*Instituto Plinio Correa de Oliveira
O Brasil e a quase totalidade dos países atravessam a Semana Santa mais triste de sua história, em decorrência da ameaça de uma pandemia, mas acima de tudo pela privação das celebrações e graças inerentes a essa festividade, através da qual a Igreja vem rememorando interruptamente, desde o remoto ano de 389, a Paixão, a Morte e a Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Vivemos, portanto, um desses momentos que marcam a História e definem o futuro que recairá sobre as gerações que se sucederão.
A pandemia do Coronavírus, para além do seu aspecto médico, poderá ocasionar as maiores transformações que a humanidade enfrentou nesses dois mil anos de Cristianismo.
Transformações que já estão sendo operadas sem que quase ninguém as analise com profundidade e apresente uma visão de conjunto capaz de alertar a opinião pública, e que vão sendo absorvidas com resignação diante de uma calamidade pública apresentada com proporções apocalípticas.
“Confisco”, “redistribuição de renda”, “novo modelo econômico”, “imposto sobre fortunas”, “ordenação da produção para enfrentar a pandemia” etc., são temas cada vez mais comuns na imprensa. Ao mesmo tempo, espalham-se notícias, carregadas do antigo rancor da “luta de classes”, confrontando quarentenas em “mansões” e em “favelas”.
Dizer que o mundo “não será mais o mesmo” se tornou uma nova “palavra de ordem” repetida em vários círculos sociais. Um mundo mais “igualitário”, “ecológico”, “pós-industrial”.
Entretanto, esse “novo mundo”, segundo seus profetas, não consistiria numa correção dos erros do passado e num “Retorno à Ordem”[i] baseado na Lei Natural e nos princípios de uma sociedade orgânica, mas sim num mundo utópico, seja o dos ecologistas e indigenistas mais radicais, ou aquele sonhado pelos corifeus de uma governança mundial, primeiro sanitária, depois ecológica e finalmente política ou até mesmo filosófica e religiosa.
Uma das edições do livro Baldeação ideológica inadvertida e Diálogo, lançado pelo Instituto Plinio Corrêa de Oliveira
Para debelar esse perigo e inspirado na obra
Baldeação ideológica inadvertida e Diálogo, publicada pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em 1966, o Instituto que se honra de levar seu nome apresenta ao público brasileiro esta primeira análise dos riscos que enfrentamos na crítica hora presente, esperando que ela sirva para alertar os espíritos generosos, mas ingênuos, que podem ser vítimas inadvertidas de uma vasta manipulação ideológica.
Tal análise será feita com base nos princípios da Doutrina Social da Santa Igreja, os quais agora mais do que nunca precisam ser relembrados, uma vez que são silenciados em tantas cátedras episcopais infectadas pelo vírus da Teologia da Libertação.
São esses princípios do ensino tradicional da Igreja Católica que neste momento de confusão e relativismo darão o norte necessário a uma humanidade que depositou toda sua confiança na técnica e na ciência modernas e que de repente se vê imersa na insegurança, confrontada com um futuro incerto e ameaçador.
1. O verdadeiro conceito de bem comum
Em nome do “bem comum”, a preocupação com a saúde física dos homens monopolizou a discussão pública.
Contudo, o bem comum não se restringe ao sentido utilitarista e “laico” que foi tomando nas democracias modernas; seu conceito verdadeiro acarreta uma série de consequências particularmente válidas para a crise atual.
Do Compêndio da Doutrina Social da Igreja[ii]:
“164 […] Segundo uma primeira e vasta acepção, por bem comum se entende: ‘o conjunto de condições da vida social que permitem, tanto aos grupos, como a cada um dos seus membros, atingir mais plena e facilmente a própria perfeição’. […] Assim como o agir moral do indivíduo se realiza em fazendo o bem, assim o agir social alcança a plenitude realizando o bem comum. O bem comum pode ser entendido como a dimensão social e comunitária do bem moral”.
