiada do “politicamente correcto” e contra a visão do mundo que resumimos com o rótulo de “globalização”. Chamamos-lhe “populismo”, porque não sabemos bem o que chamar a algo que não encaixa nas divisões tradicionais entre esquerda e direita. Trump está nitidamente para além dessa dicotomia.
  • Trump não é o princípio nem o fim do mundo. Mas é outra coisa, de Ricardo Costa no Expresso: “Trump não é o fim nem o princípio desta tendência que põe em causa a ordem mundial estabelecida no pós-guerra. Ele demonstrou que a imprevisibilidade do Brexit não foi um acaso: muitas pessoas estão dispostas a votar no que não conhecem, apenas porque não gostam do que conhecem. Entre um presente de que não gostam e um futuro que não sabem o que pode ser, optam pelo segundo.”
 
Como imaginam deixo imensíssima coisa de for a, muitos textos que mereciam ser aqui citados e a que talvez regresse. Mas não há tempo para tudo hoje, e Trump só agora começa. Teremos mais oportunidades de falar, pois haverá muito para falar.
 
Tenham um bom descanso e, desta vez, se puderem não se fiquem só pelas minhas sugestões, assumidamente limitadas. E não se esqueçam: o mundo não acabou na terça-feira, nem sequer a América. Tempos desconhecidos são também tempos interessantes. 

 
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EUA - Bernie Sanders: "Trump aproveitou a raiva de uma classe média em declínio”

Caso “Trump aplique políticas racistas, sexistas, xenófobas e prejudiciais para o ambiente, terá a nossa vigorosa oposição”, garante o senador socialista do Estado de Vermont.
Numa primeira reação aos resultados eleitorais, publicada na sua página de facebook(link is external), Bernie Sanders sublinha que Donald Trump aproveitou “a revolta de uma classe média em declínio que está farta do establishmenteconómico, do establishmentpolítico e do establishment dos media”.

“As pessoas estão fartas de trabalhar mais horas por salários mais baixos, de ver os empregos com salários dignos irem para a China e para outros países de baixos salários, de os bilionários não pagarem quaisquer impostos federais e de não conseguirem pagar a educação dos seus filhos – enquanto os muito ricos se tornam muito mais ricos”, escreve Sanders.

“Na medida em que Trump queira mesmo adotar políticas que melhorem a vida das famílias trabalhadoras neste país, eu e outros progressistas estamos preparados para trabalhar com ele. Na medida em que aplique políticas racistas, sexistas, xenófobas e prejudiciais para o ambiente, terá a nossa vigorosa oposição”, garante o senador socialista do Estado de Vermont.

Foto: Sanders sublinha que Trump aproveitou “a raiva de uma classe média em declínio que está farta do establishment económico, do establishment político e do establishment dos media”. Foto de Michael Vadon.

Esquerda.net

TRAMP É FOFINHO. QUEM DIRIA?!

A Clinton da voz esganiçada baixou a forma de cacarejar por via da enorme derrota que o eleitorado norte-americano lhe infligiu após a bebedeira que foi a campanha eleitoral nos EUA.

Venceu em maioria de estados o bronco Donald Trump. Só bronco para não mencionar uma lista extensa de epítetos a condizer com o figurão que vai ser presidente dos EUA. Foi eleito. Depois da bebedeira os norte-americanos estavam de ressaca e votaram nele em larga escala. 

A verdade é que também só bêbados é que podiam participar no ato eleitoral, considerando os dois candidatos do sistema destacados pelas lavagens e manipulações dos media. 

Seja como for quem venceu foi o tal bronco, para regozijo das extremas-direitas de todo o mundo, do Ku-Klux-Klan e associados, etc. Putin também se regozijou. Espantoso. Entre a merda e o cagalhão Putin escolheu um deles. Mas não votou, não é eleitor nos EUA. A escolha entre as defecações no pleito eleitoral teve de ser dos sacrificados eleitores da pátria do Tio Sam. 

Dito isto importa salientar o constante no Expresso Curto de hoje da autoria de Miguel Cadete (que reproduzimos a seguir). Ele diz que Donald Trump é fofinho. Não é surpresa, a trampa é fofinha enquanto não endurece. E é nessa fase que até cheira muito mal.

Então talvez possamos concluir que Trump irá atenuando os maus odores ao longo do seu mandato presidencial. Passará a ser um merda sêca. Provavelmente deixará de ser tão racista, tão ordinário, tão misógeno, tão machista, tão fascista, tão xenófobo… tão merdoso. Oremos.

Do Curto do Expresso segue-se a descoberta do autor sobre a fofura Tramp. Miguel Cadete tem a palavra, expressamente. Vale ler. De fio a pavio. (MM / PG)

Afinal, Trump é fofinho

Lembra-se do Donald Trump racista, xenófobo, sexista, misógino, boçal e abrutalhado. Aparentemente, já não existe. Se continua a recordar o episódio do muro que divide os Estados Unidos do México, o peculiar “grab them by the pussy”, as ofertas de banquetes no McDonalds para o presidente da China, as humilhações em público de participantes em concursos de beleza ou mesmo o mais recente “devias era estar presa” dirigido a Hillary Clinton num dos debates destas presidenciais, então é porque ainda não digeriu a derrota da candidata democrata à presidência da democracia mais poderosa do mundo.

