Turismo, estudos ou trabalho, durante 45 anos os cidadãos europeus e britânicos habituaram-se a viajar sem obstáculos entre o Reino Unido e a União Europeia (UE), mas a partir de 1 de janeiro o Brexit torna-se uma realidade.
A partir do próximo mês, os britânicos na UE serão considerados nacionais de um país terceiro, deixando de beneficiar da liberdade de circulação para trabalhar, estudar ou reformar-se no território da União e dos Estados Associados (Noruega, Islândia, Suíça), e o Reino Unido vai passar a tratar os cidadãos europeus como a maioria dos “não-britânicos”.
Reino Unido e UE concordaram com o princípio da isenção recíproca de visto mas, para entrar no espaço europeu, os cidadãos britânicos vão ter de provar que estão cobertos por um seguro de viagem com cobertura para saúde, têm recursos suficientes para a estadia e um bilhete de regresso.
A estadia na UE será limitada a um máximo de 90 dias durante um período de 180 dias, o que pode ter impacto em pessoas com segundas residências em países europeus.
O passaporte precisa de ter pelo menos mais seis meses de validade a partir da data da viagem e ter menos de 10 anos desde a data de emissão e, no futuro, o documento deixará de ser vermelho escuro e vai voltar a ser azul escuro.
Em alguns países vai ser necessária a carta de condução internacional e para viajar com animais de estimação, os britânicos terão de pedir o respetivo passaporte com pelo menos quatro meses de antecedência.
O uso do telemóvel na UE e Islândia, Noruega e Liechtenstein deixa de ser automaticamente gratuita, mas alguns operadores prometeram continuar a não cobrar o custo pelas chamadas, mensagens e uso de dados. Uma nova lei britânica determina um limite máximo de 45 libras (50 euros) em ‘roaming’.
Os europeus, por sua vez, podem entrar e ficar em solo britânico até seis meses sem visto, mas terão de passar a entrar nas fronteiras pela fila das chegadas internacionais.
Os cartões de identidade nacionais, como o Cartão do Cidadão, serão aceites até 30 de setembro de 2021. Os portadores de passaportes biométricos vão poder usar as portas automáticas ‘eGate’.
Os cidadãos irlandeses continuarão a gozar de plena liberdade de movimento ao abrigo de um antigo acordo bilateral.
Não há restrições sobre a comida ou bebida que se transporta, ao contrário do que acontece com outros países terceiros.
O Cartão de Saúde Europeu vai deixar de ser aceite, pelo que será necessário um seguro de viagem com cobertura para despesas médicas.
Ambos vão poder beneficiar de isenção de impostos (duty free) nas compras nos aeroportos em produtos como bebidas, tabaco e cosméticos, exceto para aparelhos eletrónicos e roupa, mas o Reino Unido vai deixar de oferecer reembolsos do IVA nas compras feitos por visitantes estrangeiros.
O controlo de fronteiras para trabalhadores está entre as questões por resolver entre europeus e britânicos.
Do lado britânico, os europeus vão passar a ser tratados como todos os cidadãos estrangeiros, ou seja, precisam de um visto de trabalho que pode custar entre 610 e 1.408 libras (676 e 1.561 euros), a não ser que seja uma área com falta de profissionais, e uma sobretaxa de 624 libras (692 euros) para aceder a serviços de saúde.
Para se estabelecerem no Reino Unido por um período longo, precisam de uma oferta de emprego e provar alguma fluência na língua de Shakespeare, com um nível de salário mínimo definido por lei.
Para os britânicos, um trabalho remunerado poderá necessitar de visto e / ou uma autorização de trabalho, dependendo da legislação em vigor no país da UE em causa.
Os estudantes britânicos deixarão de ter direito ao Erasmus, o programa que permitiu a milhões de jovens atravessar fronteiras para estudar noutro país europeu, embora o governo britânico tenha manifestado interesse em prolongar associação ao programa.
Os requisitos vão depender de cada país, mas é quase certo que implicará um visto e seguro de saúde
Para estudarem nas reputadas universidades britânicas, os estudantes europeus vão pagar 345 libras (383 euros) por um visto, a sobretaxa de saúde e pagar mensalidades mais elevadas, até quatro vezes mais em medicina ou para alguns diplomas de pós-graduação.
De acordo com um estudo do Parlamento britânico, o país recebeu 143.000 estudantes da UE nas suas universidades durante o ano letivo de 2018-2019. Os estudantes estrangeiros são uma importante fonte de financiamento das universidades, tendo injetado 25,8 bilhões de libras (29 bilhões de euros) na economia do Reino Unido em 2015.
Atualmente, cerca de 1,3 milhões de britânicos residem na UE, enquanto 3,6 milhões de cidadãos europeus vivem no Reino Unido.