E também:
“170 O bem comum da sociedade não é um fim isolado em si mesmo; ele tem valor somente em referência à obtenção dos fins últimos da pessoa e ao bem comum universal de toda a criação. Deus é o fim último de suas criaturas e por motivo algum se pode privar o bem comum da sua dimensão transcendente, que excede, mas também dá cumprimento à dimensão histórica. Esta perspectiva atinge a sua plenitude em força da fé na Páscoa de Jesus, que oferece plena luz acerca da realização do verdadeiro bem comum da humanidade. A nossa história — o esforço pessoal e coletivo de elevar a condição humana — começa e culmina em Jesus: graças a Ele, por meio d’Ele e em vista d’Ele, toda a realidade, inclusa a sociedade humana, pode ser conduzida ao seu Bem Sumo, à sua plena realização. Uma visão puramente histórica e materialista acabaria por transformar o bem comum em simples bem-estar econômico, destituído de toda finalização transcendente ou bem da sua mais profunda razão de ser”.
Assim como separar a preocupação com a economia de outros aspectos da vida humana reduziria o homem à sua dimensão meramente histórica e materialista, assim também a preocupação com a saúde física, se não for harmonizada com as demais necessidades transcendentes do homem e subordinadas ao bem moral, acabaria por negar o próprio “bem comum”.
2. O bem comum é antes de tudo espiritual
Igreja de São José em Belo Horizonte – MG, fechada no dia da festa de São José devido a quarentena do Coronavírus
É, portanto, uma grave inversão de valores e uma negação do verdadeiro “bem comum” fechar igrejas nesse momento, impedindo os fiéis de ter acesso aos sacramentos.
O ministério religioso é de evidente utilidade pública. As igrejas devem ficar abertas, o culto público deve prosseguir e os sacramentos devem continuar a ser administrados, desde que sejam, naturalmente, respeitadas as normas prudenciais para evitar o contágio.
Em quaisquer circunstâncias, os sacerdotes devem ter pleno direito de circulação — análogo ao dos agentes da saúde ou da ordem pública —, para que possam atender os fiéis, de modo especial os moribundos, nos hospitais ou nas residências.
Do ponto de vista jurídico, em se tratando de uma atividade lícita e protegida explicitamente pela Constituição Federal, não pode o Poder Público impedir a sua realização na medida em que forem respeitadas as normas de saúde e de prudência. E, acima de tudo, cabe à Igreja — e não ao Estado — ter a última palavra nessa matéria.
Sobre isso, pronunciou-se em recente artigo o Arcebispo Dom Carlo Maria Viganò, ex-Núncio em Washington: “Eu compreendo e compartilho preocupações fundamentais de segurança e de proteção que as autoridades exigem pela saúde publica. Assim como eles têm o direito de adotar as medidas para as questões que afetem nosso corpo, assim as autoridades da igreja têm o direito e o dever de se preocupar da saúde das almas. Elas não podem negar aos fiéis o alimento espiritual que eles recebem na Eucaristia, sem falar do sacramento da confissão, da missa etc.”.
O respeito à prática religiosa se torna tanto mais necessário quando se sabe que o sistema imunológico das pessoas, particularmente dos anciãos e dos portadores de doenças graves, é enfraquecido pelo pânico, pela depressão psicológica, pelo acabrunhamento. A privação da atenção pastoral religiosa não pode deixar de ter uma repercussão deletéria na saúde pública. Aliás, o próprio Presidente da República, Jair Bolsonaro, reconheceu-o em recente decreto, ao considerar as Missas como uma atividade essencial.
Traem sua sagrada missão os pastores que não apenas se dobram sem protestar diante da violação do direito natural e constitucional da liberdade de praticar a religião, mas que se adiantam às autoridades e aplicam as regras sanitárias de modo ainda mais rigoroso do que o próprio Poder Público indicou.
3. O bem comum resulta de uma harmonização de vários interesses
A saúde é um dos principais elementos da vida coletiva. Mas não é um valor supremo, nem um direito absoluto que se sobreponha ao bem moral ou que possa colocar em risco a existência e o futuro de uma nação.
Ainda segundo o Compêndio da Doutrina Social Católica[iii]:
“169: Para assegurar o bem comum, o governo de cada País tem a tarefa específica de harmonizar com justiça os diversos interesses setoriais. A correta conciliação dos bens particulares de grupos e de indivíduos é uma das funções mais delicadas do poder público. Além disso, não se deve esquecer que, no Estado democrático — no qual as decisões são geralmente tomadas pela maioria dos representantes da vontade popular —, aqueles que têm responsabilidade de governo estão obrigados a interpretar o bem comum de seu país, não só segundo as orientações da maioria, mas também na perspectiva do bem efetivo de todos os membros da comunidade civil, inclusive dos que estão em posição de minoria.”
