A ministra da Saúde conseguiu folga orçamental para investir numa área em que o governo tem estado sob fogo da opinião pública. Se no anterior Governo "eram todos Centeno", será que agora são todos Marta Temido? A ministra da Saúde responde, na entrevista DN/TSF.
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Ministra da Saúde é a convidada da entrevista TSF/DN © Jorge Amaral/Global Imagens |
Governo assumiu que a saúde era o grande desafio para esta sessão legislativa. Sente que esta é a última grande oportunidade para resolver problemas estruturais que já duram há tanto tempo?
Esta é a oportunidade que temos, sem dúvida nenhuma, que agarrar. A saúde é uma prioridade, não só para os portugueses, mas para todos os europeus. Pelo menos, é habitual em inquéritos realizados no espaço europeu, a saúde ser sempre apontada como a prioridade para a generalidade dos povos. E, portanto, incumbe aos estados responderem positivamente a esta preocupação. É isso que estamos a tentar fazer, é o que fizemos no decurso da anterior legislatura, com um percurso que não podemos esquecer que foi muito difícil, de recuperação, e é o caminho que vamos novamente trilhar com objetivos muito concretos no ano de 2020.
Um ano não chega. Uma das questões que se coloca nesta área é a suborçamentação, ou seja, os gastos da saúde já não estão previstos no Orçamento. Com os 941 milhões de euros a mais para a saúde, é possível que isso acabe. Mas o que vai fazer para que, cronicamente, essa suborçamentação acabe, não neste ano, mas nos próximos?
A referência aos desequilíbrios orçamentais no setor da saúde é algo de que todos nos recordamos. Eu trabalho há 20 anos no setor e há 20 anos que ouço esta referência. Penso que é relevante que se afirme aquilo que dizemos no relatório da proposta do Orçamento do Estado que entregámos na Assembleia da República: não basta ter já um percurso de recuperação do SNS, não basta iniciar um novo ano económico com reforço orçamental, mas temos de ter um conjunto de medidas que nós, pela nossa parte, estruturámos em torno de três dimensões - a qualificação do acesso, a motivação dos profissionais de saúde e o reforço da rede do SNS. Estes eixos de ação vão permitir uma melhor gestão e uma resposta melhor às expectativas dos portugueses.
Um relatório recente do Tribunal de Contas recomendava ao Governo que passasse a exigir às administrações dos hospitais do SNS as mesmas regras que exige quando faz uma parceria público-privada (PPP). Vai seguir esta recomendação?
Naturalmente que as recomendações do Tribunal de Contas são sempre lidas com a maior atenção no Ministério da Saúde e procuramos utilizá-las no melhor sentido que elas têm. Penso que o melhor sentido que tem essa recomendação do Tribunal e Contas é o de que quando o Estado faz um contrato em regime de PPP costuma ser muito estrito na forma como cumpre esse contrato. Os contratos são para cumprir ponto por ponto. Nem sempre isso acontece quando o Estado se relaciona com a gestão pública.
E porquê?
Por variadas razões. Por exemplo, nós internalizámos o Hospital de Braga e constatámos no dia a seguir que não só os profissionais do Hospital de Braga trabalhavam ainda em 40 horas, como tinham as remunerações mínimas que tinham contratado no momento em que celebraram esses contratos. Ou seja, remunerações inferiores às da base da carreira na administração pública. A questão que se pode colocar é: vamos admitir que estes profissionais se mantenham num horário que é exclusivo para o Hospital de Braga, quando todo o SNS está hoje em 35 horas? Vamos admitir que um assistente operacional, um assistente técnico ou um enfermeiro no Hospital de Braga tenha uma remuneração inferior àquela que é a de todo o SNS? No fundo, o que estou aqui a procurar salientar através de um exemplo é que as recomendações do Tribunal de Contas têm de ser lidas no seu contexto e, por vezes, o contexto traz nuances, cambiantes na interpretação que têm de ser tidas em conta.
Mas admite ser mais exigente com as administrações dos hospitais públicos?
