Luis Dufaur (*)
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Frei Najeeb-Michaeel O.P., exibe um dos documentos salvos
No dia 6 de agosto de 2014, enquanto os obedientes adeptos do Corão do ISIS (abreviatura em inglês de Estado Islâmico do Iraque e do Levante) avançavam sobre a cidade crista de Qaraqosh – hoje felizmente recuperada – o frade dominicano iraquiano Najeeb Michaeel se afastava a toda velocidade.
Ele conduzia um carro e era acompanhado por um caminhão fretado. Nos dois veículos ia um tesouro que acabou sendo salvo das garras da destruição dos fanáticos islâmicos: 3.500 manuscritos orientais dos séculos X a XIII, contou ele para o jornal “Clarin”.
O sacerdote os tinha tirado de Mosul, que viraria capital dos seguidores de Maomé, inimigos de toda forma de cultura.
A pequena caravana fez um longo caminho entre o pó e o terror. Conseguiu passar por três controles: um dos próprios muçulmanos do ISIS e dois das milícias curdas, essas mais amigáveis.
Por fim, chegou a Erbil, no Curdistão, onde essa valiosa parte da memória da Mesopotâmia ficou a salvo até os presentes dias.
O Pe. Najeeb Michaeel renovou assim, em pleno III milênio, com uma velha e admirável tradição da Igreja Católica.
Para frei Najeeb-Michaeel O.P., o diálogo com os autênticos adeptos do Islã é impossível.
A Igreja, desde os tempos das invasões bárbaras na Europa protegeu e salvou quase todo o acervo da Antiguidade pagã, sobretudo a greco-romana, que assim pode chegar até nossos dias.
“Salvar a memória foi um ato da Providencia, explicou ele. Não foi organizado. Eu estava em Mosul, quando o ISIS avançou sobre a cidade.
“Eu tinha regressado de completar a bibliografia de minha tese de doutorado na Universidade de Friburgo, na Suíça.
“Ajudado por dez jovens do nosso Centro Numérico de Manuscritos Orientais selecionamos textos e fotos antigas, os enrolamos em papelões e os empacotamos em caixas.
“O ISIS ataca às pessoas e à cultura. Não só mata cristãos, yazidis e outras minorias, mas destrói as raízes. Por isso eu venci o medo para proteger esse patrimônio”.
O Pe. Michaeel participou de um colóquio em Buenos Aires promovido pelo Ministério da Cultura argentino, representando o Centro Numérico que dirige.
O frade dominicano preservou e restaurou durante muito tempo valiosos documentos em couro e outros suportes antiquíssimos dos anos 900 a 1300, que pertencem a coleções privadas, instituições culturais e a diversos grupos religiosos.
O frade dominicano Najeeb-Michaeel, mostra outro documento salvo.
Entre os textos que ele conseguiu salvar há muitos de origem muçulmana, além de cristãos e yazidis [comunidade étnico-religiosa curda que professa uma crença sincrética, mistura de antigas religiões da Mesopotâmia].
O religioso dominicano cuida de 250 famílias cristãs e yazidis. É um missionário pregador que também age como curador e protetor da cultura do país.
Interrogado sobre como foi a fuga, ele respondeu com um sorriso.
“Nunca deixei de rezar meu terço. Sobre as caixas onde escondemos os documentos antigos ia muita gente fugindo do ISIS.
“Em certo momento senti que a Virgem Maria se tinha sentado no carro e no caminhão. Esse foi meu sentimento.
“Foi providencial que [os guardas islâmicos] não revisassem as caixas. Ali nós levávamos não só a memória do Iraque, mas as da Mesopotâmia toda.
“Havia documentos em dez línguas e sobre vinte temas diversos. Havia exemplares antigos da Bíblia e do Corão, textos sobre história, teologia, filosofia, astronomia, astrologia, medicina de plantas, gramática e dicionários, todos manuscritos.
“Além desses documentos também salvamos as câmaras com que os digitalizamos e os discos rígidos dos computadores, mas perdemos tudo o que deixamos em Mosul”.
Incêndio da catedral de Mosul, nessa hora
frei Michael estava desaparecido resgatando documentos históricos.
O sacerdote explicou como venceu o medo diante das ameaças de morte.
“Antes do ISIS, explicou, esteve [a facção terrorista islâmica] Al Qaeda e eu tive que fugir do Iraque porque estava numa lista para ser assassinado.
“Mataram a sete religiosos de minha ordem. Acredito ser necessário salvar o patrimônio junto com os homens. É como salvar a árvore com suas raízes.
“Além do mais, o ISIS não quer dialogar, porque antes de falar, mata. Nesses termos é muito difícil considerar um diálogo. Eles impõem três opções: fugir, se converter ao Islã ou ser morto.
“Pelos carros de som davam 24 horas às pessoas para fugir com a roupa do corpo. Se não teriam que se converter ao Islã. E se recusavam, eram mortos.
“Em Mosul assassinaram milhares de homens e milhares de mulheres. E meninas foram feitas escravas sexuais”.
( * ) Luis Dufaur é escritor, jornalista, conferencista de política internacional e colaborador da ABIM
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