Não basta seguir a vontade da minoria ou mesmo da maioria. Cumpre levar em conta o bem comum do país.
Deve-se, portanto, procurar um equilíbrio entre as exigências para o combate à epidemia e as requeridas pela vida coletiva, que não pode ser severamente ameaçada, inclusive em seus valores mais fundamentais, por decisões provocadas pelo pânico.
Decisões que podem acarretar não somente mais mortes pelo vírus, mas também mortes e fome resultantes de desastres sociais e econômicos imprevisíveis.
É, aliás, paradoxal, contemplar organismos internacionais, correntes ideológicas e midiáticas, ardorosos defensores do sacrifício de vítimas inocentes pelo aborto e pela eutanásia, se erguerem em tribunos apaixonados do direito à vida como valor único. Sua hipocrisia revela que sua verdadeira motivação é a promoção de uma agenda ideológica.
Para alguns, tal agenda consiste na utopia de uma Nova Ordem Mundial totalitária. Para outros, pelo contrário, numa dissolução da civilização atual e a caminhada para a utópica vida tribal defendida pelos corifeus da Teologia da Libertação e da ecologia radical.
4. Na esfera temporal, incumbe ao Poder Executivo harmonizar os interesses em conflito, em nome do verdadeiro bem comum
Não cabe aos organismos internacionais, nem aos especialistas na saúde, nem à mídia, nem aos lobbies ideológicos, mas tão-só à autoridade pública determinar as medidas apropriadas para combater a epidemia e, simultaneamente, harmonizar interesses em conflito. Essa autoridade recebe de Deus o poder e as graças sobrenaturais para tomar suas decisões, as quais devem ser obedecidas, salvo se contrariarem o bem moral, que é o fundamento de toda a Lei Natural.
O combate ao Coronavírus, na medida em que tenha implicações sociais, políticas, econômicas e até religiosas (como o fechamento de Igrejas) não é assunto apenas de Saúde Pública. Seu impacto vai muito além da saúde física e imediata dos cidadãos.
Em função disso, nas democracias modernas, nas quais há uma separação dos Poderes, o bem comum exige que a ordem institucional seja respeitada e que, portanto, sejam as autoridades do Poder Executivo, nos seus respectivos níveis, que decidam quais as medidas apropriadas que devem ser tomadas.
Cabe a essas autoridades traçar os cenários das consequências em cada setor — e não apenas sob o ponto de vista da Saúde Pública —, a fim de poderem tomar a decisão que atenda ao conjunto da sociedade.
Constitui grave ameaça ao bem comum o Poder Legislativo ou o Poder Judiciário se arrogarem o direito de decidir em tais matérias, como tem ocorrido em alguns casos e não apenas no Brasil, extravasando de suas funções naturais, seja criando leis, seja controlando a legalidade das medidas.
Uma incursão do Poder Judiciário na esfera do Poder Executivo não apenas extrapola de suas funções, mas chega a ser paradoxal, pois tradicionalmente ele sempre foi um defensor das liberdades públicas diante da limitação imposta por outros Poderes do Estado. Agora, essa situação se inverte e temos decisões judiciais negando até mesmo o direito à expressão[iv] daqueles que são contrários a um “pensamento único” que vai sendo imposto ao resto da sociedade.
5. O bem comum exige que as limitações das liberdades públicas e dos direitos individuais sejam passageiras
Outro paradoxo é o da esquerda brasileira. Aqueles mesmos que, em passado não tão distante de nossa história, se erigiam em defensores das liberdades públicas e dos direitos individuais, hoje são os promotores de medidas extremas de controle da população e, mais ainda, são partidários de que tais medidas sejam aplicadas por tempo indefinido.
Alguns chegam mesmo a defender a necessidade de mecanismos internacionais de controle capazes de combater eficazmente situações como a do Coronavírus.