O que temos em perspetiva para 2020 é um início de atividade do ano económico com condições diferentes, mais positivas, mais favoráveis em relação àquelas que tivemos em anos económicos anteriores. Consequentemente, isso vai levar a uma maior exigência sobre todos nós, sobre a ministra da Saúde, sobre os secretários de Estado e sobre as administrações hospitalares. Recuperámos paulatinamente de um ciclo de dificuldades de orçamentação, de dificuldades de autonomia, de dificuldades de recursos humanos, enfim... e que nos estamos a aproximar do sítio onde gostaríamos de estar. É uma lógica de maior responsabilização e de maior autonomia.
Mas existe alguma regra já colocada em cima da mesa que os gestores hospitalares tenham de seguir em relação, por exemplo, à responsabilidade?
Essa questão do equilíbrio orçamental é muito importante. Na minha perspetiva, não desmerecendo da preocupação com o equilíbrio orçamental, no que me parece que nos devemos concentrar é nas questões relacionadas com o acesso e com as listas de espera. Será relativamente a isso que faremos a avaliação dos nossos conselhos de administração.
Sabe que aquilo que está a dizer dá, de certa forma, alguma margem àquilo que Mário Centeno sublinhou na apresentação do Orçamento quando disse que o que estava a ser investido na saúde tinha também de ser bem gerido. Sentiu essas palavras como um recado para si e para o seu Ministério?
Eu penso que estamos todos empenhados no mesmo objetivo. O meu principal objetivo, e espero que de todos os dirigentes do Ministério da Saúde ao longo de 2020, é ter melhor acesso para os portugueses, ter melhores respostas para as pessoas em termos de quantidade, de qualidade, de tempo de resposta, de humanização nas respostas e, obviamente, fazer uma gestão adequada do esforço dos portugueses através dos seus impostos.
O Sindicato Independente dos Médicos, a propósito do plano que o Governo definiu para a saúde a partir deste ano, falou em propaganda. A Ordem dos Médicos referiu que tinha receio dos chamados vetos de gaveta e de que as cativações, na prática, continuassem. Pode garantir que este dinheiro que foi anunciado no Orçamento do Estado vai mesmo ser todo aplicado em 2020 ou uma parte dele vai ficar cativado?
Bom, a questão da execução, concretamente, daquilo que é o orçamento de capital no SNS tem sido uma dificuldade. Ela é evidente. Temos tido orçamentado, ao longo dos últimos 3-4 anos, em despesas de capital, portanto, investimento em aquisição de equipamentos, em edificado, valores que não temos conseguido executar. Isso deve-se, de facto, a procedimentos que são complexos, morosos e longos, e isso é uma dificuldade. Mas faz parte das nossas vidas como gestores e que temos de procurar ultrapassar e responder executando.
Não é culpa do ministro das Finanças?
Não penso que aquelas que são as nossas falhas possam ser imputadas àquilo que é a ação dos outros. Da minha estrutura, Ministério da Saúde. Eu sou a primeira responsável, e a última, por aquilo que de bom e de mau se passa no Ministério da Saúde.
Acha que o país tem sido injusto com Mário Centeno, quando olha para os problemas da saúde e aponta o dedo ao ministro das Finanças?
Seria uma enorme infantilidade da minha parte, ou irresponsabilidade, dizer que o que não vai bem no setor do qual sou ministra é responsabilidade de um outro ministro.
O Governo anunciou, nas medidas que tem previstas para a saúde neste ano, a contratação de 8400 trabalhadores para o SNS...
É um quadro de referência.
O Sindicato dos Enfermeiros diz que faltam mais ou menos 20 000 enfermeiros. Nesta situação de número para a frente, número para trás, quais são as necessidades reais de profissionais de saúde no SNS? Tem isso claro na sua cabeça?
Sim. Temos informação que nos permite aferir o que as instituições entendem que seria o adequado para funcionarem melhor, mas temos de ter presente que algumas dessas necessidades são, por exemplo, temporárias. Neste momento estamos a entrar numa época do ano que é associada a uma maior procura e ao reforço de respostas. Ou seja, os 8400 profissionais de saúde referidos no plano de melhoria de resposta do SNS são um quadro de referência, um quadro de referência global.
