Em entrevista ao Lifestyle ao Minuto Socorro Piñero, médica neurologista na Clínica de Santo António, em Lisboa, falou a fundo sobre a doença de Alzheimer. A condição neuro-degenerativa que provoca o declínio das funções cognitivas, a alienação da mente e alterações no comportamento e na personalidade da pessoa.
"Geralmente os doentes não têm noção dos sintomas e tentam desvalorizar as queixas dos familiares, que são quem acompanha os pacientes às consultas e explicam aos médicos o que se está a passar", explica Socorro Piñero.
"Para o doente, viver com Doença de Alzheimer faz com que perca a autonomia, mas ao mesmo tempo os indivíduos afetados têm dificuldade em se aperceberem das suas próprias limitações. Nomeadamente, daquilo que já não conseguem fazer, já que paradoxalmente a área cerebral que os permitiria aperceber da própria doença também está afetada", alerta.
A Organização Mundial de Saúde estima que em todo o mundo existam 47,5 milhões de pessoas com demência, número que pode atingir os 75,6 milhões em 2030 e quase triplicar em 2050 para os 135,5 milhões.
A doença de Alzheimer assume, neste âmbito, um lugar de destaque, representando cerca de 60 a 70% de todos os casos de demência, segundo os dados divulgados pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Em entrevista ao Lifestyle ao Minuto, a médica neurologista Socorro Piñero explicou todas as vertentes desta doença degenerativa que não descrimina e chega silenciosamente.
Estima-se que 160 mil doentes tem demência em Portugal
O que é a doença de Alzheimer?
A Doença de Alzheimer (DA) é a demência mais frequente, incluindo 50 a 70% dos casos. Provoca uma deterioração global, progressiva e irreversível de várias funções cognitivas (memória, atenção, concentração, linguagem, pensamento, entre outras).
Afeta 47,5 milhões de pessoas em todo o mundo. Estima-se que 160 mil doentes tem demência em Portugal.
Em termos neurológicos o que se passa no cérebro afetado pela DA?
Existe um processo de neurodegeneração, com perda irreversível de neurónios por acumulação de substâncias tóxicas que impossibilitam a comunicação entre as diferentes áreas cerebrais. Conforme a Doença de Alzheimer vai afetando as diferentes áreas cerebrais, vão-se perdendo certas funções ou capacidades.
Regra geral em que idade surge esta patologia?
A maioria das pessoas diagnosticadas com Alzheimer tem 65 anos de idade ou mais. Apesar de muito menos comum, o Alzheimer precoce pode afetar pessoas com idade inferior a 65 anos.
A DA afeta mais os homens ou as mulheres?
A nível mundial, a demência afeta uma em cada 80 mulheres, com idades compreendidas entre os 65 e 69 anos, sendo que no caso dos homens a proporção é de um em cada 60. Nas idades acima dos 85 anos, para ambos os sexos, a demência afeta aproximadamente uma em cada quatro pessoas.
Existem mais mulheres afetadas simplesmente por terem uma esperança vida média superior, já que o principal fator de risco é a idade avançada.
Há mais do que um tipo de Alzheimer?
A esporádica: afeta 95 % doentes. Não é hereditária. Não se conhece a etiologia. Aparece em maiores 65 anos habitualmente. À medida que aumenta a idade, maior é a possibilidade de ter a doença, estimando-se que uma em cada quatro pessoas de idade superior a 85 anos apresentará DA.
A familiar: afeta 5 % dos indivíduos. Surge mais precocemente, geralmente entre os 40 e os 65 anos. Conhecemos os genes implicados nestes casos - se um dos progenitores tem um gene mutado, cada filho terá 50% de probabilidade de herdá-lo.
Geralmente os doentes não têm noção dos sintomas e tentam desvalorizar as queixas dos familiaresQuais são os principais sintomas?
Inicialmente são subtis. Surge alguma dificuldade em reconhecer os parentes.
Geralmente a memória recente é afetada, o que se traduz em pequenos lapsos memória (relativamente a conversas e acontecimentos recentes).
Contudo, posteriormente registam-se: problemas de comunicação (não conseguem identificar objetos do quotidiano, omitem palavras no seu discurso); têm dificuldade em realizar tarefas rotineiras; registam-se mudanças no humor ou na personalidade; e confundem locais, pessoas e eventos
Geralmente os doentes não têm noção dos sintomas e tentam desvalorizar as queixas dos familiares, que são quem acompanha os doentes às consultas e explicam aos médicos o que se está a passar.