E não é rara a menção ao suspeito e propalado sucesso do modelo chinês que, segundo seus defensores, teria combatido a propagação do vírus sem se importar com as garantias individuais…
O isolamento compulsório em muitos países não é mais uma hipótese distante. Em função da pandemia, mais de 40% da população mundial já está confinada em suas casas[v].
Em seu principal livro,
Revolução e Contra-Revolução, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira afirma a necessária transitoriedade de um governo forte para enfrentar uma crise como esta.
Discorrendo sobre o conceito de “ditadura”, ele escreveu: “Há circunstâncias que exigem, para a salus populi, uma suspensão provisória de todos os direitos individuais, e o exercício mais amplo do poder público. A ditadura pode, portanto, ser legítima em certos casos.”
Todavia, para ser legítima, ele cita algumas características. Entre elas:
1 — “Deve suspender os direitos, não para subverter a Ordem, mas para a proteger. E por Ordem não entendemos apenas a tranqüilidade material, mas a disposição das coisas segundo seu fim, e de acordo com a respectiva escala de valores”. […]
2 — “Por definição, esta suspensão deve ser provisória, e deve preparar as circunstâncias para que o mais cedo possível se volte à ordem e à normalidade. A ditadura, na medida em que é boa, vai fazendo cessar sua própria razão de ser. A intervenção do Poder público nos vários setores da vida nacional deve fazer-se de maneira que, o mais breve possível, cada setor possa viver com a necessária autonomia”.
Já uma ditadura revolucionária, isto é, que tenha por objetivo descristianizar o Ocidente: “[…] visa eternizar-se, viola os direitos autênticos, e penetra em todas as esferas da sociedade para as aniquilar, desarticulando a vida de família, prejudicando as elites genuínas, subvertendo a hierarquia social, alimentando de utopias e de aspirações desordenadas a multidão, extinguindo a vida real dos grupos sociais e sujeitando tudo ao Estado: em uma palavra, favorecendo a obra da Revolução. Exemplo típico de tal ditadura foi o hitlerismo. Por isto, a ditadura revolucionária é fundamentalmente anticatólica”.
O princípio que deve vigorar, portanto, na atual emergência, é o de que a extensão e a duração das restrições às liberdades públicas e à vida normal sejam as menores possíveis, e não o contrário.
6. Mesmo em situações de emergência, o bem comum requer o respeito do princípio da subsidiariedade
Enquanto as autoridades públicas representam a cabeça do corpo social, desempenhando um papel diretivo essencial, a vida em sociedade resulta da atividade e da energia desenvolvidas por todas as células do corpo social.
Incumbe não apenas ao Estado, mas também à sociedade civil, contribuir no combate à pandemia. Um combate cujas atividades não podem ser simplesmente açambarcadas pelo poder público sob o pretexto de emergência nacional.
Tanto a propriedade privada e a livre iniciativa, quanto os direitos dos pais e das sociedades intermediárias devem ser respeitados em toda a extensão possível, e quando for necessário limitá-los, há que indenizá-los justa e oportunamente pelos danos causados.
Ainda do Compêndio da Doutrina Social da Igreja:
185. “A subsidiariedade está entre as mais constantes e características diretrizes da doutrina social da Igreja, presente desde a primeira grande encíclica social. É impossível promover a dignidade da pessoa sem que se cuide da família, dos grupos, das associações, das realidades territoriais locais, em outras palavras, daquelas expressões agregativas de tipo econômico, social, cultural, desportivo, recreativo, profissional, político, às quais as pessoas dão vida espontaneamente e que lhes tornam possível um efetivo crescimento social. É este o âmbito da sociedade civil, entendida como o conjunto das relações entre indivíduos e entre sociedades intermédias, que se realizam de forma originária e graças à ‘subjetividade criativa do cidadão’. A rede destas relações inerva o tecido social e constitui a base de uma verdadeira comunidade de pessoas, tornando possível o reconhecimento de formas mais elevadas de sociabilidade”.
Neste momento de quarentena, não podemos nos esquecer dos médios e pequenos empresários, dos profissionais liberais, dos autônomos e de suas famílias, que representam ainda um resto de vida orgânica nas sociedades globalizadas em que vivemos. Eles serão duramente atingidos pela crise econômica que já está dando seus primeiros sintomas.