Vou dar-lhe uma notícia: Donald Trump ganhou a eleição (e não foi por pouco, confira aqui o resultado final) e, depois do objetivo alcançado, dispensou o discurso anti-políticos, anti-política, anti-sistema, anti-establishment, anti-elites, anti-tudo e e o seu contrário.

Ele ganhou e agora já não precisa disso para nada. Quer ver o que disse no discurso de aclamação? Agora é hora de sarar as feridas, eu sou o presidente de todos os americanos, vamos trabalhar juntos, a minha campanha era um movimento de americanos de todas as raças, religiões, classes e crenças. (o discurso na íntegra pode ser lido aqui). Um mister, isto é, um verdadeiro estadista; quero dizer, afinal Donald é um fofinho. Os mercados também acham. A Bolsa de Nova Iorque fechou a subir 0,4%. Nada mau para quem antevia um Brexit multiplicado por dez.

Por que razão Trump ganhou? Bem, escreveram-se rios de tinta sobre o assunto nas últimas 24 horas. Muita prosa que desmentia o que se tinha dito desde há ano e meio até ao dia de anteontem. Os prognósticos depois do jogo são sempre mais consistentes. Destaco apenas três dados estatísticos da maré que nos inundou desde o dia 8 de novembro: 61% dos americanos consideram Donald Trump inapto para o cargo de Presidente e ainda assim votaram nele. 41% das mulheres votou em Trump. Além dos indiferenciados, os eleitores brancos com habilitações universitárias também preferiram Donald Trump a Hillary Clinton. OS “New York Times” tem tudo isso e muito mais aqui.

Mas o leitor que me perdoe: a 5 de setembro de 2015, ou seja, há mais de um ano, Miguel Monjardino explicou por que este magnata sem maneiras tinha condições para ser Presidente dos Estados Unidos da América. É um texto longo que pode ser lido aqui e que levava um título premonitório: “a América que amamos odiar”. Mas se não está convencido da assertividade do artigo escrito já lá vão 14 meses, leia, por favor, este outro bem mais curto dado à estampa, nas páginas do 1º Caderno do Expresso a 24 de setembro. Está lá tudo, obrigado Miguel Monjardino. O bom jornalismo não é aquele que confirma as nossas convicções.

Como não vimos tudo isto, ainda que estivesse escrito preto no branco? Como conseguiu Trump vencer tudo e todos, atropelando a candidata do Partido Democrata mas também os Clintons, os Obamas, as elites, todos os artistas que amamos e até os que detestamos e que apoiavam Hillary e ainda – pode ser perigoso esconder - quase todas as sondagens e todas a media com a exceção da Fox News? Rui Cardoso explica aqui. Mas posso resumir num instante: as elites, os media e as empresas de sondagens estão mais próximos do establishment (ou das suas fontes) do que dos seus leitores. O “New York Times”, assim como a esmagadora maioria dos jornais, não entendeu o que se estava a passar na América. E o único caminho é fazer um mea culpa. Até porque, concordamos, esta foi uma campanha para lá da verdade e para lá do jornalismo e esse é o caminho mais curto para o fim da democracia e da liberdade. Continuamos a não querer 4 anos de servidão.

Pelo facto de esta campanha de Donald Trump ter sido produzida a pensar na emoção, no abalroar do sistema, nos danos provocados nas elites, nas mentiras que procuravam um eleitorado descontente, não vale, por ora, perder muito tempo a discutir se o novo presidente de todos os americanos vai mesmo construir um muro na fronteira com o México, se vai mandar prender Hillary Clinton ou expulsar 11 milhões de imigrantes ilegais. Esse é um mundo louco. Mas existira?

Ele é o primeiro presidente sem qualquer experiência governamental. E terá então de se rodear de uma equipa capaz de gerir a coisa pública e entre os republicanos não faltará quem defenda o fim do Obamacare e a baixa dos impostos, muito provavelmente também a continuação do esvaziamento da NATO e uma ainda maior ligação ao Reino Unido, podendo a City de Londres encontrar um enorme aliado em tempos de Brexit. O certo, porém, é o incerto; ninguém sabe o que será a administração Trump até porque, possivelmente, ele só será o Presidente.

Quem foi eleito para a Casa Branca? Ainda não sabemos. Donald Trump já tem o que quer. Já não está em campanha. Vai ter que lidar com o sistema e, mesmo não ameaçando tirar o lugar a Gandhi ou Martin Luther King no panteão dos que defenderam os direitos cívicos, não será certamente o Trump que todos amamos odiar. Por isso é incontornável ler a edição especial do Expresso Diário dedicada às eleições norte-americanas e às suas consequências.

