sexta-feira, 16 de junho de 2017

PR promulga Registo Oncológico Nacional mas ressalva interrogações

PR promulga Registo Oncológico Nacional mas ressalva interrogações

O Presidente da República promulgou esta sexta-feira o diploma que cria e regula o Registo Oncológico Nacional, segundo uma nota publicada na página da Presidência, na qual ressalva que o articulado "suscita várias interrogações".

Na nota publicada na página na Presidência da República, o chefe de Estado enumera-se as dúvidas levantadas sobre este diploma. Algumas das alíneas já tinham sido sublinhadas pela Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD).

Entre as interrogações referidas na nota estão "o risco de identificação desnecessária dos titulares de dados pessoais" ou a "insuficiente segmentação de tipos de utilizadores da base de dados e de titulares de acesso à informação".
Faz também referência à falta de autorização prévia da CNPD "para articulação do novo registo com outras bases de dados" e " o contraste entre o prazo de 100 anos para a conservação de dados e o de 15 anos para a manutenção do anonimato".
Ainda assim, o Presidente da República promulgou o diploma, salientando que apesar das questões colocadas, o Registo tem "relevância global" e traz "considerações de saúde pública pertinentes". Marcelo Rebelo de Sousa olhou também à "unanimidade parlamentar sobre a matéria".
"Devassa da privacidade"
Em janeiro, numa audição parlamentar no grupo de trabalho sobre a proposta de lei do Registo Oncológico Nacional, a presidente da CNPD explicou que as cautelas a aplicar a uma base de dados de doentes com cancro se prendem com o risco de discriminação a que esses utentes podiam ser sujeitos se fossem identificados.
A Comissão sugeriu aos deputados o uso de um algoritmo ou um código que mascare o número de utente e o número de processo para impedir a identificação do doente.
No final de 2016, também o presidente da Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC), Vítor Veloso, disse estar preocupado com o Registo Nacional Oncológico, por poder vir a servir para "uma devassa da privacidade" dos doentes.
Em resposta a estas preocupações, o coordenador do Programa Nacional das Doenças Oncológicas garantiu que os bancos e as seguradoras não terão acesso ao registo e que se tal acontecesse seria um crime.
c/ Lusa/RTP

PORTUGAL À SOMBRA DE AMBIGUIDADES AINDA NÃO ULTRAPASSADAS – VII


Martinho Júnior | Luanda
Em saudação aos 60 anos do MPLA, aos 52 anos da passagem do Che por África e aos 43 anos do 25 de Abril… e assinalando os 50 anos do início do “Exercício ALCORA” e os 50 anos do início da Guerra do Biafra.

13- Uma das coisas que ressalta da trajectória do Estado Novo nos anos da guerra colonial em três frentes que levou a cabo, é o facto de Portugal produzir pouco armamento e de qualidade duvidosa (como as pistolas metralhadoras FBP), ou então sem incorporação de tecnologias de ponta (como por exemplo os patrulheiros da classe Cacine, robustos, com relativamente fácil manutenção, mas lentos e em nada sofisticados, pelo que tinham uma tripulação excessiva para o seu tamanho e disponibilidade de espaço).

Por isso o Estado Novo, maquiavelicamente, tinha que arranjar o armamento que precisava para fazer as guerras, junto dos seus aliados: os da NATO, e a África do Sul do “apartheid”, montando para o efeito todo um engenhoso jogo politico-diplomático, encontrando todo o tipo de argumentos, justificações ajustáveis e fabricando um corpo de Leis a condizer (algumas aparentemente obsoletas), a coberto na doutrina e ideologias do “Le Cercle”.

Por exemplo, a Lei Colonial de 1933 do Estado Novo esclarecia no seu Artigo IIº: “…é da essência orgânica da Nação portuguesa desempenhar a função de possuir e colonizar domínios ultramarinos e de civilizar populações indígenas”… mesmo que tenha sido revogada, o carácter do próprio colonialismo não sofreu alterações de vulto nas décadas seguintes, ainda que na fase derradeira se estivesse em guerra…

Em “Angola sob o domínio português – mito e realidade” o professor Gerald J. Bender (recentemente falecido), comprova no seu estudo que a inércia “salazarenta” correlacionava-se com esse carácter por um misto de razões doutrinárias, ideológicas e antropológicas e muita coisa foi-se distendendo, cristalizando-se de qualquer modo durante o conflito, mesmo que tenham havido alterações das leis, produzindo cosméticas que foram potenciando cada vez mais ambiguidades para com a transparência do corpo social…

Sem a acelerada campanha de aquisição de armamento, o Estado Novo ficaria ao nível do que aconteceu na Índia, com a rendição de Vassalo e Silva, general e último governador na colónia portuguesa, por que a rendição era a única coisa sensata a que estava condenado a fazer, face a tão abissal diferença de meios e capacidades…

… Assim o Estado Novo travou a guerra colonial durante 13 anos, devido ao facto de ter-lhe sido possível obter armamento, equipamento e meios junto de outros membros da NATO e da África do Sul, muitas vezes a preço de saldo, por vezes até entre alguns dos obsoletos disponíveis do tempo da IIª Guerra Mundial, como os aviões Harvard T-6, muito utilizados pelas potências coloniais em África!

É evidente que essa dependência significou a “subtileza” dum aumento do grau de vassalagem e promiscuidade, para com a NATO e, “no terreno” na África Austral, para com o “apartheid”, às custas de Angola e Moçambique…

Esse jogo favoreceu mais tarde a penetração das inteligências da linha “judaico-crstã ocidental” e do próprio “apartheid” com os governos do 25 de Novembro de 1975, com ajustamentos face às alterações (o fim do “aparheid”, sincronizado com a globalização capitalista neoliberal no âmbito da hegemonia unipolar, potenciou a inteligência económica portuguesa na direcção de Angola, enquanto “correia de transmissão”, a partir da charneira que foi o Acordo de Bicesse).

Essa foi mesmo a razão principal de se manter o Exercício ALCORA secreto, por ser algo que também interessava aos governos do 25 de Novembro de 1975, pois nem as lentas mudanças sócio-políticas inibiram a vassalagem e a promiscuidade para com a NATO e, para com o “apartheid” o que a “civilização judaica-cristã ocidental” não resolvia por via doutrinária, ideológica e pelas práticas administrativas e operativas de conveniência, passaram-se a resolver por via dos negócios, ou até por via das meio-escondidas amizades e dos enlaces que advinham do passado!...