O que significa que pode ser abaixo ou acima?
Significa que pode ser abaixo ou acima, isso é preciso que fique muito claro. É um quadro de referência. Vamos ser muito práticos: se houver uma situação anormal, uma emergência, uma catástrofe, poderemos ter de ultrapassar esse quadro de referência. Também, se conseguirmos ser mais eficientes do que aquilo que estamos a prever na gestão das nossas unidades, poderemos ficar abaixo desse valor.
Mas nada comparável com os 20 mil de que fala o Sindicato dos Enfermeiros?
Provavelmente não. Não conheço quais são as bases que o Sindicato dos Enfermeiros tem para apresentar esse número.
Não são precisos 20 mil enfermeiros?
Não creio que sejam precisos 20 000 enfermeiros no SNS, não.
Faz ideia de quantos é que são precisos?
Eu diria que dos 8400 profissionais, cerca de 1000-1100 poderão ser enfermeiros.
E quantos médicos?
O que nós assumimos foi que iríamos trabalhar agora com as instituições para afinar aquilo que é a minha estimativa.
Porque há outros tipos de profissionais, não é verdade?
Há sobretudo técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica que são um dos grupos de que temos mais carência neste momento no SNS; e assistentes operacionais.
Não consegue dar um número dos médicos?
O número de médicos que contratámos ao longo da última legislatura foi de cerca de 3800 especialistas.
Numa legislatura?
Numa legislatura. Já agora, para ser muito objetiva: saldo líquido. Por vezes há muito essa confusão, não é novas contratações, é entre saídas e entradas, temos muito mais contratações. Visivelmente, numa nova legislatura esse número será também atingido.
Esse foi um sinal de uma grande instabilidade do quadro dos médicos. Segundo a OCDE, Portugal é o terceiro país com o maior rácio de médicos por habitante, no entanto, faltam a toda a hora. Onde é que eles estão?
Vale a pena sublinhar algo que tem sido muitas vezes dito, mas que parece que precisa de ser ainda repetido: a OCDE, quando se reporta ao número de médicos por habitante para o caso português, está ainda a utilizar o número de inscritos na Ordem dos Médicos. A Ordem dos Médicos refere todos os médicos que estão em exercício ou que estão em condições de estarem em exercício, inclusivamente aqueles que já se possam ter aposentado. Portanto, o facto de a OCDE nos dar esse número aparentemente confortável não significa que essa seja a realidade de toda a geografia do nosso país, de todas as especialidades e de todas as instituições. No SNS temos claramente áreas onde temos carências, e pediatria é a área mais visível neste momento. Diria que a ginecologia e a obstetrícia também, e que em determinadas áreas onde nós vemos listas de espera, por exemplo nas consultas dermatologia, temos também claras insuficiências de médicos para responder.
Porque é que é tão difícil, porque é que continua a ser tão difícil, e até diria cada vez mais difícil convencer os profissionais a ficarem no SNS? Não é só uma questão de dinheiro. O que vai fazer em relação a isso?
Eu não sei se é tão difícil ou se é cada vez mais difícil. Num dos últimos dias do ano pude reunir com a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT), com a direção executiva de um dos agrupamentos - concretamente, o ACES Almada / Seixal -, com a diretora do internato médico e com um grupo de jovens que vão fazer o seu exame de especialidade em março do ano que vem e que se dirigiram ao Ministério da Saúde com uma proposta de organização da atividade. Disseram - eram dez jovens -: nós queremos ficar no SNS, temos uma proposta de trabalho para fazer, nós queremos melhorar a atividade assistencial aos nossos utentes desta nossa área. Portanto, eu penso que não podemos esquecer aquilo que vai bem quando alguns sinais vão no sentido negativo. É evidente que o trabalho no SNS é um trabalho muito pesado, designadamente em virtude daquilo que é o serviço de urgência. Por isso, nós temos um plano muito concreto que é a reorganização dos serviços de urgência, da rede. Sabemos que em Lisboa e Vale do Tejo esse processo e estamos a trabalhar nesse sentido. Sabemos também que temos nos serviços de urgência muitos utentes, muitas pessoas, que por circunstâncias variadas se dirigem a esses serviços quando deveriam ir a outro local. Vimos também, muito recentemente, projetos como aqueles que se estão a realizar no norte do país, em que os utentes quando vão ao serviço de urgência são convidados, dando-lhes uma alternativa, a dirigirem-se ao centro de saúde. É isso que temos de fazer. No fundo, aquilo que os profissionais de saúde nos dizem momento, concretamente os médicos, é que o trabalho no SNS é especialmente desgastante em termos emocionais, sobretudo por força do que é o serviço de urgência. Nós temos de atacar os problemas que nos relatam. Ouvimos atentamente aquilo que nos dizem e procuramos agir em conformidade. É isso que estamos a fazer.