OUTRAS NOTÍCIAS

Lembra-se de Sócrates? E da Operação Marquês? Porque não terminou, O que falta fazer depois de o ex-primeiro-ministro já ter sido preso, ter sido libertado e nunca ter sido acusado. O que é preciso para que a Operação Marquês termine? Micael Pereira explica tudo o que ainda falta saber em 2 minutos e 59 segundos

O Governo também é fofinho. Não porque o António Costa já tenha felicitado o senhor Trump pela vitória, como na verdade sucedeu, mas porque o desemprego baixou 0,3% face ao três meses anteriores. De acordo com o INE, no terceiro trimestre deste ano, a taxa de desemprego ficou-se pelos 10,5%. Neste momento, ainda há 549,5 mil desempregados, menos 69,3 mil do que no mesmo período do ano passado.

Tribunal Constitucional notifica gestores da CGD. Seguindo o parecer emitido há quatro dias pelo Presidente da República, o Tribunal Constitucional exigiu ontem aos administradores da CGD que apresentem as suas declarações de rendimento e de património. Haverá quem não aceite? Para saber como param as modas, o Presidente da República chamou António Domingues, Presidente da Caixa, a Belém ontem esteve ontem à tarde. O “DN” escreve na primeira página que a equipa de Domingues tem 30 dias para contestar ou entregar as declarações.

Polícia Judiciária fala com a irmã de Pedro Dias, o fugitivo. A PJ quer saber como Andreia, irmã do homem que esteve 28 dias fugido, o poderá ter ajudado nesta fuga. Contudo, não poderá ser constituída arguida devido aos laços familiares que os unem. O mesmo não sucedeu com uma professora de 61 anos que está sob suspeita. O “JN” diz que foram encontradas roupas e binóculos em sua casa. Depois da entrega do foragido em direto na TV, a PJ mostra que estava a controlar a situação. O Expresso, entretanto, revela que a moradia onde Pedro Dias se entregou, em Arouca, já estava sob vigilância.

FRASES (ESPECIAL BONZINHOS)

“No dia seguinte à eleição devemos lembrar-nos que estamos todos do mesmo lado”. Barack Obama

“Devemos a Trump um espírito aberto e a hipótese de liderar”.Hillary Clinton

“Talvez faça uma perninha no Sporting”. Cristiano Ronaldo e os seus planos para depois dos 41 anos, em “A Bola”

“Finalmente, vou ter uma noite descansada”. Pedro Dias, o fugitivo, ao chegar à prisão, no “Correio da Manhã”

“Se o PSD não descolar, é expectável que apareça uma alternativa”.Rui Rio, em entrevista ao “Diário de Notícias”

“O único argumento de Hillary, em quem votei, era ‘eu quero ser, é a minha vez’. Sempre que um candidato de apresentou assim, perdeu: Al Gore, Bob Dole, John McCain, John Kerry... acho que ele se comporta como um idiota, mas a república vai sobreviver”. Bradley Tusk, da Tusk Holdings, no Web Summit de Lisboa

O QUE ANDO A LER

Tenho para mim que arte e gastronomia são sinónimo de civilização. Quero dizer, gosto de acreditar que alimentado convenientemente o corpo e alma seremos pessoas melhores. O Expresso, por seu lado, também dedica espaço a uma e à outra páginas do Expresso, em especial nas da Revista. E é também por isso que desde há muito nos distinguimos pela crítica, séria e independente, de restaurantes. A esse respeito temos a felicidade de contar entre os nossos colaboradores com Fortunato da Câmara, que sucedeu nesse mester ao monstro José Quitério.

Ora, Fortunato da Câmara acaba de publicar mais um livro, desta vez dedicado a uma preciosa investigação que levou a cabo em parceria com Mário Vilhena da Cunha. “A vida e as receitas inéditas do Abade de Priscos” (Temas & Debates, outubro de 2016) serve e serve-se como uma biografia de Manuel Joaquim Machado Rebelo, também conhecido como o Abade de Priscos, popular e presença assídua em inúmeros restaurantes devido à receita de um pudim.

A obra é preciosa pois, com a ajuda de um sobrinho-bisneto do Abade, Fortunato não só fez o levantamento dos principais feitos em vida de Manuel Joaquim (“Prestei bons serviços a todas as políticas na Monarquia e na República; prestei muitos serviços a bons Amigos sem outra remuneração”, lê-se a abrir o tomo em jeito de citação que enforma esta carreira) como foi o jantar para a família real em 1882, as suas viagens a Lourdes, Roma e Paris ou a sua correspondência mas também as que deixou para a posteridade.

Quem pensar que a invenção do Abade de Priscos se cingia ao pudim está bem enganado. Aqui se publicam, pela primeira vez e terminando com o seu ineditismo muitas das receitas que se encontravam no seu espólio e que agora são resgatadas. Há “Língua de fricassé”, “Rolo de carne”, “Pastéis de massa tenra” e outras iguarias para quase todos os gostos mas sempre à maneira do Abade de Priscos.
Claro que também é aqui que se pode ler, e tentar reproduzir, a verdadeira, a privada, a completa receita do Pudim de Priscos, aquela que levava o Abade a ganhar concursos nos mais distintos banquetes onde pugnava por uma cozinha de inspiração francesa mas marcadamente portuguesa e de cunho tradicional.

Estude o manuscrito da receita tal como reproduzida pela sobrinha Teresa Zulmira, não poupe no toucinho e aventure-se na produção de um dos mais icónicos representantes da doçaria portuguesa. Isto é, poupe o fígado e tenha um doce fim de semana.