A “border war” do “apartheid” contra Angola, começou de facto em 1968 e não em 1974/75, pelo que ao esconder o Exercício ALCORA do conhecimento público, só podia interessar a quem tinha efectivo interesse nisso enquanto um reprodutor manancial, depois do Estado Novo ter caído e o alvo continuava a ser ainda bem apetitoso: Angola e Moçambique!

A Operação Madeira, através do qual o colonialismo português agenciava Savimbi, era em si um apêndice tácito e geoestratégico do Exercício ALCORA e por isso foi relativamente fácil o alinhamento (e dependência) de Savimbi em relação ao “apartheid”, na directa sequência do 25 de Abril de 1974, conforme se pode testemunhar em “The destruction of a nation: United States’ Policytiward Angola, since 1945”.

Exercício ALCORA e “dossiers” da Aginter Press, duma forma ou de outra, ou foram escondidos até há pouco tempo (os primeiros), ou “milagrosamente” desapareceram (os últimos), às tantas por efeitos cabalísticos, directos ou indirectos, de quem com “profissão de fé” e tanta azáfama, andava a “combater os comunistas e o comunismo”!…

À medida que o Exercício ALCORA se ia sofisticando nos seus conceitos e na sua organização, assim o “apartheid” ia fornecendo cada vez mais armamento, meios e equipamentos ao colonialismo português, de forma a, “persuasiva e suavemente”, ir impondo seu peso geoestratégico.

Os enredos implicavam também promiscuidade entre a doutrina e os conceitos da NATO e a doutrina e conceitos do Exercício ALCORA em formação e em busca de afirmação, o que era uma preocupação constante do general Costa Gomes, um dos mestres da eterna ambiguidade portuguesa, que a 5 de Abril de 1973 emitia a seguinte recomendação “para consumo interno e em circuitos fechados”:

…“Em todos os trabalhos a realizar no âmbito do Exercício ALCORA, parece-me que as delegações portuguesas, a todos os níveis, deverão ter sempre presente que não podemos embrenhar-nos em sectores que possam comprometer a nossa liberdade de acção política.

Compreendo que, por vezes, as nossas delegações tenham dificuldade em obstar a que se tratem determinados assuntos que, ultrapassando o âmbito militar, como o presente, se situem nitidamente no campo político.

Julgo que, neste caso, deverão empalhar a discussão, não tomando qualquer compromisso firme, sem previamente pedirem instruções sobre os problemas postos”.

A ambiguidade portuguesa, própria de quem de há muito se foi habituando a tal em função das culturas de ambiguidade, vassalagem e promiscuidade que foram sendo aplicadas face ao “diktat”das potências de cultura “judaico-cristã ocidental”, servia às-mil-maravilhas para este caso, pois o colonialismo português sabia que os sucessivos Livros Brancos da Defesa do “apartheid”, iam buscar muitos conceitos da NATO, adaptando-os ao “terreno”.

O Livro Branco que a 10 de Abril de 1973 o ministro da Defesa sul-africano, P. W. Botha, enviava ao Parlamento para aprovação era prova disso.

Na década de 50 do século XX, muito antes do início do Exercício ALCORA em 1967, o colonialismo português e o “apartheid” já andavam preocupadíssimos com as questões que se prendiam à NATO no Atlântico Sul.

De acordo com o livro, a páginas 66/67:

“Em Novembro de 1954, o ministro português dos Negócios Estrangeiros, Paulo Cunha, recebeu o embaixador da África do Sul, S. F. du Toit, para lhe comunicar o interesse de Portugal em coordenar políticas no hemisfério Sul.

A África do Sul colocara o seu primeiro diplomata em Lisboa em 1935, embora não residente!

Em 1938, foi colocado em Lisboa o coronel F. F. Pienaar, acreditado como representante diplomático permanente da África do Sul.

Neste encontro com o embaixador, o ministro português sublinhou a importância da cooperação entre os dois países na segurança do Atlântico Sul e da rota do Cabo da Boa Esperança”…

A 10 de Fevereiro de 1969 (já com o Exercício ALCORA em andamento, uma vez que haviam forças das SADF no Cuando Cubango e em processo de oficialização secreta), P. W. Botha então ministro da Defesa da África do Sul, recebeu na cidade do Cabo o seu homólogo português, Sá Viana Rebelo, na sua primeira visita ao exterior e nas conversações salientou “a importância da posição estratégica da África do Sul para as nações ocidentais!”... e por isso “ser chegado o momento dum esforço conjunto de Portugal e da África do Sul, com vista a que os países ocidentais tomem uma atitude favorável, no sentido de ser preservado o sul de África, cuja estabilidade constitui de grande importância para o Ocidente” (páginas 144/145/146 do livro).

A 1 de Abril de 1971 (páginas 246/247), os sul-africanos deram início aos estudos comuns sobre a tipologia de ameaças na África Austral, estabelecendo o nexo das questões relativas à informação comum, trabalho que foi concluído e apresentado em Salisbúria, em Janeiro de 1972, sob o título“Avaliação da ameaça contra os territórios ALCORA”…

Entre 7 e 17 de Maio de 1973, na quinta reunião da Comissão de Coordenação ALCORA, foram estudadas as propostas para criação, organização e funcionamento dum Estado-Maior Permanente conjunto entre o colonialismo português e o “apartheid”, o que colocava o Estado Novo numa situação subalterna e a África do Sul numa posição geoestratégica dominante.

As análises da situação do Professor Gerald J. Bender levantam a questão dos colonatos e dos aldeamentos criados face à situação de guerra, as “sanzalas da paz”, em relação às quais ele considerava (páginas 315/316) do livro “Angola sob o domínio português – mito e realidade”:

… “O reagrupamento dos camponeses africanos em grandes aldeamentos cercados foi o veículo escolhido para levar a cabo tais objectivos no interior.

No fim da guerra de independência, mais de um milhão de camponeses tinham sido deslocados para os reordenamentos e os resultados de tal reagrupamento mostram que, com raras excepções, os dois objectivos eram incompatíveis.

