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A ação é o determinante do relacionamento do ser-no-mundo. |
Franz Brentano, precursor da Fenomenologia, ao romper com o causalismo aristotélico que encarava os processos sob a forma de atos liberadores da potência, dizia que o importante não é o amor, mas sim amar; o amado vira um receptáculo, um objeto que guarda o amor, fazendo o mesmo desaparecer.
A atitude, a atividade, o movimento, a ação - os verbos - são os determinantes do relacionamento do ser-no-mundo.
Quando o homem se posiciona, quando se imobiliza, quando perde dinâmica, ele estabelece referenciais aprisionantes de vivências e quereres. Tudo passa a depender de ideias pré-estabelecidas, de metas, de conveniências e inconveniências, de realizações e imagens, ajustes e encaixes, agindo sempre em função de derrotas ou conquistas que asseguram posições ao mesmo tempo que alienam e despersonalizam.
A atitude é o que mantém a dinâmica. Ser capaz de amar, por exemplo, é mais importante do que deter, zelar e cuidar de seus amados. É a disponibilidade, o ter condições de, que permite a convivência, o relacionamento e interações humanas. Quando surgem posicionamentos, aparecem os entes queridos, os entes odiados que funcionam como “buracos negros“ engolidores de nossa disponibilidade. É o conquistado, o possuído, o receptor do afeto ou do desafeto, o pertencimento (“minha família, meus colegas, meus pares”), o estranhamento (“não convivo, não aceito, deve ser destruído”), enfim, é a estagnação, a perda da fluidez característica dos comportamentos espontâneos e disponíveis.
O denso e o sutil, as necessidades e possibilidades, também podem ser arroladas nestes processos que permitem infinitas diminuições ou ampliações das possibilidades humanas. Transformar o outro em objeto de amor, transformá-lo no amado, é uma maneira de coisificá-lo, mesmo quando a transformação faz criar o sentido da própria existência, o amuleto.
Viver é estar em relação. Esta configuração permite liberdade, movimento, dinâmica.
Vida é dinâmica, é movimento e por isso não pode ser aprisionada em gaiolas, não pode ser aprisionada em ilusões de bem-estar, embora bem-estar, assim como muitos referenciais de abrigo e aprisionamento, se pareçam. O importante é entender, é perceber que as ações são prévias, ações são dinâmicas, são motivantes relacionais, e que delas decorrem posicionamentos, situações outras que são secundárias. Certas situações despersonalizam o indivíduo. Isto é assim, por exemplo, quando para ele o importante é a casa, o conforto, a segurança, o apoio, quando ele perde a dinâmica ao ancorá-la em determinismos funcionais de sua identidade relacional.
Viver é participar, equilibrar, organizar e para tanto o movimento se impõe. Quando este movimento é transformado em adaptação, em encaixe e regras, destrói a dinâmica, destrói as motivações relacionais, os dados processuais, a fim de criar sempre conforto, mesmo que isto implique em cortes, em podas ordenadas no que escapa à métrica dos pequenos espaços.
Vera Felicidade é psicóloga