O que há de melhor no Brasil é seu povo generoso, laborioso e inovador.
Tais características — decorrentes dos valores morais e transcendentais com que nos aquinhoou bondosamente a Providência Divina — marcaram profundamente nosso País e estão também correndo grave risco na atual crise.
Do ponto de vista prático, o respeito a essa subsidiariedade é tanto mais necessário quanto é notório que a iniciativa privada é muito mais rápida em reagir e flexível em aplicar os remédios do que o pesado e burocrático aparelho estatal. Sua contribuição é, portanto, indispensável; não apenas para enfrentar a epidemia, mas principalmente para os esforços de reconstrução nacional que se seguirão, uma vez que o País se verá confrontado involuntariamente com uma depressão mundial que poderá ser a maior dos últimos séculos.
7. O bem comum exige o fortalecimento da soberania nacional
A epidemia do Coronavírus revelou a fragilidade do mundo globalizado e interconectado, baseado no canto de sereia de um mercantilismo que sacrifica os “circuitos curtos” de produção e consumo em favor de “circuitos longos” não garantidos ante as várias contingências da vida humana (desastres naturais, mudanças geopolíticas, etc.).
A revelação dessa fragilidade — que patenteou a dependência de boa parte do mundo às veleidades das autoridades da China comunista — deve levar a um esforço de reindustrialização do Brasil e a uma política de parcerias comerciais que tornem nossa economia menos dependente da China e mais orientada para satisfazer as necessidades do consumo nacional.
Pelo mesmo motivo, cumpre assegurar que os florões da nossa indústria, das nossas terras e das nossas riquezas nacionais, desvalorizadas pela depressão que virá, não caiam nas mãos de capitais estrangeiros duvidosos, especialmente de grandes companhias chinesas, todas elas controladas pelo Estado e pelo Partido Comunista.
8. O modelo chinês de controle social
O Coronavírus nasceu na China. Agora, em uma enorme manobra publicitária, os chineses oferecem as máscaras para nos proteger do vírus. A imprensa já está chamando essa ação de “Diplomacia das Máscaras”
[vi].
Neste mundo em que a falsa noção de bem comum se sobrepõe ao seu conceito verdadeiro, muitos governos estão dispostos a ignorar o comunismo chinês — inclusive seu desrespeito sistemático dos direitos individuais de sua população, reduzida a exercer trabalho escravo — para receber ajuda neste momento de pandemia.
Trata-se de uma enorme quebra das barreiras ideológicas que se opera no mundo inteiro, sem que grande parte das pessoas o perceba.
Nesse contexto, não estranha que o presidente chinês tenha ligado até para o presidente Trump a fim de “oferecer ajuda”
[vii].
A China tem sido apresentada não somente como um país modelar na contenção do vírus, ela também se tornou conhecida por sua capacidade de controle social através de novas técnicas digitais de rastreamento, reconhecimento facial etc.
Sobre a China, aliás, não existem dados seguros. Tanto a imprensa quanto a internet são filtradas pelas autoridades chinesas, as mesmas a afirmarem que o país teria isolado o Coronavírus.
Há, contudo, algo divulgado amplamente pelo próprio Partido Comunista Chinês e que é a sua capacidade de usar a tecnologia de ponta para identificar e rastrear as pessoas
[viii].
Através do reconhecimento facial nos celulares — que indicam a localização de seus usuários —, as autoridades chinesas são capazes de localizar cada indivíduo, bem como de definir com quem ele teve contato.
Nada pareceria neste momento mais útil e sedutor, e mais contrário ao mesmo tempo às autênticas liberdades individuais presentes em uma sociedade orgânica e no princípio de subsidiariedade.
Não estará em gestação um novo modelo de sociedade interconectada, globalizada, socializada em um Estado forte cada vez mais igualitário?
9. O perigo da ditadura do pensamento único
O Coronavírus é real e seu perigo não deve ser subestimado; mas não se pode, em função de um perigo para a saúde pública, em nome de um bem comum mal entendido, sacrificar valores, quebrar as barreiras ideológicas em relação ao comunismo, aceitar uma mudança de “paradigma” para um novo mundo que será uma antítese da Cristandade.