Quer isto dizer que a maximização do controlo da população causou sérios colapsos na segurança social e psicológica do campesinato e um declínio acentuado na produtividade económica e da produção de bens alimentares”…

(…)

… “Existem provas consideráveis que sugerem que, embora os generais portugueses em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau defendessem incansavelmente a tese de que o reordenamento constituía a chave para a vitória, os efeitos negativos do deslocamento maciço dos africanos afastavam, em vez de atrair, o campesinato e acabaram por alimentar a insurreição que se pretendia extinguir”…

De facto o que o colonialismo português fez com os programas dos colonatos e das “sanzalas da paz”, foi aproximar pela prática, os pontos de vista da sua doutrina de contra subversão, aos conceitos de contra subversão do “apartheid”, conforme à formulação dos “bantustões”, que não passavam dum reordenamento compulsivo impondo cada vez mais divisões de carácter étnico, a fim de fazer prevalecer os interesses da minoria branca, em função dum processo sócio-político forjado na radicalização da inteligência elitista, que experimentava a aliança entre as culturas bóeres e anglo-saxónicas.


14- O rescaldo desse conjunto de fenómenos que se reflectiram sobre o carácter dos governos portugueses nos relacionamentos para com Angola após o 25 de Novembro de 1975 em Portugal, alimentaram duma forma ou de outra exercícios como os de Cavaco Silva, ou de Mário Soares, fossem eles 1º Ministros, ou Presidentes da República, com a agravante do “apartheid” estar ainda em vigor e com políticas de agressão em curso contra todos os países da Linha da Frente na África Austral.

Alguns dos enlaces de Cavaco Silva com entidades sul-africanas em tempo de “apartheid” foram públicos envolvendo até as condecorações portuguesas à mão.

Esse ambiente propiciou recrutamentos de alguns portugueses para engrossar as redes de inteligência da BOSS/NIS em Angola (algo muito importante para os principais portos angolanos, assim como algumas instalações de petróleo, como por exemplo a Petrangol-Luanda e Malembo-Cabinda, que sofreram acções de todo o tipo dos grupos de reconhecimento especiais das SADF).

Um dos recrutadores no princípio da década de 80 do século XX em Lisboa, foi o Adido-Militar Adjunto, Jacobus Everhardus Louw, um dos condecorados por Cavaco Silva…

Em Cabinda foi um português, Fernando Durão, radicado na altura (década de 80 do século XX) em Malembo, que deu guarida a um dos sistemas (francês) de pesquisa de informação táctica que levaria à realização da Operação Argon.

Essa operação culminaria em desastre para o grupo de reconhecimento que no terreno foi comandado pelo Capitão Winand Johannes Petrus du Toit.

Os enlaces do clã Soares com Savimbi foram constantes e para isso muito contribuiu o Coronel Óscar Cardoso, que antes havia pertencido à PIDE/DGS e foi um dos homens que integrou Operação Madeira e o Exercício ALCORA, com transferência garantida para o “apartheid” na continuidade dos contactos da “border war” iniciados em 1968 (com o envolvimento dos Flechas, mais tarde Batalhão 31 das SADF).

As ingerências de toda a ordem dos vassalos portugueses componentes dos sucessivos governos portugueses após o 25 de Novembro de 1975 foram constantes e “na profundidade”, incluindo nos principais postos diplomáticos no terreno, em Luanda.

Quando a segurança de estado angolana se exauria no rescaldo do 105/83, no imediato seguimento dos instrutores do 105/83, num processo em que uma parte importante dos arguidos eram portugueses residentes em Angola, ou luso-descendentes (as redes de tráfico de diamantes vinham“filtradas” desde o colonialismo e Lisboa, a par das bolsas de Antuérpia, era escala “obrigatória”), o Embaixador Antóno Manuel Canastreiro Franco, então marido da actual eurodeputada Ana Gomes (do PS), foi colocado em Luanda, directamente a partir do Palácio de Belém onde se encontrava ao serviço do Presidente Ramalho Eanes…

É claro que começava outro tipo de trabalho que coincidia com o fim da luta contra o “apartheid”nos campos de batalha do sul, com Angola na charneira da Linha da Frente e a aproximação de Bicesse (Maio de 1991), com os governos portugueses a preparar os “dossiers” de inteligência económica para Angola, na eminência duma “Angola, órfã da guerra fria”, conforme Margareth Anstee…

Tudo se começava a preparar para que Angola, ao ficar sem seus aliados durante a Luta de Libertação em África contra o colonialismo e o “apartheid” (contra a internacional fascista do Exercício ALCORA), sofresse a “reciclagem” do capitalismo neoliberal que em Bicesse atingia expressão, na tentativa de projectar finalmente Savimbi.

Não o conseguindo por resultado das primeiras eleições angolanas, Savimbi partiria para uma guerra previamente preparada, que duraria dez sangrentos anos, lançando mão do choque neoliberal, com os governos portugueses a tirar partido uma vez mais da ambiguidade“transversal” ao processo e à espera de lançar a ofensiva da inteligência económica entretanto guardada na gaveta…

A consultar de Martinho Júnior:
Eleições na letargia duma colónia periférica – http://paginaglobal.blogspot.com/2013/10/eleicoes-na-letargia-duma-colonia.html
Programa soft power da CIA contra Angola, passa por Portugal – http://paginaglobal.blogspot.com/2017/01/programa-soft-power-da-cia-contra.html 
Neocolonialismo em brandos costumes e dois episódios – http://paginaglobal.blogspot.com/2017/03/neocolonialismo-em-brandos-costumes-e.html 
Portugal à sombra de ambiguidades ainda não ultrapassadas – I – http://paginaglobal.blogspot.pt/2017/04/portugal-sombra-de-ambiguidades-ainda.html 
Portugal à sombra de ambiguidades ainda não ultrapassadas – II – http://paginaglobal.blogspot.pt/2017/04/portugal-sombra-de-ambiguidades-ainda_30.html 
Portugal à sombra de ambiguidades ainda não ultrapassadas – III – http://paginaglobal.blogspot.pt/2017/05/portugal-sombra-de-ambiguidades-ainda.html 
Portugal à sombra de ambiguidades ainda não ultrapassadas – IV – http://paginaglobal.blogspot.pt/2017/05/portugal-sombra-de-ambiguidades-ainda_8.html 
Portugal à sombra de ambiguidades ainda não ultrapassadas – V – http://paginaglobal.blogspot.pt/2017/05/portugal-sombra-de-ambiguidades-ainda_14.html 
Portugal à sombra de ambiguidades ainda não ultrapassadas – VI – http://paginaglobal.blogspot.pt/2017/05/portugal-sombra-de-ambiguidades-ainda_18.html 
Série completa (8 intervenções) de “Há 50 anos aviões da NATO bombardeavam em Angola” – Página Global Blogspot – http://paginaglobal.blogspot.pt/ 
Geoestratégia para um desenvolvimento sustentável – http://paginaglobal.blogspot.pt/2016/01/geoestrategia-para-um-desenvolvimento.html