A exclusividade dos médicos no SNS vai mesmo avançar? A senhora ministra disse a meio do ano passado que estava a estudar o assunto. Já chegou a alguma conclusão?
Dedicação plena. Dedicação plena que não é apenas uma forma diferente, é um conceito diferente da exclusividade e que é o que consta da nova Lei de Bases da Saúde. A perspetiva do Ministério da Saúde é que não será útil aos portugueses pedir apenas mais tempo aos profissionais de saúde, teremos de lhes pedir uma forma diferente de trabalhar, e é justo que essa forma diferente de trabalhar seja recompensada de uma forma diferente. Daí, duas apostas claras que fizemos: os incentivos institucionais às Unidades de Saúde Familiar (USF) e às Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados (UCSP) ao nível dos cuidados de saúde primários, que vão ser pagos agora em 2020 e, por outro lado, um modelo de organização em centro de responsabilidade dentro dos hospitais. No fundo, dar maior autonomia.
Isso, na prática, significa o quê?
Significa que dentro de um hospital, daquela organização muitas vezes gigante, complexa, em que trabalham centenas de profissionais de saúde e onde muitas vezes os utentes se sentem relativamente perdidos, nós já desafiámos as equipas de profissionais de saúde a auto-organizarem-se para oferecerem respostas assistenciais melhores à população.
Acha que com isso convence os médicos a ficarem mais tempo no SNS?
Acho que com isso associado a incentivos financeiros por essas respostas, porque é isso que está previsto.
Que tipo de incentivos?
Incentivos associados às eficiências conquistadas.
Diminuição de listas de espera?
Diminuição de listas de espera, produção adicional, respostas mais integradas, disponibilização de números de contacto, serviços de contacto, garantia de que as consultas são realizadas com hora marcada... No fundo, como eu digo, volume e qualidade.
Mas esses médicos podem continuar a trabalhar no privado em simultâneo, ou não?
É uma regra que estamos ainda a analisar e que pudesse ser associada à dedicação plena.
Esses incentivos financeiros dependem apenas da eficiência?
Eficiência leia-se da qualidade, da humanização, da disponibilidade.
Quem é que faz essa avaliação, são as administrações?
São os conselhos de administração, naturalmente que sim. Esse modelo já existiu, não é uma inovação completa. Ficou muito associado ao modelo do centro de responsabilidade integrada do Professor Manuel Antunes da cirurgia cardiotorácica dos Hospitais da Universidade de Coimbra. Temos cerca de 20 centros de responsabilidade a funcionar pelo país e a ideia é aumentar esse número, aumentar as equipas, funcionar dessa forma. Ou seja, pagar mais e pagar melhor, mas pagar mais e pagar melhor por aquilo que os portugueses valorizam, o que significa gerir melhor que é aquilo que nos pedem.
Aquela ideia, que chegou a ser alvo de alguma discussão pública, de agarrar de alguma forma os médicos durante dois ou três anos ao SNS, até como forma de compensar o investimento que o Estado fez na sua formação, caiu de vez?
Não. Essa ideia faz parte do programa eleitoral e do Governo. Uma coisa não está é necessariamente ligada à outra.
Então é para avançar mais tarde?
Essa outra medida é uma medida que, como sempre foi dito, dependerá de um acordo que tem de ser negociado com os profissionais de saúde e que poderá avançar mais tarde.
Em relação à questão das urgências que referiu há pouco, está nos seus planos para este ano criar equipas de urgência específicas?