Por hoje é tudo. Todas as notícias são atualizadas em permanência no Expresso Online. Logo mais, pelas 18 horas, será publicado mais uma edição do Expresso Diário. Amanhã, estará por cá Henrique Monteiro, que percebe de Abades e Abadias como poucos, para lhe servir mais um Expresso Curto.

A UNIDADE PROGRESSISTA EM TORNO DO MOVIMENTO DE LIBERTAÇÃO EM ÁFRICA

DECISIVA PARA AS INDEPENDÊNCIAS, ESTÁ NA BASE DA PAZ COM HARMONIA DAS POLÍTICAS DO PRESIDENTE JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS

Os movimentos de libertação contra o colonialismo português procuraram sempre unidade de acção desde o dia 18 de Abril de 1961, quando em Casablanca, Marrocos (e com o apoio do Rei Mohamed V desse país), se constituiu a Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP).

A vinda do Che para África reforçou a luta na parte austral do continente, pois determinou tacitamente dois pontos fortes da inteligência cubana, Dar es Salam e Brazzaville, numa linha que em 1965 reforçava os suportes da FRELIMO e do MPLA, tendo a 1ª coluna do Che a meia distância, a oeste do Lago Tanganika, o que reforçou tacitamente a acção militar no âmbito da CONCP em direcção à África Austral.

Por parte dos movimentos de libertação empenhados na luta contra o colonialismo português, a Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP), que teve em 1965 a sua segunda plenária em Dar es Salam, permitia a expressão dessa linha nos termos da libertação da África Central e Austral, antecipando outra organização que surgiria depois da independência, os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) e a Linha da Frente, anos mais tarde, contra o “apartheid”.

Na IIª Reunião da CONCP em Dar es Salam, a presidência rotativa da CONCP passou do MPLA para a FRELIMO.

Desconheço se houve a formulação secreta duma estratégia para além das concertações político-diplomáticas, mas as linhas tácitas são expressivas, por que faziam frente à internacional fascista a sul, conforme a expressão do acordo secreto ALCORA. (que surgiria em termos práticos 3 anos depois da passagem do Che por África, em 1968, quando os sul africanos reforçaram os dispositivos militares portugueses no Cuando Cubango).

Essas linhas tácitas decidiram a abertura da Frente Leste do MPLA tendo como rectaguarda a Zâmbia, algo que foi minado pela inteligência da internacional fascista, manipulando o presidente Kenneth Kaunda.

Durante a luta de libertação entre a FRELIMO e o MPLA assegurou-se algum apoio mútuo na frente militar, sobretudo no concernente a suprimentos pontuais no campo da logística, pois que isso se tornava exequível entre a Frente Leste de Angola e a Frente de Tete em Moçambique, dado que o desdobramento dos fornecimentos ocorria na Zâmbia.

Delegações da FRELIMO visitaram Angola e as do MPLA Moçambique. O Presidente Neto visitou Nachingweia e o MPLA esteve representado no IIº Congresso da FRELIMO.

A ambiguidade do presidente Kenneth Kaunda em relação ao MPLA e a dissidência de Daniel Chipenda (Revolta do Leste) em 1973, revelam que, para além dum pacto militar, os processos de inteligência da internacional fascista interligavam-se e no que ao colonialismo português dizia respeito, tornava-se num ambiente mais favorável à elasticidade da AGINTER PRESS, do que em relação à quadrícula obrigatória da PIDE/DGS (daí o poder de manobra de Jorge Jardim no Malawi primeiro e na Zâmbia, precisamente em 1973).

A presença diplomática em Kinshasa (António Monteiro, natural do Luena, Angola), foi também um enquadramento inteligente da internacional fascista e daí a deriva posterior da FNLA, a que aderiu o coronel Santos e Castro na batalha pela independência de Angola.

Em 1975, para assegurar a independência a CONCP, através dos Governos de Moçambique, Guiné-Bissau e Cabo-Verde, desempenhou um papel de grande relevo.

Numa primeira fase tropas da Guiné (B), a que se juntaram as da Guiné (C) e do Congo (B), partiram para Angola para assegurar a defesa da faixa a sul de Luanda, ameaçada pela invasão sul-africana.

Para a faixa Norte, onde a ameaça partia das forças de Mobutu, do FLNA e dos mercenários, Moçambique despachou todos os seus BM 21 e aviões de transporte, os NORD ATLAS, assim como meios adicionais de artilharia e munições.

Estes meios mostraram-se importantes para a derrota em Quinfangondo da invasão conjunta do FLNA, Zaire e mercenários (Operação Iafeature da CIA contra Angola, sob mando de Henry Kissinger).


 Lembrar tudo isso hoje, 51 anos depois da passagem do Che por África e quando Angola comemora 41 anos de independência, é avaliar o sentido do Movimento de Libertação em África e das razões profundas da necessidade de paz em harmonia, pois a luta contra o subdesenvolvimento é a sequência lógica de todo esse colossal esforço em prol da libertação dos povos africanos nas amplas regiões Central e Austral do continente.