Ademais, há outra ditadura em gestação. A ditadura do “pensamento único”, que busca silenciar aqueles para os quais o homem não é só corpo, a economia não diz respeito apenas ao dinheiro e o verdadeiro bem comum não prescinde dos valores morais.
Neste momento em que essas barreiras ideológicas estão caindo por medo de um vírus, mais do que nunca importa relembrar os princípios sociais da doutrina católica.
10. Baldeação Ideológica Inadvertida
Prof. Plinio Corrêa de Oliveira
Em novembro de 1965 era publicado por Plinio Corrêa de Oliveira na revista Catolicismo seu estudo sobre o tema da Baldeação Ideológica Inadvertida e Dialogo.
[ix]
Nele, o ilustre pensador e líder católico descreve a manobra através da qual se pode levar inadvertidamente uma população inteira a mudar seu modo de ver uma determinada realidade.
Tratando do perigo representado na época pelo comunismo internacional, sem menosprezar o perigo nuclear, Plinio Corrêa de Oliveira chamava a atenção para outros tipos de manobras, muito mais discretas e profundas.
Ao final do processo, o “paciente” teria sido mudado de posição.
A presente pressão que está sendo feita sobre a opinião pública, apresentando números assustadores de mortos e perseguindo qualquer opinião divergente, não seria uma maneira de mudar a sociedade em que vivemos sob o pretexto de um assunto de saúde pública?
Não estaríamos assistindo a uma grande manobra de baldeação ideológica inadvertida, da qual também seríamos as vítimas?
Consideremos de momento o que, sob o expressivo título “O confinamento: um remédio pior do que a doença?”, escreveu no dia 6 de abril no jornal parisiense Le Figaro o reputado editorialista Renaud Girard, especializado em questões geopolíticas:
“As mortes causadas pelo Covid-19 excederão cem mil pessoas. Isso acarretará o sofrimento de centenas de milhares de famílias, o que é obviamente muito triste. Mas é preciso que o bom senso prevaleça. Muito antes da aparição do Sars-CoV-2, as doenças pulmonares obstrutivas clássicas já estavam matando muito. Em 2016, segundo a OMS, elas interromperam três milhões de vidas.
No entanto, esse ano a economia do planeta não parou.
“Os acidentes de trânsito mataram no ano passado mais de um milhão de pessoas em todo o mundo. Porém, não proibimos a circulação. Felizmente, o número de mortes nas estradas foi reduzido por meio de ações direcionadas (limites de velocidade, medidas penais contra o álcool no volante, airbags nos carros, consertos nas estradas, etc.). Contra o Covid-19 também devem ser utilizadas ações direcionadas (rastreamento em massa, isolamento e atendimento de pessoas infectadas, equipamentos hospitalares com respiradores etc.). Tudo isso enquanto se espera o desenvolvimento de uma vacina.
“Entretanto, a mortalidade mundial poderia aumentar muito, devido à desorganização do mundo causada por um confinamento geral prolongado. O remédio pode ser pior do que a doença. As recessões econômicas diminuem a expectativa de vida. […]
“No Covid-19, geralmente é a reação exagerada do sistema imunológico que acaba por matar o paciente. Não reproduzamos esse erro da natureza na geopolítica! Vamos manter a calma e nos abster de medidas políticas radicais, que são perigosas para o futuro mediano de todo o nosso planeta!”
[x]
11. O papel do Brasil
As manifestações multitudinárias que nos últimos sete anos encheram avenidas, ruas e praças de nossas cidades repercutiram no mundo inteiro e contribuíram para colocar o Brasil no seu devido lugar, ou seja, torná-lo um ponto de referência.
Governos conservadores foram eleitos em vários países, mas em nenhum deles se viu tal afluxo de pessoas indo às ruas contra o socialismo, o comunismo e tantas outras consequências.
Os brados “Quero o meu Brasil de volta” e “A minha bandeira jamais será vermelha” eram indicativos não apenas do desejo de um governo conservador, mas também de uma reação profunda de um País cansado de ficar em silêncio enquanto o mundo político o ignorava.
É esse o Brasil que está em risco. Em risco de uma desunião dos conservadores, em risco de uma baldeação ideológica inadvertida, o qual é muito mais grave que o representado pelo Coronavírus.