Os direitos estão protegidos se estiverem instalados no país de residência antes de 31 de dezembro de 2020. Depois do dia 01 de janeiro, os britânicos que desejem estabelecer-se em França, Espanha ou Alemanha, os atuais destinos favoritos para trabalho e aposentação, terão de cumprir os mesmos requisitos exigidos a nacionais de países terceiros, como seguro de saúde, meios de subsistência ou conhecimentos do idioma local.
O Reino Unido, por sua vez, vai introduzir um sistema de pontos a partir de 2021, o que tornará o estabelecimento dos europeus mais difícil, sendo levados em consideração a idade, qualificações, conhecimentos de inglês e recursos financeiros.
Mitos sobre estatuto de europeus no Reino Unido
- Reino Unido só aceita passaportes
FALSO: Os cartões de identidade europeus como o Cartão do Cidadão vão continuar a ser aceites para entrar no país até 30 de setembro de 2021. Também vão poder ser usados até pelo menos 31 de dezembro de 2025 para os detentores de estatuto de residente permanente ou provisório.
A partir de 01 de outubro de 2021, será necessário mostrar na fronteira um passaporte biométrico válido durante o período de estadia.
- Vou ter de mostrar prova de residência no aeroporto
FALSO: Os europeus, incluindo portugueses, vão poder entrar no Reino Unido sem visto para visitas curtas de até seis meses, mas não podem trabalhar pedir apoios públicos britânicos ou casar durante esse período.
Até 30 de junho de 2021, fim do período de registo para confirmar o estatuto de residente, não vai ser exigida qualquer prova aos europeus de que vivem no Reino Unido.
- Já tenho residência no Reino Unido há muitos anos, não preciso de me registar no novo sistema
FALSO: Todos os cidadãos europeus que estejam atualmente a viver no Reino Unido e pretendam continuar com os mesmos direitos devem candidatar-se através do sistema criado pós-Brexit' chamado ‘EU Settlement Scheme’.
Têm de apresentar um documento de identificação válido, seja cartão de identidade (Cartão do Cidadão) ou passaporte, número de segurança social ou outros documentos de prova de residência.
Existe uma exceção para pessoas com Autorização de Residência Permanente [Indefinite Leave to Remain] atribuída antes de 1973 e com documento válido.
- Os meus filhos nasceram no Reino Unido, têm direito a passaporte britânico
Nem sempre. Se no momento do nascimento nenhum dos pais era cidadão britânico ou tinha estatuto de residente no Reino Unido, a criança vai ter a nacionalidade dos pais.
Seja qual for a idade, todos têm de fazer o registo no novo sistema de residência pós-Brexit para continuar no Reino Unido, pais e crianças.
- Europeus casados com cidadãos britânicos não precisam de se inscrever
FALSO: A não ser que tenham pedido nacionalidade britânica, todos os europeus precisam de se candidatar ao sistema de residência pós-Brexit, exceto os irlandeses devido a um acordo bilateral.
- Estatuto de residência provisório será convertido para permanente automaticamente quando completar cinco anos de residência
FALSO: Quem recebeu o título provisório ('pre-settled status’) porque vive no país há menos de cinco anos tem de candidatar-se de novo ao título permanente.
A candidatura ao título permanente pode ser feita em qualquer altura após completar o tempo necessário, mas antes do fim da validade do título provisório, que é de cinco anos após a emissão do título.
- Posso estar fora do Reino Unido mais de seis meses sem perder o estatuto de residente
Nem sempre. Os detentores de título permanente podem ausentar-se do país até cinco anos sem perder o estatuto.
Já os detentores de título provisório perdem este estatuto se passarem mais de seis meses fora do Reino Unido. Para continuarem a ser elegíveis para um título permanente, precisam de manter a "residência contínua" por cinco anos, o que significa não passar mais de seis meses no estrangeiro num período de 12 meses.
- Posso ser expulso do Reino Unido se não tiver estatuto de residente a partir de 1 de janeiro
FALSO: Os cidadãos europeus têm até 30 de junho de 2021 para solicitar o estatuto de residente, seja permanente ou provisório.
Até lá, mantêm o direito ao trabalho, serviços de saúde e a arrendar habitação sem necessidade de prova. Mas a partir de 01 de julho de 2021, o certificado de residência digital pode ser exigido por senhorios.
Os europeus residentes no país que não tiverem feito a candidatura vão ficar em situação ilegal.
- Problemas com a polícia invalidam direito a residência
Nem sempre. Infrações menores, como multas de estacionamento ou excesso de velocidade, não são consideradas graves e não precisam de ser declaradas.
Outro tipo de crimes mais graves, com sentenças que tenham envolvido sentenças de prisão superiores por mais de um ano ou com várias sentenças curtas consecutivas nos últimos cinco anos, serão analisadas como parte do processo e poderão resultar numa rejeição do estatuto de residente.
Lusa / Madremedia