Outras fontes: 
Lista de entidades do “Le Cercle” – https://isgp-studies.com/le-cercle-membership-list 
La guerra secreta en Portugal – http://www.voltairenet.org/article170116.html 
Portugal deixou a PIDE colaborar com apartheid - Óscar Cardoso – http://www.angonoticias.com/Artigos/item/42856/portugal-deixou-a-pide-colaborar-com-apartheid-oscar-cardoso 
“Angola sob domínio português, mito e realidade, Gérard J. Bender” – http://mayamba-editora.com/shop/product/angola-sob-o-dominio-portugues-mito-e-realidade-pdf/ 
“The destruction of a nation: United States’ Policy towards Angola, since 1945, George Wright” –https://books.google.co.ao/books/about/The_Destruction_of_a_Nation.html?id=cINUCik7OeUC&redir_esc=y 
“Iron Fist From The Sea: South Africa's Seaborne Raiders 1978-1988” – https://www.amazon.com/Iron-Fist-Sea-Seaborne-1978-1988/dp/1909982288 
Encontro de Mário Soares com Jonas Savimbi em Lisboa – https://br.pinterest.com/pin/554857616572759370/

Imagens: Foto da família Mário Soares e da família Savimbi; Capa do livro do professor Gerald J. Bender,“Angola sob o domínio português, mito e realidade”; Capa do livro “The destruction of a nation; United States’ Policy toward Angola since 1945”, da autoria de George Wright; Foto do capitão Winand Johannes Petrus Du Toit, durante a conferência de imprensa em Luanda, no rescaldo de sua captura.

Para político checo, atrocidades do passado colonial alimentam a radicalização


Alberto Castro*, Londres
Lubomír Zaorálek, atual ministro de Negócios Estrangeiros e provável candidato Social Democrata ao cargo de primeiro ministro nas eleições de outubro próximo na República Checa, defende que memórias políticas sobre atrocidades cometidas no passado colonial ocidental, longamente suprimidas, estão agora revigoradas por extremistas islâmicos no mundo muçulmano e a alimentar o súbito e explosivo despertar de suas comunidades.

Num discurso controverso que, segundo o Guardian, pode irritar os que acreditam que qualquer referência ao passado colonial  do Ocidente pode terminar como uma parte de justificação para a violência extremista, Zaorálek, cuja fala foi feita na Cimeira sobre o Futuro da Europa, realizada em Praga de 13 a 15 de junho, alertou ainda que o fenômeno pode se estender a toda África e a Ásia. Ele lembrou que ex-potências coloniais europeias, juntamente com a Rússia imperial e sua sucessora, a URSS, mais os EUA, são responsáveis pela morte de milhões de pessoas. 

"Há uma grande tendência para esquecer muitas coisas na nossa história", disse, frisando que "tão chocante quanto as escalas de tais atrocidades praticadas no passado é a rapidez com que o Ocidente se esquece das mesmas." Em sentido contrário, para lá do mundo ocidental  surge um crescente despertar de massas recém-educadas e com elas a radicalização contemporânea de comunidades cada vez mais irritadas com seu destino, resultado de atrocidades cometidas no passado colonial.

No discurso, por ele mesmo descrito como brutal e difícil, o político checo apontou alguns exemplos de tais atrocidades. Falou da morte de cerca de um milhão de civis na Índia por parte dos colonizadores britânicos na segunda metade do século 19 em represália a uma revolta local em 1857. Disse que o uso da agricultura indiana por parte da Companhia Britânica das Índias Orientais para cultivar ópio, e depois impô-lo essencialmente à China, resultou na morte prematura de milhões de pessoas.   

No Congo, onde ainda hoje se faz sentir o fantasma do rei Leopoldo, Zaorálek recordou que os belgas mataram de 10 a 15 milhões de pessoas entre o final do século 19 e o início do século 20. No Vietname, segundo o ministro, estimativas recentes sugerem de 1 a 3 milhões de civis mortos entre 1952 e 1975. No Cáucaso russo, de 1864-67, disse que 90% da população local foi movida forçosamente e entre 300 mil e 1.5 milhões de pessoas morreram de fome, ou foram assassinadas. Na Indonésia, no século 19,  apontou uma estimativa de 300 mil civis mortos durante a ocupação holandesa.

Continuando o aterrador historial de atrocidades perpetradas pelo Ocidente, o político disse que durante a guerra da Argélia, nos anos de 1950, a França brutalizou quase 1.5 milhões de pessoas, quase a metade da população na altura, enquanto na vizinha Líbia cerca de meio milhão de pessoas morreram entre 1927 e 1935, em parte devido aos campos de detenção italianos.  Lembrou que cerca de um milhão de civis morreram no Afeganistão durante a ocupação soviética e que nos passados 13 anos mais de 160 mil civis foram mortos na guerra civil do Iraque nas mãos dos EUA e de seus aliados.      

Lubomír Zaorálek
Para o ministro checo, torna-se necessário recordar o passado e esses números trágicos quando o Ocidente fala em radicalização e pergunta como é possível estarmos a enfrentar tanto ódio e violência. A única resposta, segundo ele, assenta em persistentes esforços de cooperação com os países muçulmanos nos próximos 20 anos.

Isto e muito mais parece ter entendido Emmanuel Macron.  Então candidato a presidente da França, de visita a Argélia em fevereiro passado, em entrevista a uma televisão local ele teve a coragem de assumir a colonização como parte  da história francesa, de a classificar como ''autêntica barbárie'' e ''crime contra a humanidade''. Falou na necessidade dos franceses olharem de frente para aquele seu passado histórico e de apresentar suas desculpas àqueles que dele foram vítimas, facto que lhe valeu ferozes críticas principalmente da direita e da ultra direita francesas. 