Para termos a noção das linhas tácitas progressistas que catapultaram o MPLA e a FRELIMO até às independências, no âmbito da Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP), que teve a sua segunda reunião ampla em 1965, recorde-se a expressão militar do acordo secreto ALCORA, cujos primeiros passos foram dados em Angola em 1968, o que viria a propiciar posteriormente a “Operação Savanah” das SADF contra Angola, na tentativa de colocar seus aliados (FNLA e UNITA), no poder em Luanda no dia 11 de Novembro de 1975.

Angola seria um presa dócil para a internacional fascista, ao nível do que foi o Zaíre com Mobutu no poder, se os seus planos tivessem vingado e provavelmente o seu território seria polvilhado de “bantustões”, tal como aconteceu com a Namíbia (Sudoeste Africano) ocupada e antes da batalha do Cuito Cuanavale (recorde-se: Namaland, Barterland, Damaraland, Kaokoveld, Ovamboland, Hereroland, Bushmanland, Kavangoland e Caprivi)…

**Fotos dum longo e decisivo percurso.

A consultar: 

JULIAN ASSANGE: “HILLARY É A CANDIDATA DO 1%”

Emails vazados pelo Wikileaks revelam: todo o establishment está com ela – em especial a oligarquia financeira e o complexo industrial-militar. Veja por quê.
Entrevista a John Pilger, em Outras Palavras

Julian Assange concedeu uma de suas entrevistas mais incendiárias, num encontro com John Pilger (John Pilger Special), cortesia de Dartmouth Films, na qual resume o que lhe parece mais crucialmente importante das dezenas de milhares de e-mails distribuídos por WikiLeaks esse ano.

Pilger, australiano como Assange, realizou a entrevista, de 25 minutos, na Embaixada do Equador em Londres, onde Assange está confinado desde 2012, por medida de segurança, para evitar ser extraditado para os EUA. Mês passado, a conexão de internet de Assange foi cortada, alegadamente por “interferência” na eleição presidencial dos EUA, pelo trabalho de seu website.

John Pilger: O que significa a intervenção do FBI nesses últimos dias da campanha eleitoral dos EUA, desta vez contra Hilary Clinton?

Julian Assange: O FBI tornou-se efetivamente a polícia política dos EUA. Demonstrou isso ao provocar a demissão do ex-diretor da CIA[general David Petraeus] porque passara informação secreta para a amante. Quase ninguém é intocável. O FBI está sempre tentando demonstrar que ninguém consegue resistir a ele. Mas Hillary Clinton resistiu muito acintosamente contra a investigação do FBI, o que gerou muita ira, porque fez com que a instituição aparecesse em posição de fraqueza aos olhos da opinião pública. Nós publicamos cerca de 33 mil emails de Hillary, de quando era secretária de Estado. São parte de mais de 60 mil emails, [dos quais] Hillary conservou cerca da metade, 30 mil. E nós publicamos a outra metade.

Depois, estamos publicando os “Podesta emails“. [John] Podesta é principal coordenador de campanha de Hillary Clinton, portanto há um fio que percorre todos esses emails; há muita “negociação” do tipo “pague para jogar”, pay-for-play, como eles dizem, muito acesso liberado a estados, indivíduos e empresas, em troca de dinheiro. [Esses emails] combinam-se com o encobrimento dos de Hillary Clinton, de quando foi secretária de Estado, que gerou um ambiente no qual aumenta a pressão sobre o FBI.

A campanha de Hillary disse que a Rússia está por trás dos vazamentos, que Moscou manipulou a campanha e que é fonte de onde WikiLeaks recebe seus emails.

O campo de Hillary conseguiu projetar esse tipo de histeria neo-macartista: a Rússia sempre é culpada por tudo. Hilary Clinton disse inúmeras vezes, mentindo, que 17 agências de inteligência dos EUA teriam concluído que a Rússia seria a fonte de nossas publicações. É mentira. Posso dizer, porque é absoluta verdade, que nossa fonte não é o governo russo.

WikiLeaks publica já há dez anos. Ppublicamos 10 milhões de documentos, vários milhares de publicações individuais, vários milhares de diferentes fontes, e ninguém jamais encontrou informes falsos no que publicamos.

Os emails que provam que se vendiam acessos [a autoridades], que se trocava acesso por dinheiro, e o modo como a própria Hillary Clinton beneficiou-se desse “mecanismo” e como ainda se beneficia politicamente. São documentos realmente extraordinários. Penso no representante do Qatar, que comprou e pagou com um cheque de 1 milhão de dólares, o “direito” de falar diretamente com Bill Clinton, por cinco minutos.

Do Marrocos, cobraram 12 milhões…

Exatamente, 12 milhões do Marrocos, é mesmo.

… para que Hillary Clinton comparecesse a uma festa.

Em termos da política externa dos EUA, e nesse setor os emails são especialmente reveladores, porque mostram a conexão direta entre Hillary Clinton e o surgimento do jihadismo, do Estado Islâmico (ISIS), no Oriente Médio. Você poderia comentar o modo como os e-mails demonstram essa conexão? Afinal, os que deveriam estar combatendo contra os jihadistas do ISIS, são, na verdade, os que ajudaram a criá-lo.