Talvez não tenha sido suficientemente clara. Quando falei na reorganização das urgências - há uma norma que consta da proposta do Orçamento do Estado que refere concretamente a questão da substituição progressiva das empresas prestadoras de serviços por pessoas com uma vinculação fixa aos serviços de urgência. E estou a falar da reorganização ao nível regional, das urgências metropolitanas, das escalas que estão presentes numa determinada urgência. Coisa diferente é ter equipas dedicadas como algumas instituições têm optado por fazer nos serviços de urgência. São duas faces possíveis.
Mas é, como sabe, uma polémica frequente, a questão da profissionalização das urgências. Essa profissionalização retiraria desse trabalho muitos dos médicos que se queixam do que ele lhes pesa no seu dia-a-dia.
Houve um grupo de trabalho específico sobre a organização do trabalho em serviço de urgência, constituído pela anterior secretária de Estado, e que teve como resultado uma recomendação clara, a de que as urgências funcionem com equipas fixas. Quando se diz com equipas fixas não quer dizer que as pessoas apenas trabalhem no serviço de urgência, aliás terá de haver sempre alguma dedicação ao serviço de urgência que terá de ser sempre articulada com outras realidades. É um caminho possível. Penso que é um caminho que algumas instituições terão mais facilidade e vantagem em conseguir do que outras. Não sou totalmente favorável a modelos uniformes decretados de cima para baixo. O que é um caminho que, garantidamente, todos iremos fazer é o caminho da reorganização das urgências regionais, metropolitanas e institucionais, porque sem isso não poderemos ter as condições para aplicação eventual de novos modelos remuneratórios no serviço de urgência que a proposta do Orçamento que entregámos também refere.
Essa reorganização passa, por exemplo, por fazer aquilo que já se fez com as maternidades em Lisboa no verão - haver uma organização comum e haver uma urgência por dia específica para essa área metropolitana?
Essa organização das maternidades de Lisboa, embora fosse uma proposta técnica, não chegou a avançar.
Mas era esse o sentido?
É uma alternativa possível.
Faz sentido continuar a ser a Ordem dos Médicos a decidir as vagas que abrem para as várias especialidades, ou admite que esta regra deixe de fazer sentido?
A Ordem dos Médicos é um dos atores na fixação de vagas para a formação médica especializada. Todo este processo, que é um processo longo, com muitas interações e onde uma auditoria recente veio, de facto, apontar falhas e, sobretudo, a necessidade de uma maior definição e responsabilidades, é um processo em que todos ganharemos se se tornar mais claro, com as responsabilidades mais delimitadas, porque penso que todos queremos o mesmo.
Isso vai acontecer daqui a quanto tempo?
É um processo que está neste momento em curso. A Secretaria de Estado da Saúde pediu a identificação, à Ordem dos Médicos e aos vários atores, de responsáveis para participarem num grupo que irá redefinir o processo e, sobretudo, torná-lo mais percetível, mais claro, em termos de todos esses circuitos, de forma a fazer uma coisa principalmente: garantir que não há nenhuma vaga que exista e que se possa perder por menor capacidade nossa na sua identificação.
Em relação ao Garcia de Orta, já se sabe quando é que aquelas urgências podem abrir e qual é a solução, ou ainda estamos longe?
O que temos transmitido a propósito da urgência de pediatria do Hospital Garcia de Orta é que o conselho de administração e as equipas de pediatria referiam que em termos ideais, a abertura em segurança, em tranquilidade, sem novas instabilidades, da urgência de pediatria dependeria da entrada de sete novos pediatras. Nós contratámos dois pediatras - um iniciou funções no dia 2 de dezembro, o outro iniciará funções na próxima segunda-feira - e abrimos cinco vagas para especialistas de pediatria. Ou seja, se os dois contratos que já foram assinados garantirem que as pessoas se mantêm e estabilizam e se conseguirmos a contratação destes cinco pediatras adicionais - estamos a fazer uma busca ativa de potenciais interessados -, conseguiremos abrir a urgência de pediatria no primeiro trimestre do ano. Temos agendada uma reunião de ponto da situação para o próximo dia 20 deste mês.