Para Zaorálek, além da resolução do passado colonial  cuja saída passa nas próximas duas décadas por uma crescente cooperação, o Ocidente enfrenta internamente revoltas causadas pelas desigualdades da globalização e irá enfrentar no resto do século uma batalha de sobrevivência largamente devida ao desafio da mudança climática.

*Alberto Castro é correspondente de Afropress em Londres e colabora em Página Global

Comércio digital | A NOVA FRONTEIRA DA BARBÁRIE?


Alerta: Google, Facebook e Amazon tentam impor, via Organização Mundial do Comércio, regras que criam monopólio, devastam direitos trabalhistas e anulam direito à privacidade

Deborah James, na Alainet | Tradução: Luiza Mançano, no Brasil de Fato | extraído por PG de Outras Palavras
As empresas transnacionais (ETNs) estadunidenses focadas em tecnologia de ponta representam atualmente cinco das sete maiores empresas do mundo, com domínio em informação (com o Google em segundo lugar), mídias (Facebook em primeiro lugar), varejo (Amazon em sexto lugar) e tecnologia (Apple em primeiro lugar e Microsoft em terceiro lugar).

Um dos melhores investimentos que estas empresas e outras podem fazer é mudar as normas sob as quais funcionam, para extrair mais lucros da economia mundial e evitar que os competidores tenham igualdade de condições.

Há muito tempo, elas utilizam os tratados de livre-comércio para impor normas que favorecem seu “direito” a obter lucros e limitar a capacidade dos governos para regulamentar o interesse do público, de uma maneira que torna incapaz de avançar por meio de canais democráticos normais.

Agora, as empresas por trás da promoção das normas de comércio eletrônico estão buscando um fórum de conveniência e levarão sua lista de pedidos à Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, que publicou orientações políticas sobre diversos temas relacionados, e ao G20, que acaba de publicar uma Declaração ministerial sobre a economia digital [PDF]. Entretanto os acordos entre os membros dessas instituições não são vinculatórios para o governos. Para conseguir normas sobre comércio eletrônico que sejam obrigatórias, as empresas se dirigem à Organização mundial do Comércio (OMC).

Desde julho de 2016, o comércio eletrônico é o principal tema que impulsiona os países desenvolvidos nas negociações da OMC. As discussões têm como resultado um mandato de negociação, e as novas normas submeteriam os 164 países membros da OMC a medidas de grande alcance, com potencial de impedir o desenvolvimento, destruir postos de trabalho e modificar o mundo.

Portanto, aqueles que se preocupam com condições dignas de trabalho, com o ambiente que compartilhamos, com o desenvolvimento, com a desigualdade e com o interesse público, devem se opor às novas negociações das normas sobre o comércio eletrônico por 12 motivos:

1. As negociações sobre comércio eletrônico tiram do foco a agenda de desenvolvimento que poderia reduzir drasticamente a pobreza. Milhões de pessoas pobres, entre elas, agricultores, poderiam melhorar suas vidas se houvessem mudanças nas normas existentes sobre agricultura no da OMC, sobre o qual já escrevi aqui e aqui (em inglês).

A Rede Internacional “Nosso mundo não está à venda” (OWINFS, em inglês), que conta com a adesão de diversos grupos da sociedade civil, promove, há bastante tempo, uma agenda para mudar esta realidade, através de chamadas semelhantes ao seu nome. Mas esta agenda tem tido pouca visibilidade, pois toda a atenção está voltada para o comércio eletrônico no Acordo da OMC deste ano.

Provavelmente, os países desenvolvidos exigirão que as negociações sobre comércio eletrônico comecem, como forma de pagamento por concordarem em cumprir com as promessas que não cumpriram desde 2001, quando teve início a Rodada de Doha de Desenvolvimento.

2. As propostas para a área de comércio eletrônico implicam poder regulamentar. As empresas estadunidenses pretendem reescrever a normativa mundial com o objetivo de fixar seu domínio atual na área. Apesar da supremacia na área de tecnologia de ponta, essas empresas desejam barrar o ressurgimento da China no panorama mundial, já que o país está investindo bilhões no desenvolvimento de setores de tecnologia de ponta como parte do plano “Made in China 2025” (Fabricado na China 2025).

As empresas estadunidenses também pretendem deixar de fora possíveis competidores futuros. Para isso, estão pressionando os 164 membros da OMC para negociar este assunto antes que a maioria dos países possa compreender suas possíveis consequências. Os países em desenvolvimento com frequência têm pouca experiência nas tecnologias em questão e não sabem qual é a melhor prática para um leque amplo de atividades.

O “Informe de Desenvolvimento Mundial 2016: Dividendos Digitais” do Banco Mundial observou que os benefícios em relação ao desenvolvimento das tecnologias digitais ficam para trás por causa da sua rápida propagação, e que poucos países em desenvolvimento contam com acesso à banda larga necessário e outros tipos de infra-estrutura, como marcos regulatórios, capital humano e instituições confiáveis para poder obter benefícios.

Vários informes publicados recentemente pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) demonstram que a maioria dos países em desenvolvimento não tem estrutura legal adequada em comércio digital, governança da internet ou segurança cibernética. Até as normas dos Estados unidos e da União Europeia sobre estes assuntos ainda precisam ser melhoradas.

Os benefícios de digitalização poderiam ser grandes para todos, mas se as normas se inclinam para o lado dos poderosos, não serão. Por esse motivo, o Grupo africano da OMC se opôs a um mandato sobre normas do comércio eletrônico em outubro. Do ponto de vista do desenvolvimento, é uma loucura criar tratados legais internacionais aplicáveis e vinculatórios sobre as áreas emergentes com dinâmicas diferentes da economia de transformação tecnológica.

3. As propostas sobre o comércio eletrônico acabam com os postos de emprego. As tecnologias por trás da “quarta revolução industrial” pretendem desestabilizar os mercados trabalhistas, já que a flexibilidade é a chave para a “inovação”. Os empregos com bons salários e benefícios são substituídos por empregos informais sem proteção social ou estabilidade.

As empresas transferem o risco do mercado a contratantes individuais ou “trabalhadores autônomos”, que recebem salários inferiores e não contam com benefícios sociais, como licença médica, seguro médico, aposentadoria, muito menos estabilidade no emprego.

Como no caso do Uber, em que os esforços da empresa para alcançar uma posição dominante no mercado se encontram no sentido oposto da capacidade dos trabalhadores para aumentar seus salários.