Há um email do início de 2014, de Hillary Clinton, pouco tempo depois de ela ter deixado o Departamento de Estado, dirigido ao coordenador geral de sua campanha, John Podesta. Hillary diz que o ISIS fora criado pelos governos de Arábia Saudita e Qatar. Esse é o email mais significativo de toda a coleção, e talvez seja o motivo pelo qual há dinheiro saudita e qatari em todos os cantos da Fundação Clinton. O governo dos EUA até admite que algumas figuras sauditas tenham apoiado o ISIS. Mas a fantasia que se criou sempre foi a de que seria dinheiro de alguns príncipes “do mal”, usando o dinheiro que lhes cabe do petróleo para fazer o que quisessem, mas que a ação seria desaprovada pelo governo saudita.

O que aquele email diz é que não. Quem pagava naquele momento para manter o ISIS eram os próprios governos saudita e qatari.

Os sauditas, qataris, marroquinos, bahrainis, particularmente os sauditas e os qataris, estão enchendo de dinheiro a Fundação Clinton, no exato momento em que Hilary Clinton é secretária de Estado, e o Departamento de Estado aprova negócios maciços de venda de armas, particularmente para a Arábia Saudita.

Aconteceu durante o mandato de Hillary Clinton o maior negócio de armas de toda a História, com a Arábia Saudita, [num total de] mais de 80 bilhões de dólares. De fato, durante o mandato dela como secretária de Estado, o valor total em dólares, das exportações de armas dos EUA, dobrou.

Claro, o outro lado dessa moeda é que o grupo terrorista conhecido como ISIS foi criado, em grande medida, com o dinheiro do mesmo pessoal que sustenta também a Fundação Clinton.

É.

É espantoso.

É verdade é que, no plano pessoal, Hillary Clinton me inspira muita pena, porque vejo uma pessoa que está sendo devorada ao longo da vida pelas próprias ambições, literalmente tão atormentada a ponto de adoecer. Ela desmaia, como resultado doentio das próprias ambições. Ela representa toda uma rede de pessoas e uma rele de relacionamentos com Estados determinados. A questão é determinar o modo como Hilary Clinton está encaixada nessa rede mais ampla. Ela é como um eixo de articulação que centraliza e distribui as “energias”. Há várias alavancas distintas em operação, desde os grandes bancos como Goldman Sachs e elementos importantes de Wall Street, e da inteligência, e pessoal no Departamento de Estado e os sauditas.

Ela é o eixo de articulação-distribuição que interconecta todos esses diferentes braços. É como a representação central de tudo isso; e “tudo isso” é mais ou menos o que se vê hoje na posição de mais poder nos EUA. É o que chamamos de establishment ou de “o consenso da capital” [ing. DC consensus]. Outro importante email de Podesta, que já distribuímos, foi sobre como se formou o gabinete de Obama; como mais da metade dos nomes que constituíram o gabinete Obama foram basicamente nomeados pelo CityBank. É impressionante.

CityBank é aquele que mandou uma lista…

Esse mesmo.

… com praticamente todo o gabinete Obama.

É.

Quer dizer que Wall Street decide quem fica e quem sai do gabinete do presidente dos EUA?

Se você acompanhava de perto a campanha de Obama naquela época, percebeu o quanto a campanha rapidamente se aproximou dos interesses dos bancos. Da mesma forma, ninguém pode compreender adequadamente a política externa de Hillary sem compreender a Arábia Saudita. As conexões com a Arábia Saudita são tão íntimas!

Por que Hillary manifestou-se tão entusiasticamente deliciada com a destruição da Líbia? Você pode por favor falar um pouco sobre o que os emails informam – sobre o que dizem a vocês –, do que realmente aconteceu na Líbia? Porque a Líbia é quase diretamente a fonte de muito do que hoje se vê acontecer na Síria: o ISIS, o jihadismo e tudo mais. E foi praticamente a invasão construída por Hillary Clinton. O que os emails nos contam sobre isso?

A Líbia é a guerra de Hillary Clinton, sim, mais do que de qualquer outra pessoa. Barak Obama inicialmente se opôs. Quem promoveu, sempre incansavelmente, aquela guerra? Hillary Clinton. Está claramente documentado nos emails dela. Ela pôs seu agente preferido, Sidney Blumenthal, nessa tarefa. São mais de 1.700 emails dos 33 mil emails de Hillary Clinton que publicamos até agora, só sobre a Líbia. Não porque a Líbia significasse petróleo barato. Mas porque ela viu a importância de derrubar Gaddafi e destruir o Estado líbio –, importante para ela mesma, porque viria a servir-se desse “feito” para concorrer à eleição geral para presidente.

No final de 2011 apareceu um documento interno chamado Tick Tock On Libya que foi produzido para Hillary Clinton, e é a descrição cronológica do que ela fez como figura central na destruição do Estado líbio, que resultou em cerca de 40 mil mortos na Líbia; então os jihadistas mudaram-se para lá, o ISIS instalou-se lá, as populações residentes foram expulsas, o que gerou o fluxo de refugiados e a crise dos migrantes para a Europa.

