“Pai, não quero mais ir à escola”. Há pouco mais de um ano essa frase levou o advogado Gabriel Frozi a mudar totalmente sua rotina. Diagnosticada com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) em alto grau, sua filha, hoje com 16 anos, não conseguia acompanhar as aulas nem ter bom desempenho nas provas, acumulando sucessivas reprovações. Nessa época Frozi decidiu criar uma escola na qual os alunos recebessem um olhar diferenciado por parte dos professores e onde as avaliações fossem mais flexíveis.
— Quando o professor olha para um aluno que tem o transtorno fala: “esse cara é malandro, está fingindo”. Perguntei para minha filha por que ela queria sair da escola, e ela me disse que não conseguia tirar uma nota boa, não conseguia me dar alegria — conta Frozi, fundador da Recreio Christian School, escola bilíngue que abriu as portas este ano.
Segundo a Associação Mundial do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, o TDAH afeta 5% da população de crianças do planeta. No Brasil, esse índice é de 4%. O transtorno neurobiológico causa falta de atenção, inquietação, e impulsividade — sintomas que prejudicam o desempenho escolar. Sem tratamento ou atendimento especializado, essas crianças e adolescentes acabam deixando a escola.
CHANCE MAIOR DE EXPULSÃO
Em geral, as pessoas com o transtorno têm 2,5 anos de estudo a menos que as demais. De acordo com pesquisas científicas, o risco de repetência desses estudantes é três vezes maior, e o de serem expulsos da escola, oito vezes maior. Apenas 69% das pessoas com TDAH concluem os estudos. E ainda é raro no país instituições que saibam trabalhar com quem tem o transtorno.
— As escolas não estão preparadas e a estrutura de funcionamento pedagógico das instituições engessa muita coisa. Além disso, é importante que se tenha o olhar de um especialista. Não é raro receber crianças com dificuldades escolares, mas nem todas têm TDAH. Muitas vezes, não só a escola é obsoleta, como o cérebro das crianças desde cedo está condicionado a reagir a uma carga de estimulação sensorial gigantesca — destaca Cacilda Amorim, diretora do Instituto Paulista de Déficit de Atenção.
Na escola do Recreio, os alunos são submetidos a um sistema de avaliação no qual 15% da nota se refere à participação, 25% ao dever de casa, 30% a pequenos projetos e 30% à prova bimestral. As turmas são pequenas e os alunos com TDAH fazem as provas bimestrais separados do resto da turma ou têm a avaliação substituída por algum trabalho. Já nas escolas municipais do Rio, a orientação é que os professores estejam atentos às diferenças dos alunos e desenvolvam práticas que possibilitem diversas maneiras de aprender. Embora a rede não tenha nenhuma ação específica destinada aos alunos com TDAH, a assistente da direção do Núcleo Interdisciplinar de Apoio às Unidades Escolares (Niap), Kátia Rios, ressalta que os professores têm autonomia para promover métodos diferenciados:
— Se na hora de fazer a prova a professora entende que o aluno precisa de outra abordagem, ela tem autorização e autonomia pedagógica para isso, por exemplo. Não só com alunos que têm o transtorno, mas com todos.
Uma cartilha feita em 2014 por instituições brasileiras ligadas ao tema mostra que, para promover uma educação que inclua de fato os alunos com TDAH, diversos mecanismos são necessários, como por exemplo o aluno sentar próximo ao professor e apenas com o material necessário para uso em sala em cima da carteira. O texto sugere que as escolas fixem próximo ao estudante um quadro com rotinas e comportamentos desejáveis em sala de aula. Na hora de explicar a matéria, as instruções a estes estudantes devem ser curtas e feitas de maneira segmentada, evitando longas apresentações. Durante os exercícios em classe, o indicado é que o professor cubra com uma folha as outras questões do livro para que o aluno não se distraia.
Em meio a outras diretrizes, a cartilha destaca a importância de um “Plano Educacional Individualizado” e a valorização de aspectos qualitativos ao invés de quantitativos. Longe de haver uma receita para a escola ideal, a presidente voluntária da Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA), Iane Kestelman, ressalta que um apanhado de iniciativas não torna uma escola adequada a alunos com TDAH.
— Temos uma problemática grave de inclusão, pois essas crianças são colocadas fora da escola. Devemos preparar os profissionais para lidar com os alunos em suas especificidades. A proposta de uma instituição que lida com TDAH é válida desde que exista de fato um projeto pedagógico que tenha eficácia, e que seja validado pela comunidade de profissionais que pesquisam o tema — afirma.
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