E, apesar do exagero sobre o perigo dos robôs roubarem os postos de trabalho, muitos trabalhos serão substituídos pela automatização. Um informe de Desenvolvimento do Banco Mundial de 2016 calcula que 47% dos empregos nos Estados Unidos corre o risco de virar automatizado; na Argentina, a porcentagem é de 65%; na China, 77%; e, na Etiópia, a cifra chega a 85%.

Outro informe recente do grupo UBS observou que os países em desenvolvimento “enfrentarão a ameaça da Quarta Revolução Industrial que comprometerá os empregos pouco qualificados através da automatização extrema, mas talvez não tenham a capacidade tecnológica para usufruir dos benefícios relativos que podem se redistribuir através de uma extrema conectividade”.

As propostas relativas ao comércio eletrônico não geram essa mudança, mas aceleram seu ritmo e dificultam que os governos mitiguem os impactos negativos.

Em vez de consolidar os direitos das empresas transnacionais (ETN) de acesso ao mercado para intensificar sua desestabilização, como pretendem fazer as propostas atuais de comércio eletrônico, os países deveriam poder usar ferramentas políticas para oferecer bons empregos, proteções sociais e – especialmente nos países em desenvolvimento – a transformação estrutural das suas economias.

4. As propostas sobre o comércio eletrônico intensificariam a desigualdade entre os países. Na África subsaariana, 62,5% da população não têm acesso a eletricidade, 87% não têm acesso a Internet e a maioria não tem acesso a serviços postais nas casas.

Os países ricos deixaram claro que suas inquietações incluem a ampliação do acesso à energia, à Internet e a outros tipos de tecnologia de informação e comunicação para diminuir a exclusão digital, maior infraestrutura para a logística, incluindo transporte e os serviços postais; marcos legais e regulatórios; acesso a financiamento e capacitação sobre as tecnologias para ajudá-los a se preparar para se beneficiarem do comércio eletrônico. Mas estes assuntos geralmente não se refletem nas propostas dos países desenvolvidos nem são propostos pelas empresas transnacionais (ETN) de comércio eletrônico mais importantes. Enquanto isso, as propostas dos países em desenvolvimento tem como resultado promessas não vinculatórias de assistência futura que poucas vezes se cumprem.[1]

O fato de a China ser protagonista no comércio eletrônico, através do Alibaba, não serve para mitigar as desigualdades estruturais que se consolidariam entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento. As propostas relativas ao comércio eletrônico ampliariam o grande protecionismo que favorece as empresas com sedes nos países desenvolvidos na forma de patentes e direitos autorais para as tecnologias e para o conteúdo, cujo resultado é o aumento dos lucros transferidos do sul para as empresas do norte.

5. As propostas sobre o comércio eletrônico no Acordo da OMC poderão fazer com que nos sintamos menos seguros. A proposta da União Europeia sobre comércio eletrônico no Acordo da OMC inclui uma moratória ao acesso ou divulgação obrigatória dos códigos-fonte para todos os membros da OMC. Os governos, inclusive o dos Estados Unidos, exigem frequentemente que se publiquem os códigos-fonte para poder avaliar a vulnerabilidade a ataques hackers.

Isso será cada vez mais importante já que algumas projeções estimam que haverá 50 bilhões de dispositivos conectados à Internet em 2020, incluindo dispositivos domésticos da “Internet das coisas”, como refrigeradores e televisores inteligentes (que estavam entre os milhares de dispositivos utilizados em ataques hackers massivos em 2014 e, novamente, em 2016).

A possibilidade de que dispositivos médicos, como marca-passos e sistemas eletrônicos de automóveis, possam ser hackeados implica sérios riscos na área de saúde e seguridade.

À medida que as casas se tornam “casas inteligentes” e as cidades se tornam “cidades inteligentes”, a ameaça de que seja possível hackear softwares secretos e exclusivos coloca todos nós em risco.

6. As propostas sobre o comércio eletrônico promoveriam uma maior desigualdade ao reduzir a concorrência e promover um comportamento monopólico e oligopólico.

O controle de informação, dos meios e das vendas no varejo por parte de três empresas – Google, Facebook (Instagram, WhatsApp e Messenger) e Amazon – tem consequências para o interesse público, para a inovação e para a democracia. Estas empresas transnacionais são capazes de investir em novos mercados ainda que sem muitos sem ganhos durante anos para estabelecer seu domínio no mercado, como Uber [3] e Amazon [4] na Índia e muitos outros mercados nos quais operam.

Sem leis anticompetitivas fortes, as empresas se consolidam ainda mais nos setores através da aquisição: “Google compra AdMob e DoubleClick, Facebook compra Instagram e Whatsapp, Amazon compra, para nomear somente alguns, Audible, Twitch, Zappos e Alexa”, disse Jonathan Taplin. Além disso, se um país se preocupa com as atitudes anticompetitivas, seus tribunais com frequência vão exigir que se divulguem os códigos-fonte.

Mas há exceções na proposta sobre comércio eletrônico da União Europeia para os casos nos quais os tribunais exigem que se revelem os códigos-fonte. As propostas também exigem que as empresas dominantes possam expandir sua capacidade para influir na regulamentação das suas operações sob o disfarce da “transparência para as partes interessadas”.

Como esperar que as pequenas e médias empresas se estabeleçam em um setor que limita a capacidade dos governos de implementar atitudes anticompetitivas e oferece às empresas consolidadas a vantagem de fazer as normas?

7. As propostas sobre o mercado de comércio eletrônico ameaçam o futuro dos países ao exigir a livre transferência de um dos seus recursos mais valorizados: a informação. O bem mais valioso da Uber não são os automóveis nem os motoristas, mas a informação sobre como as pessoas se movem. Uma vez que a empresa domine o setor, será capaz de processar os dados brutos e convertê-los em inteligência: poderá manter seu domínio para excluir os competidores, como expressou recentemente o The Economist em seu artigo “O recurso mais valioso do mundo já não é o petróleo, é a informação.” [5]

Os serviços “gratuitos” das nuvens como os do Google e do Amazon são capazes de acessar mais dados do que imaginamos e podem transformá-los em inteligência que podem ser vendidas ou alugadas para outras empresas com o fim de obter mais lucros.