Não apenas gerou-se ali um fluxo de pessoas obrigadas a deixar a Líbia, a deixar a Síria, e a desestabilização de outros países africanos, por efeito direto do fluxo de armas para a região, mas o próprio Estado líbio foi desmontado e perdeu a capacidade de controlar os fluxos de migrantes que passaram a cruzar o país. A Líbia está diante do Mediterrâneo e sempre funcionou como a rolha que continha a pressão do resto da África. Por isso, pode-se dizer que [a destruição do Estado líbio é a origem de] todos os problemas, problemas econômicos e a guerra civil na África. Porque antes, os problemas não eram canalizados diretamente para a Europa: a Líbia operava como guardiã do Mediterrâneo.

Exatamente o que, naquela época, início de 2011, dizia o coronel Gaddafi: “O que esses europeus pensam que estão fazendo, tentando bombardear e destruir o Estado líbio? Haverá inundação de migrantes e jihadistas saídos da África, que entrarão diretamente na Europa.” Foi precisamente o que aconteceu, efeito direto da guerra de Hillary Clinton.

Você ouve reclamações de pessoas que dizem “O que é isso que WikiLeaks está fazendo? Estarão tentando pôr Trump na Casa Branca?”

Minha resposta é que Trump não será “autorizado” a vencer. Não lhe permitirão vencer. Por que digo isso? Porque Trump tem contra ele todo establishment, todos os vários campos do establishment. Não há uma única área ou setor do establishment a favor de Trump. Talvez só, no máximo, os evangélicos, se se pode dizer que sejam um establishment. Bancos, inteligência, empresas fabricantes de armas, dinheiro de fora etc. todos esses apoiam Hillary Clinton. E a mídia-empresa comercial, claro. Os proprietários das empresas comerciais de mídia e, também, os próprios jornalistas seus empregados.

Há também a acusação de que WikiLeaks estaria associado com os russos. Há quem diga “Ora, por que WikiLeaks não investiga nem publica emails sobre a Rússia?”

Publicamos cerca de 800 mil documentos de vários tipos, relacionados à Rússia. Muitos deles são criticamente importantes; e a partir do que publicamos surgiram vários livros sobre a Rússia, muitos deles de crítica à Rússia. Nossos documentos [sobre a Rússia] já foram usados em inúmeros processos judiciais, dentre outros de refugiados, de pessoas que fogem de algum tipo de declarada perseguição política de que seriam vítimas na Rússia. Em vários desses casos, nossos documentos foram citados em tribunais, como prova.

Como você, pessoalmente, vê as eleições nos EUA? Tem alguma preferência? Clinton ou Trump?

[Falemos para começar, de] Donald Trump. O que ele representa na mente dos norte-americanos e europeus? Representa o lixo norte-americano branco [que Hillary Clinton chamou de] ‘deplorável e imperdoável’. De um ponto de vista de um establishment letrado cosmopolita urbano, são gente que eles classificam como “lixo norte-americano branco”; são intratáveis, é impossível confiar neles. Porque Trump representa muito claramente – por suas ações e palavras, e pelo tipo de gente que participa dos comícios dele – gente que não está “no meio”, que claramente não é a classe média alta educada. Por isso, há esse medo de se aproximarem daquelas pessoas, um medo social que degrada o status de classe de quem quer que seja “acusado”, seja como for, de ajudar Trump — inclusive criticando Hillary Clinton. Se você analisa o modo como a classe média obtém o poder econômico e social que tem, aquele medo que afasta de Trump faz absoluto sentido.

Queria falar sobre o Equador, o pequeno país que lhe deu abrigo [e asilo político] nessa embaixada em Londres. Agora, o Equador cortou a internet aqui, no prédio da embaixada, onde estamos fazendo essa entrevista, pela clara, óbvia razão de todos terem medo de que você intervenha na campanha eleitoral dos EUA. Você pode falar um pouco sobre por que tomaram essa medida e o que pensa do apoio que o Equador lhe dá?

Voltemos a quatro anos atrás. Pedi asilo ao Equador, nessa embaixada, por causa do processo de extradição dos EUA. Um mês depois recebi resposta favorável ao meu pedido. Desde então, a embaixada tem estado cercada pela polícia: é uma operação policial muito cara, na qual o governo britânico admite que esteja gastando mais de 12,6 milhões de libras. Admitiram, faz mais de um ano. Agora, há policiais disfarçados e vigilância por câmeras robôs de vários tipos. Significa que tem havido confusão grave bem aqui, no coração de Londres, entre o Equador, país com 16 milhões de habitantes, contra o Reino Unido e os EUA, que colaboram com os britânicos. A ação do Equador é ação de coragem, na defesa de princípios morais.

Agora, está aí a campanha eleitoral nos EUA. No Equador, haverá eleições em fevereiro do próximo ano. E a Casa Branca sente a pressão política resultante da informação verdadeira que estamos publicando.

O WikiLeaks nada publica de dentro de território ou jurisdição do Equador, nada publica de dentro dessa Embaixada; publicamos da França, da Alemanha, da Holanda e de vários outros países. Assim sendo, a tentativa de chantagear o Equador se faz em torno do meu status de refugiado; e isso, sim, é absolutamente intolerável. [Significa] que [EUA] estão tentando atacar uma organização de mídia, uma organização que publica documentos. Estão tentando impedir a publicação de informação verdadeira, de alto interesse para o povo dos EUA e outros povos, relacionada ao processo eleitoral.

