O Fórum Africano de Políticas para a Criança (ACPF, acrónimo em inglês) lançou nesta quarta-feira (27) em Maputo o primeiro relatório que documenta a exploração sexual da criança no continente e que corrobora a afirmação do Secretário-Geral da ONU que a violência contra crianças é uma “emergência silenciosa”. Graça Machel disse que o documento mostra “o quão temos estado a falhar na nossa obrigação número 1 de amar, acarinhar, nutrir e proteger as crianças”.
Em Moçambique as raparigas que trabalham como empregadas domesticas e na agricultura de subsistência em Moçambique são exploradas sexualmente torna público o relatório que revela no Quénia, Malawi, Tanzânia, Eswatini e Zimbabwe a prevalência ao longo da vida de sofrimento da violência sexual varia entre 22 e 38 por cento para raparigas e entre 9 e 17 por cento para rapazes.
No Gana 39,4 por cento de crianças já sofreram “assaltos indecentes” e 18 por cento foram desvirginadas em actos de “purificação”. Na África do Sul uma em cada três pessoas, do sexo masculino ou feminino, esteve em risco de abuso sexual antes de atingir os 17 anos de idade. No Egipto 36 por cento das crianças de rua sofreram abusos sexuais, violência e outras práticas coercivas como “exploração através de transacções sexuais”. A violência sexual contra crianças portadoras de deficiência variou entre duas crianças no Senegal e quatro nos Camarões.
“Agora temos um instrumento para batermos a porta de todos os governos e dizer primeiro é preciso que reconheças o problema, reconhecendo é preciso estabelecer não só legislação e instituições mas mobilizar a sociedade para dizer não há direito de nós continuarmos a ignorar esta tragédia”, declarou Graça Machel que é membro do Conselho Internacional de Administradores do ACPF e desejou que em diante sejam muito mais ouvidas as vozes “das próprias crianças, dos seus irmãos mais velhos que são jovens, organizações de mulheres, organizações profissionais, professores, juristas, que comecem a assumir a sua responsabilidade também”.
A antiga primeira-dama de Moçambique e da África do Sul afirmou que este relatório, intitulado ‘’Exploração Sexual de Crianças na África - Uma Emergência Silenciosa’’, serve para “recordar as instituições africanas, desde a União Africana, as organizações regionais, cada governo, organizações da sociedade civil, famílias e pais o caminho que já trilhamos, mas indicando com muita honestidade o quão temos estado a falhar na nossa obrigação número 1 de amar, acarinhar, nutrir e proteger crianças”.
“Pela primeira vez está-se a levantar a tampa de um assunto que tem sido em alguns casos tabu, mesmo neste país, o nosso país”
Graça Machel assinalou que em África “temos Constituições perfeitas, temos leis sofisticadas, mas muitas vezes nem instituições apropriadas nós temos para responder aos grandes desafios de protecção daqueles que nós dizemos amar. Outras vezes não sabemos sair da política para um plano concreto de implementação dos Direitos das Crianças. E quando nós temos alguns planos são fragmentados, é como se uma criança fosse parcelada: agora é Saúde, agora é Educação, agora é Água. Raramente nós temos respostas integradas e completas que respeitem a pessoa da criança integral e harmoniosamente a crescer”.
“Este não é um exercício de pesquisa só para apresentar relatório e apresentar recomendações, este é um exercício para tocar as nossas consciências, todos nós aqui, de uma outra de outra maneira”, disse ainda a activista que indicou que com o relatório “pela primeira vez está-se a levantar a tampa de um assunto que tem sido em alguns casos tabu, mesmo neste país, o nosso país, fazemos de contas que não está a acontecer”.
Graça Machel enfatizou que “raramente países africanos tem uma política clara e completa de protecção das crianças contra a exploração sexual. Agora há formas muito mãos sofisticadas, e como nós vivemos na era digital, nem pais, nem professores, nem instituições, nem leis até existem para dizer essa é das formas mais cruéis de expor crianças a actos de violência extrema que é a violência sexual”.
O alerta da activista está relacionado com evidencia que o relatório apresenta: em todo o mundo a cada sete minutos uma página na internet projecta uma imagem ou imagens de crianças a serem abusadas sexualmente; No Quénia 53 por cento das crianças que vive em bairros de lata suburbanos e 51 por cento das crianças de famílias monoparentais estão expostas a filmes pornográficos e, consequentemente, são altamente vulneráveis à exploração sexual online; No Senegal meninas estão a ser recrutadas para filmes pornográficos; Nos Camarões rapazes e raparigas de 14 e 18 anos de idade podem ser vistos a pousar e trabalhar em clubes de striptease onde são filmados; 1800 crianças são exploradas semanalmente no Uganda em danças sem roupa conhecidas como “ekimansulo”.
“Estas crianças não podem dar-se ao luxo de serem apenas o futuro e se não agirmos, rápido, melhor, não haverá futuro para elas”
Para a Representante Especial do Secretário-Geral (SG) da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Violência contra a Criança este documento mostra que decorridos 30 anos desde a adoção da Convenção das Nações sobre os Direitos da Criança, “não conseguimos ainda virar a maré contra esses crimes. Se continuarmos assim, não alcançaremos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que prometem acabar com todas as formas de violência, exploração e abuso de crianças até 2030”.
“O relatório mostra que apenas cinco dos 19 países africanos documentados pontuam acima de 50 por cento nos seus esforços nacionais para impedir a exploração sexual infantil. Portanto, é justo dizer que a retórica não levou a uma ação apropriada, inclusiva e consistente” enfatizou Najat Maalla M’jid que exigiu “os governos africanos precisam fazer mais, muito mais!”
A Representante Especial do SG da ONU definiu o lançamento deste relatório como “um marco para renovar os compromissos da Convenção das Nações sobre os Direitos da Criança e para a implementação da Agenda de Desenvolvimento Sustentável para tornar a África livre da violência contra as crianças. Garantir que nenhuma criança seja deixada para trás deve ser nosso objectivo comum nos próximos anos”.
“Tal como as próprias crianças, caros amigos, não se deixem enganar: estas crianças não podem dar-se ao luxo de serem apenas o futuro. Porque elas são o presente e, se não agirmos, rápido, melhor, não haverá futuro para elas!”, apelou Najat Maalla M’jid.
Fonte: Jornal A Verdade, Moçambique