Entretanto, quase todas as propostas de comércio eletrônico incluem o mandato de promover a transferência transnacional de dados, como “livre circulação de dados”, ao proibir que se restrinja a localização desses (tais como os usos militares dos Estados Unidos, que insistem que seus dados se mantenham nos servidores estado-unidenses) e outras normas.

Por que os países em desenvolvimento deveriam entregar este recurso tão valioso? Uma estratégia de industrialização digital deveriam incluir a criação de centros de dados nacionais e regionais, como criaram a China e a Suécia e que podem se converter em pontos importantes para dar início a indústrias de software, de jogos, indústrias relacionadas com a internet e outras baseadas em dados.

Como disse Parminder Jeet Singh (2017):

“Se nos deixamos levar pelas tendências atuais, o nível de dependência estrutural dos países em desenvolvimento no contexto da sociedade digital será maior do que nunca, fenômeno que foi chamado de ‘colonização digital’. Os fluxos e o comércio mundial destes recursos vitais devem se basear em termos justos, garantindo benefícios econômicos nacionais e proteções sociais e culturais devidas. Enquanto isso, devemos deixar claro que não defendemos uma desglobalização digital. O que buscamos é um espaço justo para os países em desenvolvimento de interesse público na ordem digital mundial emergente.”[6]

8. As propostas sobre o comércio eletrônico são uma ameaça para a nossa privacidade pessoal e para a proteção de dados. Não só os países em desenvolvimento deveriam estar preocupados com circulação dos dados transnacionalmente, a chamada ”livre circulação dos dados”.

Somos testemunhas de uma explosão de demandas por parte dos consumidores que descobriram que seus dados por compras de produtos e uso de serviços, desde compras de fones de ouvido e de brinquedos sexuais à gestão de e-mails, foram vendidos a outras empresas, em geral, sem o conhecimento ou o consentimento do consumidor. Isso significa que os dados pessoais foram roubados ou explorados; portanto, talvez essa “circulação de dados” deveria ser chamada de “tráfico de informação roubada”.

9. As propostas sobre o comércio eletrônico promoveriam a evasão fiscal e a perda de receita pública, o que resultaria em uma monopolização adicional às custas do interesse público de todos os países, mas particularmente nos países em desenvolvimento.

À medida que as empresas obtêm direitos através das normas de comércio eletrônico que propõem para deslocar mão de obra, insumos, capital e dados entre fronteiras, passam a ter capacidade de aumentar suas práticas de preços de transferência e localizar as operações em países com menor supervisão fiscal e com impostos mais baixos, exacerbando a evasão fiscal e os fluxos financeiros ilícitos que, segundo a Global Financial Integrity tiraram entre $620 e $970 bilhões de dólares estadunidenses ao mundo em desenvolvimento em 2015, principalmente através de práticas de fraude comercial.

Esta perda de dinheiro tira a possibilidade de governos de países em desenvolvimento, especialmente da África, de fazer investimentos necessários para proporcionar sistemas de saúde, educação, infraestrutura e o futuro desenvolvimento das suas economias. Se não se exige que uma empresa tenha presença local, como se pode estabelecer os impostos de renda dessas empresas de modo preciso?

Ao mesmo tempo, há uma pressão para ampliar a moratória existente no Acordo da OMC sobre tarifas de comércio eletrônico. Eliminar a obrigação de taxas alfandegárias no comércio transnacional coloca as empresas de comércio físico em desvantagem em relação às empresas de comércio eletrônico e, em termos econômicos, representa um subsídio público para as empresas virtuais, sem nenhum benefício social evidente.

Visto que que os países em desenvolvimento dependem muito mais de suas taxas alfandegárias como fonte de ingressos (para pagar pela educação, saúde e infraestrutura), já que os países em desenvolvimento têm sistemas avançados de ingressos, vendas e impostos empresariais, eliminar as taxas alfandegárias do comércio eletrônico permanentemente não representaria somente uma grande desvantagem para as empresas de comércio físico, mas afetaria gravemente a capacidade dos países em desenvolvimento de alcançar as necessidades de investimento público, atrasando seu desenvolvimento futuro e aumentando a probabilidade de sofrer com a crise de dívidas.

10. As propostas sobre comércio eletrônico poderiam impulsionar as possibilidades de uma crise financeira mundial. Permitir um comércio transacional sem limites de dados financeiros e de transações financeiras poderia ter amplas consequências inesperadas.

Apesar do caos gerado pela crise financeira mundial, o setor dos serviços financeiros continua exigindo um acesso ilimitado aos mercados para produtos inovadores (que evadem as regulamentações) e fluxos financeiros sem restrições.

No Acordo Transpacífico de Cooperação Econômica (TPP, na sigla em inglês), o Departamento de Tesouro dos Estados Unidos afirmou que o direito de manter os dados no estrangeiro não deveria incluir os dados financeiros, pelas lições aprendidas com a crise financeira mundial, mas Wall Street conseguiu pressionar para que estes dados sejam incluídos no Acordo no Comércio de Serviços (TISA em inglês) e, presumivelmente, na OMC.

As normais atuais da OMC obrigam os países a permitir o pagamento e a transferência de serviços sem restrições nos países que já acordaram, no Acordo das disciplinas da OMC. Mas para os países interessa garantir um controle regulatório adequado para este setor, inclusive a respeito do comércio digital transnacional.

Os governos exigem com frequência que os dados financeiros “sensíveis” sejam mantidos dentro das suas fronteiras para garantir que se tomem medidas adequadas sobre privacidade e segurança cibernética, de tal modo que os dados estejam sujeitos a um controle regulatório nacional, que estejam ao alcance dos reguladores financeiros em caso de emergência. Por exemplo, na África do Sul, se exige que os dados financeiros sejam armazenados no país para que as autoridades possam analisar os ativos relacionados com alguma quebra, já que as práticas fraudulentas e depredatórias se estendem no setor financeiro.

Se não for exigido que os provedores dos serviços financeiros tenham uma presença local, uma gestão local ou armazenamento local dos dados, como poderão exigir a prestação de contas diante de um crime ou de uma crise financeira? À medida que a economia mundial se torna cada vez mais voltada para os serviços e aumenta o comércio digital transnacional, o poder dos provedores de serviços financeiros como Visa e Paypal crescerá, já que com frequência atuam como câmaras de compensação para transações internacionais que evadem a soberania financeira dos bancos centrais.