Como é feito o diagnóstico?
Atualmente, não existe nenhum exame especifico que diagnostique a doença.
O diagnóstico tenta excluir outras causas de demência e costuma incluir uma exploração física e neurológica, testes de laboratório, exames de imagem e avaliações neuropsicologicas, entre outros.
Estes exames excluem outras causas de demência, como infeções, tumores cerebrais, estados de carência vitamínica e depressão, entre outros.
O que significa viver com Alzheimer?
A progressão varia de pessoa para pessoa, mas habitualmente é lenta e progressiva.
Para o doente, viver com DA faz com que perca a autonomia, mas, ao mesmo tempo, os indivíduos afetados têm dificuldade em se aperceberem das suas limitações. Nomeadamente, daquilo que já não conseguem fazer, já que paradoxalmente a área cerebral que os permitiria aperceber da própria doença também está afetada.
Pelo que, para os doentes, por vezes, a evolução da doença não é tão trágica como para os familiares.
Qual é o impacto que esta condição tem para a família e amigos do doente?
É muito difícil. Os familiares veem que a pessoa que outrora conheceram já não está presente, vai deixando de fazer as coisas que fazia, e começa a necessitar de supervisão. Tornando-se irreversivelmente mais dependente.
É normal surgirem sentimentos de tristeza, frustração e até de impaciência por inicialmente não perceberem que esses erros não são propositados.
À medida que a demência progride, os doentes vão sofrendo alterações no comportamento, na personalidade e perdem a capacidade de raciocinar logicamente.
É necessário que se relembrem que a causa desses comportamentos alterados é a doença e não a própria pessoa.
Logo aquando do primeiro diagnóstico, por vezes, desvalorizam-se os sintomas por serem 'próprios' da idadeO sistema nacional de saúde e os médicos no geral estão preparados para lidarem adequadamente com o doente de Alzheimer?
Muitas vezes não. Logo aquando do primeiro diagnóstico, por vezes, desvalorizam-se os sintomas por serem 'próprios' da idade.
Posteriormente, muitos profissionais de saúde não sabem como lidar com os sintomas comportamentais destes doentes, tais como a agressividade e a irritabilidade extrema.
Noto ainda que há uma carência de centros de dia e falta de programas de estimulação /terapia ocupacional cognitiva nos centros de saúde e nos hospitais. E falta de ajuda domiciliar para as famílias.
Destaco ainda outros pontos que necessitam de maior atenção:
- Os tempos médios de espera prolongados para as consultas de neurologia;
- A falta de sessões de esclarecimento à povoação, de modo a que esteja mais alerta para esta condição;
- A falta de 'proteção' destinada aos cuidadores, que estão submetidos a um stress físico e emocional intenso;
- A necessidade de criação de centros para 'descanso para o cuidador' (e de programas de internamento temporários para que o cuidador carregue as 'baterias');
- Promover o programa 'estou aqui adultos', da PSP para que os doentes estejam identificados com pulseiras com o contato dos familiares, caso se percam;
Existem tratamentos para o Alzheimer, capazes de provocarem o retrocesso da doença?
Não há uma cura para esta doença. Existem apenas tratamentos capazes de aliviar alguns dos sintomas. E que permitem uma melhoria momentânea da memória, das alterações do comportamento e da independência nas atividades da vida diária. Estes medicamentos designam-se (nome do princípio ativo) donepezilo, galantamina, rivastigmina e memantina.
Pode ser igualmente útil a toma de medicamentos para o tratamento dos sintomas depressivos ou de ansiedade, para as alucinações ou agitação experienciada. A serem devidamente prescritos por um neurologista.
Numa fase inicial da doença há doentes que beneficiam de terapias de estimulação cognitiva, realizadas por neuropsicólogos experientes.
Acredita que no futuro poderá haver cura para a doença?
Devido ao aumento da esperança média de vida, a incidência da doença está a aumentar em todo o mundo.
Neste momento existem inúmeros estudos experimentais com animais em curso, mas ainda sem resultados nos seres humanos.
Recentemente, surgiu um medicamento que está num ensaio de fase 2 e que apresenta resultados positivos. Irá agora passar à fase 3. O 'Ac monoclonal p amiloide', poderá ser capaz de diminuir a velocidade da progressão da doença, mas ainda está numa fase muito precoce de desenvolvimento.
Fonte: noticiasaominuto
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