E Torres Vedras, uma notícia recente?
Torres Vedras é uma situação distinta. É um hospital que está integrado no Centro Hospitalar do Oeste onde há dois polos que têm resposta de pediatria. Apenas um desses polos deixou de ter resposta e, portanto, tem estado a haver um reencaminhamento de utentes.
Para as Caldas da Rainha.
Exatamente.
Mas é isso que vai ficar ou vai-se resolver?
É uma matéria que a Administração Regional de Saúde está a trabalhar com o conselho de administração. É evidente que a reposta estará sempre dependente do número de pediatras que existam no Centro Hospitalar. De qualquer forma, a afluência que neste momento regista a unidade de Torres Vedras leva-nos a refletir sobre a solução mais definitiva.
A gripe está a entrar na fase do pico. Pode garantir que os hospitais estão preparados para receber as pessoas?
Naturalmente que sim.
Mesmo, por exemplo, em Viseu, onde se prepara um protesto e já se começa a falar em caos nas urgências?
Eu penso que se tem referido vezes demais a palavra caos a propósito do SNS, fazendo tábua rasa daquilo que é a experiência diária de milhares de portugueses. Em 2019, o SNS atendeu 31 milhões de portugueses nas consultas dos cuidados de saúde primários e cerca de metade desse número nas consultas hospitalares. Dizer que picos de afluência, dificuldades, problemas, são o retrato da realidade, não faz jus àquilo que é o esforço diário de centenas de profissionais.
A que é que acha que isso se deve? São os lóbis privados a funcionar?
Não. Penso que há um conjunto de circunstâncias que contribuíram para que o setor da saúde fosse, num determinado momento, o setor mais visado por várias entidades.
Que entidades?
Por forças políticas, por reivindicações das próprias estruturas representativas dos profissionais que, naturalmente, fazem o seu papel, fazem as suas contestações e as suas reivindicações e que apontarão sempre aquilo que é necessário corrigir. Agora, sem nos desfocarmos daquilo que é necessário corrigir, não podemos esquecer-nos daquilo que vai bem. Penso que os portugueses têm confiança no SNS e que utilizam o SNS. Portanto, essa imagem de caos ou dizer que a urgência de Viseu - que claramente precisa de um novo edifício, no qual estamos a trabalhar e que está atrasado - é o caos não é justo para os profissionais que lá trabalham, não é justo para a confiança das pessoas que utilizam aquele hospital, não é justo para todos os portugueses que pagam impostos.
Um dos aspetos mais importantes quando se está a discutir o SNS tem que ver com os modelos de gestão e com alguns problemas de gestão que vão existindo. As PPP ficaram de fora da nova Lei de Bases da Saúde para serem legisladas mais tarde. Quando é que isso vai acontecer?
Num curto prazo.
Esse curto prazo é o primeiro trimestre deste ano?
Sim. Nós temos um prazo legal para fazer essa regulamentação e ele é exatamente o primeiro trimestre deste ano.
O que é que acha que lá deve constar? As PPP na saúde são para acabar de vez ou é só, como disse o primeiro-ministro, não fazer novas, mas admite renovar as que já existem, como já a ouvi dizer?
É esse o sentido da lei, penso eu. Portanto, a regulamentação complementar da Lei de Bases da Saúde não pode, salvo melhor opinião, contrariar aquele que é o espírito do legislador, aquele que é o espírito da lei, aquela que foi a intencionalidade clara relativamente às PPP de gestão.
Que é que podem existir, no espírito do legislador?
Penso que a intencionalidade clara é que, por regra, as PPP de gestão só serão admitidas em situações excecionais, perfeitamente identificadas como extraordinárias.
Então se é só em situações excecionais e se é esse o espírito do legislador, porque é que o Governo não quer fazer novas, admitindo que podem existir novas situações excecionais?
Porque é que diz que o Governo não quer fazer novas?
Porque o primeiro-ministro disse textualmente que este Governo não faria novas PPP na saúde.
Mas aquilo que nós claramente temos em cima da mesa é a possibilidade de renovação.