11. As propostas sobre o comércio eletrônico prejudicariam o desenvolvimento ao reduzir o espaço político e limitar a capacidade de atuação dos países em desenvolvimento na industrialização digital, reduzindo as estratégias que comumente são usadas para impulsionar o comércio e os empregos.

Os grupos de lobby das empresas deixaram claro que pretendem que se proíba os requisitos de localização, como os que exigem uma presença local no país para realizar transações comerciais; que contratem trabalhadores locais; o uso dos servidores e instalações informáticas locais nas quais tenham investido; o uso de conteúdos ou insumos locais. Mas os países em desenvolvimento aproveitam estes requisitos para garantir que, ao permitir que as transacionais operem em suas economias, poderão utilizar os ingressos para dar início a indústrias incipientes e avançar no desenvolvimento.

A proposta da União Europeia também inclui incorporar as compras públicas, um tema que foi excluído da rodada atual da OMC. Incorporar as compras públicas (através da promoção da privatização através de associações público-privadas) colocaria as pequenas e médias empresas que são favorecidas em tais contratos em desvantagem em relação às empresas transnacionais estrangeiras (que, geralmente, possuem vantagens de alcance e investimentos públicos anteriores), o que significa que mais dólares de impostos serão destinados a empresas estrangeiras ao invés de impulsionar a economia nacional.

As disposições sobre o comércio eletrônico propostas também limitam o espaço político ao exigir dos países, inclusive dos países menos adiantados (PMA), que assumam novos compromissos além dos que são exigidos atualmente no Acordo da OMC. Atualmente, não se exige dos PMA que assumam compromissos sobre as Medidas de Investimentos Relacionadas ao Comércio (TRIMS) na OMC, nem tampouco no acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (ADPIC).

As propostas para proibir o requisito de divulgar os códigos-fonte são consideradas “TRIMS mais” porque proíbem efetivamente os requisitos de transferência de tecnologia (nos quais o código-fonte é uma tecnologia) que os membros da OMC podem permitir atualmente no Acordo das normas do TRIMS.

Em geral, quando um governo amplia as proteções sobre as patentes, o titular da patente está obrigado a divulgar a invenção e todo os códigos-fonte, como compensação pela intervenção do governo para proteger sua invenção.

Finalmente, muitas das novas propostas impediriam os países em desenvolvimento de participarem dos grupos de integração regional, algo essencial para seu desenvolvimento, tal como se pode ver, na agenda de 2023 da União Africana.

12. Talvez este seja o mais atroz: as propostas sobre comércio eletrônico exigiriam não submeter os serviços futuros a nenhuma regulamentação, mais além das regulamentações sobre os serviços que não são digitais atualmente. No Acordo da “regulamentação nacional” no Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (AGCS), os bens são, cada vez mais, considerados como serviços. Os produtos estão integrados com o software que transforma sapatos em “serviços de fitness” ou automóveis em “serviços de transporte”. As propostas nas negociações de regulamentação nacional incluem uma suposta “neutralidade tecnológica” em que os serviços devem ser executados de acordo com normas e listas de compromissos que os países acordaram antes de que a nova tecnologia seja inventada.

O plano é assumir compromissos preparados para o futuro, mesmo que a tecnologia não esteja disponível no momento que o país assumiu estes compromissos. Muitos governos dos países do Sul deixaram claro que não aceitarão esta determinação. Restringir o controle público das possíveis “implicâncias” das tecnologias interessa àquelas empresas que buscam favorecer somente as regulamentações que proíbem outras regulamentações.

Estas empresas estão fazendo um esforço coordenado para garantir que este seja o principal objetivo da próxima conferência ministerial da OMC, que acontecerá entre os dias 11 e 14 de dezembro de 2017 em Buenos Aires. Portanto, este é o momento para sindicatos, ativistas pelos direitos digitais e privacidade, defensores do desenvolvimento e grupos da sociedade civil colocarem suas inquietações e preocupações para os seus respectivos governos e dedicar atenção a esta ameaça.

As transformações positivas que a era digital oferece para um maior desenvolvimento, oportunidades de emprego, inovação e conectividade estão ameaçadas pelos esforços monopólicos e antidemocráticos das empresas mais poderosas do mundo, que querem reescrever as normas da economia mundial futura a seu favor.

Para alcançar um futuro em um mundo digitalizado que dê lugar ao desenvolvimento comum e trabalho digno, devemos garantir que as normas sejam redigidas por e para todos e não apenas por alguns.
[1] Uma proposta dos Amigos do Comércio Eletrônico para o Desenvolvimento provavelmente terminará da mesma forma, ao mesmo tempo que legitimará as negociações no Acordo da OMC. Ver: http://unctad.org/en/pages/newsdetails.aspx?OriginalVersionID=1477 y http://www.twn.my/title2/wto.info/2017/ti170501.htm.

[2] Manjoo, Farhad, 2017. “Uber Wants to Rule the World. First It Must Conquer India.” The New York Times. https://www.nytimes.com/2017/04/14/technology/uber-india.html

[3] Bloomberg. 2016. “Amazon to Spend $5 Billion to Dominate India E-Commerce.”

[4]N. da T.:Jonathas Taplín é autor do livro “Move Fast and Break Things: How Google, Facebook and Amazon Cornered Culture and Undermined Democracy“. Em português: “Aja rápido e quebre coisas: como Google, Facebook e Amazon encurralaram a cultura e solaparam a democracia.”

[5] The Economist. 2017. “The World’s Most Valuable Resource Is No Longer Oil, but Data: The Data Economy Demands a New Approach to Antitrust Rules.”  http://www.economist.com/news/leaders/21721656-data-economy-demands-new-approach-antitrust-rules-worlds-most-valuable-resource

[6] Singh, Parminder Jeet. 2017. “Developing Countries in the Emerging Global Digital Order – A Critical Geopolitical Challenge to which the Global South Must Respond.” IT for Change. https://www.itforchange.net/Developing-Countries-in-the-Emerging-Global-Digital-Order

– Deborah James é Diretora do Programa Internacional do Centro de Pesquisa em Economia e Política (www.cepr.net) e coordenadora da Rede Internacional “Nosso Mundo Não Está à Venda”(OWINFS, em inglês).

Texto em português adaptado do artigo de Deborah James, publicado na página da ALAI, em espanhol, publicado originalmente em inglês no The Huffington Post, em inglês.

Edição: ALAI | Tradução: Luiza Mançano

11 de Junho de 2017