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Joaquim Carlos* |
Mas há, no entanto, dirás, casos em que é permitido mentir. Decerto, tens companheiros que se apressam, para se desculparem, a dizer. «Menti por brincadeira… isto não pode ser pecado! Isto não faz mal a ninguém»!
Neste caso, a mentira não é um grande pecado, decerto; mas, é sempre uma falta. Se ela não fez mal a outras pessoas fê-lo a eles. A mentira é sempre um engano, é sempre prejudicial. O grande mal destas mentiras inocentes é levar às mentiras perversas. Os grandes homens temiam-nas e reprovavam-nas. Até entre os pagãos encontramos belos exemplos. Certamente aprendeste na escola que Aristides nunca mentia, nem mesmo por gracejo «Aristedes adeo fuit veritatis diligens ut ne joco quidem mentiretur».
É necessário ter, sem dúvida, noção bem exacta da mentira. Mentira é dizer o que é falso no intuito de induzir alguém em erro. Portanto, se é evidente que se trata de brincadeira, de gracejar para divertir os outros, isso não é, propriamente, uma mentira. Mas nunca é permitido levar alguém a crer o que não é verdade. Confesso que, por vezes, podemos encontrar-nos, e isso nos é muito penoso, em situação tal que sejamos obrigados e escolher entre um grave desaire e uma mentira. Mas o princípio «nunca mentirei» deve ficar intacto, custe o que custar.
Mas que fazer, se é grave o desaire que ameaça? Neste caso, o melhor meio de resolver o problema é não responder. O teu silêncio mostrará ao teu interlocutor que o assunto te é desagradável, e é possível que insista…
Se fores hábil, poderás dar uma resposta evasiva, «ladear a questão», «desviar a conversa» evitando sempre a mentira, bem entendido!...
Muitas vezes, porém, isso não dá resultado, e então nada mais resta que aceitar de maneira heróica as consequências eventualmente desagradáveis, por amor á verdade, que é uma das mais belas virtudes que pode encontrar-se num homem ou numa mulher.
Sim, evita os desaires, se puderes; mas, se não puderes, nunca te afastes da verdade, ainda que o facto te traga incómodos. «Fiat justitia et pereat mundus». Dizer sempre a verdade, e todas as circunstâncias, não é fácil, é uma virtude heróica!
É fácil perdoar a uma criança quando, com o medo de levar uma palmada, deixou escapa uma mentira. Uma criança não é ainda um carácter formado, um ser com a sua personalidade já bem definida e completa.
Mas que dizer dos jovens que, tantas vezes, são tão orgulhosos da sua inteligência, da sua coragem e da sua honra? Como é triste vê-los mentir cobardemente, grosseiramente, para se pouparem a uma reprimenda bem merecida, ou para se livrarem de uma situação embaraçosa!
Inversamente, como se dignifica o jovem que jamais permite que a mentira suje os seus lábios e que a todo o transe se põe sempre do lado da verdade, pela simples razão de que ele é incapaz de mentir! Nenhuma situação pode constrangê-lo a faltar à lealdade.
Como é agradável encontrá-lo! Cada uma de suas palavras é tão verdadeira como cada palavra da sagrada Escritura. E como é consolador poder contar com ele e confiar nele em todas as circunstancias!...
Um só homem, uma só palavra! O homem cora quando mente. Criou-o Deus assim para lhe tornar a mentira mais odiosa.
É verdade que, à força de reincidir na mentira, se pode chegar a mentir muito naturalmente e sem corar, como se lesse a sua mentira num livro: - mas isso é uma coisa bem triste. Tu, toma a peito nunca mentir!
E todos vós, que tendes na maior conta a vossa honra, o vosso carácter, não vos afasteis, nunca da verdade, numa palavra que seja. A pessoa que tem o hábito de mentir lança sobre si própria a enxada ao fundamento do seu carácter, e caminha a passos largos para a sua ruína, sem esperança de sair dela.
Aquele que falta à verdade também não sentirá escrúpulo de faltar aos demais deveres. Se souber tirar partido de palavras equivocas, quererá abrir caminho na vida por meios igualmente duvidosos. Se vier a ser funcionário, deixar-se-á subornar. Se for negociante, usará de fraude. Faça o que fizer, não passará de miserável. «Aquele que começa pela mentira acabará na forca», diz um provérbio. Será um pouco exagerado este provérbio; mas, no fundo, exprime uma grande verdade.
A primeira divisa de uma pessoa de carácter é esta: «A verdade acima de tudo!». «Aquele que não falta à sua palavra é varão perfeito», diz a Sagrada Escritura em Tiago 3:2. Renegar a verdade é renunciar à sua dignidade de homem, é trair o mais sagrado dever.
Não conheço ocasião alguma em que seja permitido mentir, brincar com a verdade. Nenhum motivo, é escusa suficiente para a mentira. Bem sei que os jovens gostam, muitas vezes, de se justificar assim: «Desta vez fui obrigado a mentir». Não. Nunca se é obrigado a tal. Direi mais: se admitíssemos que algumas vezes poderíamos mentir, em breve acabaríamos com todas as outras observâncias.
«Desta vez, não podia fazer doutro modo», diríamos, após cada uma das nossas transgressões.
E que viria a ser a sociedade, se a mentira ganhasse terreno? Nunca mais se poderia confiar em alguém. Os filhos não acreditariam os pais, nem os pais nos filhos. A cada passo se teria o direito de pensar: «É falso o que me dizem…». Eu não ousaria comer a sopa com receio de ser envenenado pela cozinheira. Eu não ousaria chamar o médico, porque ele poderia matar-me, etc.
Seria impossível viver-se assim. Já vês, que a mentira é um grande inimigo da sociedade.
Recordo como a mentira pura, nua e crua foi usada durante um julgamento recente num tribunal em Lisboa, sendo assistente em tal processo, por pessoas com responsabilidades associativas, um deles com homens sob suas ordens.
Como é possível tornar a mentira numa prática corrente em todas as áreas da sociedade? Nomeadamente, num local onde se jura dizer a verdade e somente a verdade, repito, como aconteceu naquele julgamento? Este assunto será desenvolvido numa próxima reflexão.
Quem mente daquela forma, não reúne objectivamente condições morais e éticas para continuar a exercer funções directivas, com a agravante de se arvorarem em representantes de associações e demais elementos agregados a estas. Para o exercício de tais funções quer-se: Um só homem, uma só palavra!
*Director