Mas isso é em relação às que já existem.
Exatamente.
E não admite que possa vir a ser necessário fazer novas?
De gestão?
Sim.
A avaliação que temos feito das PPP mostra que é um modelo que tem complexidades que são dificilmente compagináveis com o que é a evolução da atividade assistencial num contexto de SNS do tipo do nosso. De resto, não é uma conclusão específica do nosso país e há outros contextos que mostraram o mesmo resultado. Portanto, não me preocupa a questão de que a gestão seja estritamente pública.
Na verdade, os privados têm, além das PPP, 40% do mercado da saúde em Portugal. No seu ponto de vista, qual é que deve ser o papel desses privados na saúde?
Complementar, subsidiário. Nós temos um modelo de SNS onde o financiamento é por impostos; a prestação é maioritariamente pública; e a gestão é maioritariamente pública. Não vejo nenhuma contradição em essa prestação maioritariamente pública, assegurada por um SNS, poder ter recurso a prestadores privados, pontualmente, quando tal se afigure do interesse de todas as partes. É isso que fazemos com o cheque-dentista, com os cuidados continuados; quando adquirimos determinados tipos de exames ao exterior. Não vejo aqui nenhuma dificuldade. Vários países têm vários sistemas de saúde que decorrem daquilo que são opções históricas e o que a análise nos mostra é que as populações tendem a preferir aquilo que é a sua tradição cultural. Portanto, não vejo qual seja a dificuldade que nós temos com o nosso modelo.
Se tem essa posição relativamente ao papel dos privados, se o espírito do legislador é aquele que acabou de descrever, porque é que o Governo recusa fazer novas PPP na área da gestão da saúde?
Vamos lá ver, a gestão é apenas uma parte da PPP, e aquilo que nós temos tido da nossa experiência da gestão de privados em termos hospitalares tem-nos mostrado que há uma forte complexidade dos processos, que exige um forte investimento de acompanhamento, que tem uma conflitualidade associada significativa.
E que poupa dinheiro ao Estado.
Mas porque é que diz que poupa dinheiro ao Estado?
O Tribunal de Contas, uma entidade que eu presumo que não coloca em causa, acabou de descrever a PPP de Vila Franca de Xira como tendo representado uma poupança muito significativa para o Estado.
Mas não há nenhuma PPP que seja lançada se não houver uma avaliação e que fazendo o contrato com o parceiro privado, ele é mais barato - para ser claro - do que mantendo a gestão pública. O que eu estou a dizer e que disse, por exemplo, no princípio da nossa conversa a propósito de Braga, é que as regras da gestão do Estado são muitas vezes diferentes das regras do gestor privado em termos de horários, em termos de salários, e quando estamos a entrar com regras diferentes é natural que os resultados sejam diferentes. A questão que queremos colocar é: vamos regressar às 40 horas ou vamos baixar os salários dos funcionários públicos do setor da saúde?
Regressar às 35 horas foi uma decisão política deste Governo.
Mas é isso que eu estou a perguntar. Por exemplo, no Hospital de Braga, falando de um caso concreto, aquilo que nós encontrámos...
Compreendo que não pode haver uma diferença dentro do SNS e que não pode haver funcionários a trabalhar 35 horas e outros a trabalhar 40 horas.
Não é se pode ou não pode. É se nós queremos. Poder tudo pode, porque desde que as regras existam e sejam legais, poder tudo pode. A questão é se é isso que nós queremos.
Já agora, a talhe de foice, o que vai fazer com a PPP de Vila Franca de Xira?
A opção foi a de lançar uma nova parceria. Os trâmites concursais para o lançamento de uma nova parceria implicavam uma renovação contingencial, ou seja, implicavam que o parceiro privado assegurasse o atual contrato por mais um período até esse novo concurso estar feito e o parceiro privado não se mostrou disponível.
A seguir, deixou em aberto duas possibilidades: retomar aquele hospital para o SNS, para o setor público, ou criar uma nova PPP, certo?
Ou lançar um novo concurso.
E já decidiu o que é que vai fazer?
Aquilo que se demonstrou é que não é possível, uma vez mais estamos a falar naquilo que eu estava a tentar explicitar que é a elevada complexidade e morosidade associadas até ao lançamento destes processos. Reparem, em Cascais houve uma renovação contingencial também e ainda estamos agora a acabar de preparar o novo concurso. Ou seja, estes modelos, de facto, têm ganhos nalguns aspetos, mas têm também complexidades que, normalmente, num modelo de avaliação estritamente balizado por determinados aspetos não são consideradas, mas que depois também têm de ser tidas em ponderação.
Isso ficou claro. O que não ficou claro é o que é que vai fazer com Vila Franca e com Cascais, já agora?
Vamos lá ver, em relação a Vila Franca, como disse, a opção foi perguntar ao parceiro privado se estava disponível para uma renovação e ele disse que não. Não há tempo útil para preparar um novo concurso, logo, o que está em causa é a internalização. Não havendo tempo para fazer um novo concurso, neste momento a internalização é o caminho para o Hospital de Vila Franca de Xira. É isso que está a ser preparado, à semelhança daquilo que aconteceu com Braga. Em Cascais, o parceiro privado demonstrou disponibilidade para fazer uma renovação contingencial. Está a ser preparado um novo concurso que irá ser lançado até ao final este ano que agora se inicia. Outro hospital em regime de PPP, o de Loures, já agora - antecipando a possível nova pergunta -, a decisão de renovação ou de lançamento de uma nova parceria ou de internalização tem de ser comunicada ao parceiro até dia 18 deste mês.
E o que é que vai comunicar ao parceiro?
Nós vamos primeiro comunicá-lo ao parceiro, como imaginará.
Portanto, resumindo e concluindo, no caso das PPP é uma questão ideológica e não uma questão económica pura, certo?
Errado. [Risos] Completamente errado. É uma questão de, em cada um dos casos onde neste momento há uma PPP, fazer uma avaliação técnica. Depois é comunicado ao parceiro que tem a liberdade de não aceitar as propostas que lhe são feitas. Coisa diferente é optar ou não optar por ter uma gestão em PPP. Aquilo que diz que é uma questão ideológica, é uma questão prática. Não há, na minha perspetiva, um modelo que seja suficientemente fino, capaz de captar as complexidades do que é esse modelo no que são as suas vantagens e desvantagens. O que o modelo que nós neste momento temos, apenas capta é saber se ao princípio, antes do lançamento da parceria, há vantagem em seguir a parceria ou não há vantagem em seguir a parceria. O que é que aconteceu em Cascais? Foi que a evolução assistencial determinou que o HIV/SIDA passasse a ser tratado de uma outra forma, que a doença mental passasse a ser abordada de uma outra forma, e o contrato inicial não acomodava esses aspetos. Portanto, isso são circunstâncias que o modelo de avaliação não consegue captar ainda - talvez um dia o consiga fazer -, e que acabam por se refletir no que é a decisão, se é para este modelo ou para outro modelo.
Falou aí de várias coisas que são também aquilo que pode colocar em causa o desígnio a que o Governo se propôs nesta nova legislatura. Se o Governo falhar, acha que os portugueses lhe vão perdoar?
Bom, incumbe-me, enquanto ministra da Saúde e, portanto, responsável pela atuação setorial, trabalhar para não falhar, para não desiludir os portugueses, para respeitar o que é a expectativa deles e a sua vontade. É isso que fazemos todos os dias.
E se falhar, admite demitir-se?
Todos os dias trabalhamos para conseguir responder às pessoas, e vale a pena sublinhar que o contacto com as pessoas mostra que estamos mais perto de responder positivamente às suas expectativas do que muitas vezes resulta para o grande público.
Tem uma posição tomada em relação à eutanásia - que vai ser um tema desta legislatura? É a favor ou contra?
É um tema muito sensível e é um tema que é muito do foro individual mas, obviamente, tendo passado até por situações, quer em termos institucionais quer em termos pessoais, de um enorme sofrimento de pessoas colocadas em situação de última fase de vida, não posso, em termos de princípios, negar que há um limiar de sofrimento e de limite de vidaque me faça dizer que essa é uma decisão individual.