As notícias
sobre as alterações climáticas publicadas em Portugal e Espanha
privilegiam o discurso político ou técnico em detrimento da
sociedade civil, conclui um estudo do Centro de Estudos Sociais (CES)
da Universidade de Coimbra (UC).
Neste estudo, que
teve como objetivo analisar a cobertura mediática ibérica sobre
mudanças climáticas para discutir melhor a sua influência no
envolvimento do público com o tema, foram examinadas perto de 500
notícias online
(217 em Portugal e 232 em Espanha), publicadas em 2017 e 2018 em
vários órgãos de comunicação social de âmbito nacional.
As notícias
foram recolhidas através da base de dados do Google
News
e selecionadas por ordem de relevância dos meios, em quatro períodos
temporais: fevereiro a março de 2017; junho a julho de 2017; outubro
a novembro de 2017; fevereiro a março de 2018.
De um modo geral,
nos dois países, as notícias «dão
destaque aos discursos políticos ou técnicos, sobretudo às
discussões entre os vários partidos políticos, negligenciando os
discursos e comportamentos dos indivíduos. No caso de Portugal, por
exemplo, das 217 notícias avaliadas, apenas 12 favorecem a sociedade
civil»,
relata Neide Areia, autora do estudo já publicado na revista
científica “Science
of The Total Environment”.
Além disso, na
sua grande maioria, as notícias «salientam
framings
alarmistas, por exemplo, o número de mortes ou a extinção em massa
de espécies. Os jornalistas tendem a enquadrar os assuntos
relacionados com o meio ambiente colocando excessivo foco nos
problemas, sejam eles os efeitos das alterações climáticas, ou o
fracasso das instituições políticas no combate às mesmas»,
realça.
No que se refere
aos fenómenos climáticos mais noticiados, a seca - e o seu impacto
na agricultura - surge em primeiro lugar em ambos os países (157
notícias), seguindo-se, em Portugal, as notícias relacionadas aos
fogos florestais.
Segundo a
investigadora do CES, os resultados deste estudo mostram que «os
media
devem democratizar a comunicação das alterações climáticas,
aproximando a realidade do problema à realidade do indivíduo comum.
Ao invés da significativa projeção dada a notícias relacionadas
com discussões político-científicas do foro internacional ou de
catástrofes ambientais ocorridas num outro ponto do mundo, os
jornalistas devem enquadrar o assunto das alterações climáticas ao
nível das comunidades locais e ao nível individual».
Considerando a
influência dos media
na construção da opinião pública, Neide Areia defende que «um
discurso mais proactivo sobre as alterações climáticas pode fazer
toda a diferença, influenciando na adoção de comportamentos
sustentáveis (público em geral) e na implementação de políticas
e leis ambientais (responsáveis políticos)».
«De
facto, uma comunicação democrática sobre assuntos ambientais -
focada em mais notícias pró-climáticas, por exemplo, ações das
comunidades para lidar com as mudanças climáticas, e não apenas
nas falhas dos governos em relação à política ambiental ou
desastres relacionados com o clima - melhoraria o papel ativo dos
media
no envolvimento dos indivíduos e ajudaria a promover respostas
ativas da sociedade às mudanças climáticas»,
sublinha ainda a investigadora, que vai agora alargar o estudo a
França, Irlanda e Reino Unido, encontrando-se já a analisar 1600
notícias publicadas em 2017 e 2018. Numa fase seguinte, será
analisado o tipo de discurso político privilegiado nas notícias.
Esta investigação
foi realizada no âmbito do projeto europeu RiskAquaSoil:
Plano Atlântico de Gestão de Riscos no Solo e na Água,
centrado na deteção dos impactos das alterações climáticas nos
espaços rurais, contribuindo para a gestão do risco, o uso dos
recursos hídricos e do solo, a reabilitação de áreas agrícolas e
o desenvolvimento de novas práticas.
Liderado por
Alexandre Tavares, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da
Universidade de Coimbra (FCTUC), o RiskAquaSoil (iniciado em 2016)
tem a participação de cerca de quatro dezenas de investigadores de
Espanha, França, Irlanda, Portugal e Reino Unido.
Cristina
Pinto