Durante séculos, na noite de Natal as famílias francesas acendiam um pedaço de lenha de árvores frutíferas como cerejeira, ameixeira, macieira ou oliveira, ou de madeiras nobres ou comuns. Ficou conhecida como a “bûche de Noël”.
A família aquecida por esse fogo se reunia para a Ceia de Natal entoando canções.
Os restos das achas de lenha dos anos passados ficavam ornando a lareira para simbolizar que enquanto o tempo passa, a chama do Natal e sua benção perduram eternamente.
Segundo as regiões a “bûche de Noël” era aspergida com sal (em Poitou-Charentes), vinho (Provence), água benta, azeite, leite ou ainda mel enquanto a família fazia as orações.
A “bûche de Noël” era tida em conta de benta, sobre tudo se o pároco a tinha abençoado. Ela protegia a casa e seus habitantes.
Pela mesma razão, suas cinzas eram dispersas nos estábulos, nos vinhedos, nas hortas ou nos campos para protegê-los das doenças e atrair abundantes colheitas.
Também lhes eram atribuídas o poder de afastar as raposas do galinheiro e as bruxas e fantasmas das moradias, dar mais força às sementes, proteger do raio e consolar os moribundos na agonia.
Se as cinzas fossem jogadas nos poços ou córregos afastavam as serpentes e as más línguas ! Simbolicamente também eram postas no esquife do defunto.
Na região da Borgonha, na véspera do Natal, as crianças nas aldeias e cidadinhas iam cantando de casa em casa, batiam a porta, entravam e recebiam doces, frutos secos, bombons, flores secas e outras deliciosas iguarias.
Os presentes não estavam ligados ao papai Noel que elas desconheciam, mas à famosa acha de lenha que elas encontravam coberta de ingênuas delícias.
A acha na Borgonha devia arder toda a noite do Natal, a fim de que se a Virgem e a Sagrada Família fossem bater à porta na noite pedindo alojamento, eles pudessem entrar e se aquecer, sendo bem acolhidos.
Com o tempo, as velhas lareiras foram se apagando. Entraram novos sistemas de aquecimento. Mas eis que a “bûche de Noël” continuou a fazer bem!
E ela se transformou numa obra prima da pâtisseriefrancesa, a sobremesa indispensável nos lares da França nos dias abençoados do Natal.
É difícil saber quem fez esse prodígio, embora quiçá foram muitos e em muitas partes guiados pelo instinto católico, a tradição e o bom gosto.
Fala-se porém de um aprendiz de pastelaria de Paris que trabalhava numa chocolataria do aristocrático bairro de Saint Germain des Prés que teria tido a ideia.
Os palacetes do bairro eram habitados por nobres muito ligados a seus castelos muitas vezes erigidos em bosques e em continuo contato com a agricultura e as tradições locais. E esses nobres não encontravam na refinada Paris suas rústicas mais abençoadas “bûches de Noël”.
Então o aprendiz concebeu um doce com forma de acha para aplacar a saudade inspirada pela fé.
Segundo outros, o famoso bolo foi inventado em Lyon por volta de 1860. E ainda outros defendem que Pierre Lacam, pasteleiro e sorveteiro do príncipe Carlos III de Mônaco, teria concebido a primeira requintada “bûche” em 1898.
Quem quer que seja o inventor, em forma de sorvete ou bolo, a “bûche de Noël” aparece nas pâtisseries da França nas proximidades do Natal avidamente procurada pelos espíritos amantes da família, da tradição e da Cristandade.
Na Córsega ela é forçosamente feita na base de castanhas. Mas, as fórmulas e apresentações são infinitas. Dependem da preferência das famílias, dos padeiros, dos patisseiros de cada região, cidade, rua ou loja.
( * ) Luis Dufaur é escritor, jornalista, conferencista de política internacional e colaborador da ABIM
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