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Luzes de esperança se projetam sobre a catedral de Notre-Dame de Paris, após o trágico incêndio do ano passado
Marcelo Dufaur
Em 15 de abril completou-se um ano do incêndio da catedral de Notre-Dame. Um francês disse então: “Dei-me conta de que fiquei órfão”. Outro chorava “seu segundo lar”. Até os que não frequentavam a catedral sentiram uma carência na alma.
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Discutem-se as causas do incêndio, a fisionomia que terão o teto e a agulha do templo sagrado no final da restauração. Em um ano de avaliações, garante-se que a estrutura está sólida e a reconstrução da parte superior pode começar sem riscos. Leis nacionais e acordos internacionais obrigam a uma restauração à l’identique (idêntica ao que sempre foi). Os planos pormenorizados do arquiteto Viollet-le-Duc, no século XIX, impedem adulterações. Mas quem conhece a classe política tem sempre muito a temer…
Em 1988, por ocasião de sua última visita à magnífica catedral, Plinio Corrêa de Oliveira comentou: “À Notre-Dame podem ser aplicadas as palavras da Escritura: Jerusalém é comparável a uma cidade perfeita, a alegria do mundo inteiro”. Em décadas anteriores ele já havia confidenciado sua dor pela insensibilidade dos parisienses por sua igreja-mãe, dizendo que eles haviam deixado a catedral como “uma coisa para turistas verem”.
Estaria surgindo hoje em incontáveis franceses, em relação à sua “casa-materna”, a catedral de Notre-Dame, uma ponta de dor semelhante à do filho pródigo quando começou a sentir saudades do lar paterno? É uma luz de esperança, não somente quanto à perfeita restauração arquitetural do edifício, mas também uma restauração profunda das almas na França, “filha primogênita da Igreja”.
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A gárgula “observa” do alto da catedral a movimentação do povo parisiense
Não há livros suficientes para conter a narrativa das glórias dessa “filha primogênita” e dos requintes desse seu símbolo máximo. Não seriam poucos também, infelizmente, os volumes necessários para registrar os crimes perpetrados contra ela por franceses possuídos pelo espírito satânico da Revolução gnóstica e igualitária.
Nos remotos tempos em que a visitei pela primeira vez, eu a elogiei quando conversava com um jovem líder conservador. Ele se espantou, e deplorou que não tivesse sido efetivado o plano pós-Segunda Guerra Mundial, o qual previa arrasar a Île de la Cité e adjacências para erigir ali uma Manhattan parisiense. É nesse espaço que estão encravados Notre-Dame, Sainte-Chapelle e Palácio de São Luís, entre outras jóias da Cristandade. O monstruoso projeto foi efetivado depois pelo presidente socialista François Mitterrand; mas no bairro de La Défense, num local afastado.
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Anos depois, contei essa conversa a um arquiteto colombiano, que logo respondeu: “Isso não é novo! Já Luís XV o tinha excogitado; e Luís XVI [quadro ao lado], em reunião do Conselho de Ministros, aquiesceu com o fim desse monumento, tido como bárbaro e arcaico”. Mostrou-me então o álbum “Paris des utopies”, com a gravura em página inteira de um templo grego que, graças a Deus, acabou não sendo construído.
Durante a Revolução Francesa, entretanto, profanaram a catedral com sanha satânica, parodiando um culto à “deusa razão” representada por uma artista imoral, que foi levada em procissão sentada num trono. Além disso decapitaram aquelas imagens tidas pelos revolucionários como “símbolos odiosos da monarquia”; espatifaram os sinos, arremessando-os do alto das torres ao chão; suprimiram o culto e perseguiram os sacerdotes, que fugiram ou foram martirizados. Em 1804 Napoleão encenou na catedral uma apalhaçada autocoroação.
Detalhe de uma das fachadas de Notre-Dame de Paris
Foi esquecido o pesadelo do templo grego, mas, após esses e tantos outros atentados, a tentativa de destruir a catedral não se desfez. Na Comuna de Paris (1871), uma sessão histérica do comité revolucionário conclamou a sua demolição. Os revolucionários amontoaram altares, cadeiras e confessionários, lançaram fogo em tudo e fugiram, porque a catedral poderia desabar. Muitas pessoas do povo formaram correntes humanas, retirando água do rio Sena com toda espécie de recipientes, e salvaram a catedral.
A novela “Notre-Dame de Paris”, de Victor Hugo, eletrizou os franceses, e um movimento de opinião pública se opôs à demolição, conduzindo o genial Viollet-le-Duc a assumir sua reconstrução. Devido a inúmeras interrupções, a restauração iniciada por ele ainda estava em andamento um ano atrás, quando o incêndio irrompeu na catedral.
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Nesse longo percurso, o destino de um povo eleito era mais importante do que o edifício contra o qual se conspirava; e o bem da própria Cristandade, pelo alcance que a catedral tem para a voz da Igreja Católica. Percebeu-o bem o Cardeal Eugenio Pacelli, futuro Pio XII, em seu sermão na Notre-Dame, em 13 de julho de 1937: “Na hora presente a voz desta catedral não tem mais eco! Quantos corações renovam o gesto de Lúcifer, com orgulhosa ostentação de incredulidade! Estes arcos, sob os quais se manifestou com élans magníficos a alma da França de outrora, olham hoje um mundo que tem mais necessidade de redenção do que qualquer época da História”.
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Santo Afonso Maria de Ligório, em célebre sermão, mostra que o pecador não ouve as ameaças de Deus até que o castigo se abata sobre ele. Que castigo poderia ser mais impressionante do que a queda da flecha de Notre-Dame em chamas, ante o olhar horrorizado da humanidade inteira interconectada, assistindo ao incêndio?
O castigo pode tocar o coração dos filhos. Muitos deles sentiram a dor da orfandade, e manifestaram sua tristeza pelo acontecido com Notre-Dame. Esperamos que o número dos “filhos pródigos” cresça, e na hora do almejado “grande retorno” da catedral possamos cantar o Magnificat.
ABIM
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