Neste momento histórico, não são apenas os brasileiros que olham para a sua Pátria ameaçada; olham-na também uma parte do mundo que vê com esperança a reação anticomunista que aqui foi tão explícita.
A maneira do Brasil reagir e enfrentar a crise desencadeada pelo Coronavírus terá um alcance ainda difícil de medir, mas certamente não ficará restrita às nossas fronteiras.
Conclusão
Cumpre na atual emergência elevar as vistas e considerar os acontecimentos a partir de uma perspectiva de longo alcance e de um patamar superior.
Sendo Deus onisciente e onipotente, seria absurdo imaginá-Lo alheio a essa pandemia que se estendeu ao mundo inteiro, ou preocupado tão-só em nos fortificar espiritualmente para enfrentarmos o perigo e a dor, e não como sendo capaz de mudar radicalmente o curso dos acontecimentos.
Em sua infinita Sabedoria, Deus permitiu que causas segundas desencadeassem a pandemia. Não é descabido perguntar se em sua misteriosa intenção estaria apenas o desejo de provar a nossa virtude, ou se não estaria também, e principalmente, o desejo de nos corrigir dos nossos vícios e pecados, como um bom Pai que não quer que seus filhos se percam eternamente.
Ao longo da História, todos os povos consideravam as pestes como advertências ou castigos divinos e elevavam à sublime e divina Majestade o pungente cântico entoado na Quaresma: Parce, Domine, parce populo tuo quem redemisti, Christe, sanguine tuo ut non in aeternum irascaris nobis, “Perdoai, Senhor, o teu povo, redimido pelo sangue de Cristo; não estejais irado para sempre conosco”.
Privados dos sacramentos e das belas procissões e cerimônias da Semana Santa, nós, brasileiros, desejaríamos elevar a Deus o grito lancinante de Nosso Senhor na sua agonia: “‘Eli, Eli, lammá sabactáni?” — “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mt 27, 46). Mas, diferentemente do Divino Redentor, em cujos lábios a queixa tinha todo sentido, por ser Ele o Cordeiro sem mancha que Se revestiu dos nossos pecados, dos nossos lábios a pergunta não consegue sair, simplesmente porque nossa índole nacional não o permite.
Nas últimas décadas, entretanto, quantas legislações contrárias à Lei de Deus! Quantas blasfêmias públicas amparadas pelo Poder Judiciário e outras autoridades! Quantas vítimas inocentes sacrificadas pelo aborto! Quanta desagregação dos costumes pela aceitação do “casamento” entre pessoas do mesmo sexo, das uniões livres, do divórcio! Quanta corrupção das crianças pela ideologia de gênero! Quanta incitação à inveja, ao roubo e ao ódio de classe! Quanto materialismo e ateísmo práticos!… Acima de tudo, que imensa deserção dos Pastores que não orientaram devidamente o seu rebanho!
Como os habitantes de Nínive no Antigo Testamento, o que Deus como bom Pai quer de nós não é a morte, mas o arrependimento e a conversão; não apenas individual, mas como Nação, para que possamos ser novamente e com toda autenticidade a Terra da Santa Cruz.
Essa conversão — alguns de cujos requisitos foram apontados acima — exigirá muitos sacrifícios de todos com vista ao bem comum, mas seremos impotentes para fazê-los caso prescindamos da onipotência da graça divina e da poderosíssima intercessão de Maria Santíssima, que permaneceu de pé junto à Cruz e que nessa hora trágica de suprema fidelidade nos foi dada como Mãe.
Para debelar eficazmente o Coronavírus não bastam as medidas prudenciais de isolamento social e de higiene. É preciso, acima de tudo, pedir a Deus socorro por meio de Nossa Senhora, com sincero propósito de conversão. Esse pedido ganhará ainda mais força e idoneidade se for feito pelas autoridades.
Assim agindo, o Brasil poderá atravessar a paixão que o aflige sem conhecer a morte, e ressurgir na Páscoa com a força triunfante de Cristo Ressuscitado, numa humanidade renovada conforme a promessa de Nossa Senhora em Fátima: “Por fim, meu Imaculado Coração triunfará!”.
Instituto Plinio Corrêa de Oliveira
10 de abril de 2020
Sexta-feira Santa, Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo