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P.e João Gonçalves Padre. Pastoral sócio-caritativa |
Acreditar que a Pessoa vale mais que o seu crime; acreditar que a recuperação de alguém que cometeu um ilícito – mesmo que de todo reprovável – é uma possibilidade; aceitar que a vida é um valor primordial e fonte dos demais direitos humanos… é aceitar como natural a abolição de uma pena que, aplicada, é sinónimo do descrédito e da desesperança na possibilidade de um retorno a uma vida sem cometer crimes.
Foi há 150 anos, em 1 de julho de 1867, que o Rei D. Luís colocou o seu sinete na Carta de Abolição da Pena de Morte para crimes civis, e que deu início a uma profunda reforma penal, bem como ao sistema penitenciário em Portugal. Aliás, deve dizer-se que a última vez que a pena de morte tinha sido aplicada em Portugal, em Lagos, já tinha acontecido cerca de 20 antes, em 1846.
Portugal foi um dos primeiros países da Europa a inscrever, no seu sistema jurídico, de forma permanente, a abolição da pena de morte. Em 2015, esta “Carta de Lei” mereceu, da União Europeia, a Distinção de “Marca do Património Europeu”.
Não são demais as iniciativas, no nosso País, que ao longo deste ano vão decorrer, para marcar a coragem e a determinação dos Governantes de então, de fazerem tais reformas nos códigos penais e nos sistemas prisionais. Foi um ato contra a corrente, que significava a assunção pública e oficial do respeito que a vida humana merece, mesmo diante de teorias e razões que defendiam outra coisa!
Quero dizer, neste contexto, que vida humana, em todas as suas fases e circunstâncias, deve ser tida como um bem inviolável – veja-se a Constituição da República Portuguesa – e sempre defensável, desde a concepção até à morte natural.
A Pena de Morte é uma decisão sem retorno: afirmo, e assumo, com igual convicção, com o “Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade” do nosso País, que “a execução das penas e medidas privativas da liberdade visa a reinserção do agente na sociedade”, sem especificar o tipo de ilícito que o levou à privação da liberdade por um certo tempo.
Por isso, está dito e assumido, em Portugal, que a pena de morte não é solução; ela contraria, liminarmente, a possibilidade de recuperação da Pessoa Humana e da sua inserção na sociedade.
Alguns países não desistem de a aplicar, e há Estados que a recuperaram, pela verificação da prática e da frequência de crimes totalmente reprováveis: mas está estudado que não é por isso que a criminalidade baixou, nem a segurança das pessoas se tornou maior e mais evidente.
Aliás, a aplicação da pena capital pode ser – e em minha opinião é sempre – um abuso de alguém sobre a vida do seu semelhante. E pode ser, como tantas vezes tem acontecido, uma grave e irremediável aplicação, sobre pessoas que, depois, se veio a concluir que estavam inocentes. Todos temos na memória casos de “criminosos” que passaram anos e anos no “corredor da morte”, e depois veio a reconhecer-se que houve enganos e equívocos, que seriam – e quantas vezes não terão sido! – fatais e de efeitos irremediáveis!
Esta conquista pelo respeito à vida – é o que, em última análise, significa a abolição da Pena de Morte –, verdadeiramente marcante da nossa civilização, em Portugal, continua a ser um apelo muito forte ao respeito pela vida humana, sempre, em todas as situações, circunstâncias e fases. A interrupção consciente do normal curso da vida de uma pessoa tem de merecer-me a maior reprovação; porque, diante de uma vida, fica-me sempre o tempo para a maior contemplação!
Fonte: Correio do Vouga
Julho 7, 2017