Por
Suana Guarani de Melo*
Nos
últimos anos foi tema de discussões a credibilidade do serviço
prestado pelas gerências de Inteligência em todo o país. A
proposta desse texto é apresentar algumas informações acerca da actividade de inteligência de Segurança Pública desempenhada pelas
instituições policiais, ressaltando seus aspectos constitucionais e
apresentando a sua estreita relação com a doutrina dos direitos
humanos, outro tema também em alta frente às comemorações dos 60
anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e aos 20 anos da
Constituição da República Federativa do Brasil.
O
afastamento da cúpula da Agência Brasileira de Inteligência
(ABIN), em 2007, pelo Presidente da República Luiz Inácio, em razão
de uma escuta ilegal, o ‘grampo’, feita nos telefones do Supremo
Tribunal Federal e de seu presidente, o ministro Gilmar Mendes,
trouxe a actividade de inteligência para o foco de debate a respeito
da legalidade dessa actividade e de seus limites.
A actividade de Inteligência de Segurança Pública consiste no
exercício permanente e sistemático de acções especializadas para a
produção e salvaguarda de conhecimentos necessários para prever,
prevenir e reprimir quaisquer delitos ou aqueles relativos a temas de
interesse da Segurança Pública, numa atitude proactiva e não
somente reactiva. Ela é constituída como um serviço à causa
pública, submetida aos princípios constitucionais da moralidade, da
impessoalidade, da eficiência e da legalidade, em especial, tendo em
vista a observância da ética, dos direitos e garantias individuais
e sociais e do Estado Democrático.
A actividade de Inteligência tem como propósito actuar com
cientificidade, com eficiência e de forma direccionada, a partir de
informações cujo propósito é desarticular crimes que envolvam
principalmente terrorismo, tráfico de entorpecentes, lavagem de
dinheiro, crimes contra o sistema financeiro nacional, contra a ordem
económica e tributária, contra a administração pública (desde
que punidos com reclusão), roubo, extorsão simples, extorsão
mediante sequestro, sequestro e cárcere privado, homicídio doloso,
ameaça quando cometida por telefone e crimes decorrente de
organizações criminosas, entre outros. Tudo isso consoante o anteprojecto de Lei sobre Interceptação Telefónica.
Para
que a execução de uma operação que trabalha com o serviço de
Inteligência, obtenha êxito, é preciso que a Autoridade Policial,
mediante investigação criminal, diante de fatos relevantes,
represente perante a Autoridade Judiciária pela quebra do sigilo
telefónico, objectivando realizar a interceptação telefónica. Vale
salientar que o Ministério Público é igualmente legitimado para
propor acção de interceptação telefónica na investigação
criminal ou processual penal, conforme Lei 9.296/96. A Interceptação
Telefónica consiste na monitoração de comunicações telefónicas,
mediante autorização judicial, revestindo o ato de legalidade, para
fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Isso
é completamente diferente do ‘grampo telefónico’, que é essa
monitoração, sem a devida autorização judicial, portanto ilegal,
e vem sendo realizado por alguns grupos que operam com espionagem. Se
não há legalidade no ato, a finalidade passa, pois, pela
bisbilhotice da vida de outrem, infringindo direitos e garantias
fundamentais concernentes à inviolabilidade da intimidade, da vida
privada das pessoas, e de suas comunicações telefónicas, devendo
então, actuar a fiscalização.
Pela
Lei 9.296/1996, não será admitida a interceptação se não houver
indícios razoáveis de autoria ou participação em infracção penal, assim como, quando a prova puder ser feita por outros meios
disponíveis e se o fato investigado constituir infracção penal
punida, no máximo, com pena de detenção.
Toda
a Actividade de Inteligência é desempenha com sigilo, e os
procedimentos advindos dessa actividade correrão sob segredo de
justiça, almejando que o assunto não se dissemine para pessoas
interessadas, frustrando as pretensões da investigação. Inclusive,
o Decreto Federal 4.553/2002, dispõe que todo aquele que tiver
conhecimento de assuntos sigiloso ficará sujeito às sanções
administrativas, civis e penais decorrentes de eventual divulgação,
e que qualquer pessoa que tomar conhecimento de documento sigiloso,
fica, automaticamente, responsável pela preservação de seu sigilo.
É
cediço que houve uma retracção nas autorizações pela quebra de
sigilo telefónico, concedidas pelos juízes em todo o país a partir
do escândalo envolvendo servidores da ABIN e o suposto
‘grampeamento’ no STF, servindo como um alerta para a falta de
fiscalização dessa actividade. Tal ocorrência reforça que o
serviço público, seja ele qual for, precisa estar sempre sujeito ao
controle externo e interno de suas actividades, por parte do órgão
ministerial e das ouvidorias, visando a assegurar transparência e
impessoalidade dos actos, auferindo legalidade e credibilidade a esses sectores e intimidando aqueles que querem fazer uso da actividade para
fins ilícitos.
Mas,
o que toda essa actividade tem a ver com os direitos humanos? A
experiência obtida a partir do trabalho desenvolvido junto à
Gerência de Inteligência da Polícia Civil do Estado da Paraíba
possibilitou a reflexão a respeito do seguinte dado: de
aproximadamente 122 operações desencadeadas durante os anos de 2007
e 2008, pela referida Gerência, constatamos que em 120 delas, cerca
de mais de 99%, não houve sequer um disparado de arma de fogo, nem
se precisou utilizar violência para a contenção das pessoas
investigadas. Como já foi mencionado, é um serviço que actua de
maneira direccionada, eliminando as chances de reacção por parte dos
alvos. A operação só é desencadeada quando conta com informes,
com o equipamento adequado para a situação e com o pessoal
necessário para o caso, razão pela qual as chances de erros são
mínimas. Assim, dificilmente, não se logra êxito na prisão dos
envolvidos, lembrando que os inexpressíveis insucessos, referentes à
porcentagem acima, resultaram de falhas humanas dos próprios
policiais, por desobediência de algum subordinado.
O
mais importante e foco desse texto é trazer a informação de que o
investigado, ao ser preso, não esboça qualquer reacção porque se
vê diante de uma situação completamente sob o controle da polícia.
Com isso, as munições que seriam utilizadas, em caso de
necessidade, convertem-se em economia para os cofres públicos ou em
material para o treinamento e aperfeiçoamento dos próprios
policiais. Ademais, a violência legítima e que poderia ser
empregada pelos policiais contra os indivíduos, apresenta-se
desnecessária, pois é fato que as pessoas presas nesses tipos de
operações não se insurgem: “a casa caiu!”.
O
desenvolvimento da Actividade de Inteligência de Segurança Pública
representa, portanto, avanço em prol da diminuição da violência
policial, do número de vítimas e de homicídios, decorrentes de
operações mal sucedidas, situações que só geram gastos e que, na
maioria, poderiam ser evitadas. A Segurança Pública, conforme a
Constituição Federal de 1988 é dever do Estado e direito e
responsabilidade de todos, devendo ser exercida para a preservação
da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do património,
além disso, é fundamento do Estado Democrático de Direito a
dignidade da pessoa humana, característica inerente aos humanos
independente de sua origem, cor, raça, sexo, idade. Também de
acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, todos/as
tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoa. Por tudo
isso, precisamos, por em prática esses fundamentos, utilizando a
violência legítima de forma progressiva com vistas a combater o
aumento da criminalidade e não vitimar inocentes.
Destarte,
percebemos que há estreita relação entre a actuação eficiente e
legal da actividade de Inteligência de Segurança Pública, com
observância ao texto constitucional e, igualmente, aos direitos
humanos, reforçando que, com investimentos nos sectores de
inteligência policial em todo o país poderemos multiplicar os
sucessos dessas acções, assegurando os direitos de todos/as
indistintamente, com o propósito de praticar a justiça com promoção
de uma cultura de paz.
*
A autora é Escrivã da Polícia Civil na Paraíba, graduada em
Direito e especializanda em Segurança Pública e Direitos Humanos
pela Universidade Federal da Paraíba-UFPB.
Fonte: emersonwendt
Foto:averdade.org.br