Diga-nos o que aconteceria se você saísse a pé desse prédio onde estamos.

Seria imediatamente preso pela polícia britânica e seria imediatamente extraditado para os EUA ou para a Suécia. Na Suécia nada há contra mim, já fui liberado [pela Procuradora Geral de Estocolmo, Eva Finne]. Não temos muita clareza sobre o que poderia acontecer na Suécia, mas sabemos que o governo sueco recusou-se a garantir que não me extraditaria para os EUA. Sabe-se que os suecos extraditaram 100% das pessoas cuja extradição foi requerida algum dia pelos EUA, desde no mínimo 2000.  Nos últimos 15 anos, todos que os EUA quiseram extraditar da Suécia foram extraditados. Os suecos recusam-se a garantir que não me extraditarão.

Muitas pessoas me perguntam como você consegue superar o isolamento, dentro desse prédio.

Ora… uma das melhores qualidades dos seres humanos é que são adaptáveis; uma das piores qualidades dos seres humanos é que são adaptáveis. Pessoas adaptam-se e passam a tolerar todos os tipos de violência e abuso, adaptam-se e começam a se envolver, elas mesmas, nos abusos, adaptam-se à diversidade e seguem adiante. Quanto à minha situação, sinceramente, já praticamente me institucionalizei – aqui [a embaixada] é o mundo. Visualmente, é o mundo para mim.

Mundo sem luz do sol, para ficarmos só nisso, não é?

É o mundo sem sol, mas faz tanto tempo que não vejo o sol, que já nem me lembro.

É.

É. Você se adapta. Para mim o que realmente me irrita é que meus filhos pequenos também se adaptam. Adaptam-se à vida sem o pai deles. É adaptação muito terrível, que eles nada fizeram para ter de suportar.

Você está preocupado com eles?

Sim. Preocupo-me com eles, preocupo-me com a mãe deles.

Alguns diriam “Ok, nesse caso por que não põe fim a isso tudo, sai pela porta desse prédio e se deixa extraditar para a Suécia?”

A ONU [o Grupo de Trabalho da ONU contra Detenção Arbitrária]  examinou detidamente toda essa situação. Passaram 18 meses em discussão, fizeram minha defesa formal, nos tribunais formais. Hoje, somos a ONU e eu, contra a Suécia e o Reino Unido. Quem está certo? A ONU concluiu que estou sob detenção arbitrária ilegal, privado de liberdade e que o que ocorreu não foi feito segundo as leis que Reino Unido e Suécia são obrigados a respeitar. Sou vítima de abuso e de prática ilegal. Quem pergunta formalmente é a ONU: “O que está acontecendo aqui?” “Qual a explicação legal pra o que está acontecendo aqui?” “[Assange] já requereu que todos reconheçam sua situação de asilado.” [E o que se vê é]

A Suécia já respondeu formalmente aos EUA para dizer que “Não reconheceremos [o que a ONU determina]”. Essa reação deixa sempre ativa a capacidade da Suécia para promover minha extradição.

Estranho muito que a narrativa real de toda essa situação não seja exposta na mídia. Mas sei que esses fatos não combinam com a narrativa do establishment ocidental. A verdade é que, sim, há presos políticos no Ocidente. Existem. Essa é a realidade, e não sou só eu, há muitos outros.

Prisioneiros políticos no Ocidente. Pois é. Há. Mas nenhum Estado ocidental aceita chamar de prisioneiros políticos as pessoas que esses estados prendem ou detêm por motivos políticos. O Estado chinês não fala de prisioneiros políticos na China, o Estado do Azerbaijão não fala de prisioneiros políticos no Azerbaijão, e o Estado norte-americano, o Estado no Reino Unido, o Estado sueco tampouco admitem que também mantêm prisioneiros políticos. São absolutamente incapazes de se verem como realmente são.

Temos aí o caso da Suécia, país no qual jamais fui condenado por qualquer crime, onde fui processado [pela Procuradora Geral em Estocolmo] e absolvido, onde a suposta “vítima” declarou que tudo não passou de encenação criada pela Polícia; onde a ONU declarou formalmente que todo o processo é nulo, porque é ilegal. O Estado do Equador também examinou exaustivamente o caso e concluiu que devia me conceder asilo. OK, os fatos são esses. Mas… e a retórica, qual é?

Sim, é diferente.

A retórica só faz mentir e repetir a mentira segundo a qual eu teria sido acusado de praticar um crime… sem jamais esclarecer que já fui absolvido naquele processo. Sem jamais dizer que a suposta vítima, naquele caso, já confessou que toda aquela ação foi urdida na e pela Polícia sueca.

[A retórica] tenta encobrir a verdade evidente de que a própria ONU já reconheceu formalmente que toda essa história é ilegal. Sem jamais esclarecer, sem sequer mencionar, que o Equador avaliou formalmente todo o processo e concluiu que, sim, sou vítima de perseguição política pelo Estado norte-americano.