SDO / NASA
Imagem de uma explosão solar classe X2.0 captada a 27 de outubro de 2014
Se uma erupção solar massiva atingisse a Terra hoje, poderia acabar com a nossa tecnologia e lançar-nos de volta à Idade das Trevas. Para nossa sorte, eventos como este são muito raros.
Mas há quatro mil milhões de anos, o clima espacial extremo – com erupções solares para dar e vender – era provavelmente o padrão. Porém, ao invés de trazer o apocalipse, pode ter dado o pontapé inicial para a vida na Terra.
Essa é a surpreendente conclusão de uma pesquisa,
publicada na
Nature Geoscience na última segunda-feira, que se baseia numa descoberta anterior sobre estrelas jovens e parecidas com o sol feita com o telescópio espacial Kepler da NASA.
Jovens sóis, ao que parece, são extremamente eruptivos, libertando quantidades alucinantes de energia durante “super erupções solares” que fazem os nossos eventos climáticos espaciais mais extremos parecerem uma garoa fraquinha.
Agora, Vladimir Airapetian, da direcção de Ciências e Exploração da NASA, mostrou que se o nosso Sol tiver sido igualmente activo há quatro mil milhões de anos poderia ter tornado a Terra mais habitável.
De acordo com modelos do astrofísico, à medida que as super erupções solares atingiam a nossa atmosfera, iniciaram as reacções químicas que produziram gases de efeito estufa que aquecem o clima e outros ingredientes essenciais para a vida.
“A Terra deve ter sido um congelador há quatro mil milhões de anos”, explicou Airapetian ao
Gizmodo, referindo-se ao “paradoxo do jovem sol fraco” levantado pela primeira vez por Carl Sagan e George Mullen em 1972.
O paradoxo surgiu quando Sagan e Mullen perceberam que a Terra tinha sinais de água líquida tão cedo quanto há quatro mil milhões de anos, quando o sol tinha apenas 70% do brilho que tem hoje.
“A única maneira [de explicar isso] é, de alguma maneira, incorporar um efeito de estufa”.
Outro enigma da Terra precoce é a forma como as primeiras moléculas biológicas – DNA, RNA e proteínas – conseguiram nitrogénio suficiente para serem formadas.
Semelhante à de hoje, a atmosfera da Terra primitiva era composta principalmente de gás nitrogénio inerte (N2). Enquanto as bactérias especializadas chamadas “fixadoras de nitrogénio” eventualmente descobriram como quebrar N2 e transformá-lo em amónia (NH4), a biologia inicial não tinha essa capacidade.
Clima do espaço
O novo estudo oferece uma solução para ambos os problemas sob a forma do clima espacial. A pesquisa começou há vários anos, quando Airapetian estava a estudar a actividade magnética das estrelas no banco de dados Kepler da NASA.
O investigador descobriu que as estrelas tipo-G (como o nosso Sol) são como dinamite na sua juventude, muitas vezes libertando pulsos de energia equivalentes a mais de 100 triliões de bombas atómicas.
A mais poderosa tempestade solar pela qual os seres humanos já passaram, o Evento Carrington, de 1859, que causou cortes de energia em todo o mundo, não é nada em comparação com o que acontecia no início do nosso planeta.
Logo ocorreu a Airapetian que poderia usar esta descoberta sobre actividade estelar para espiar o início da história do nosso sistema solar.
O cientista calculou que, há quatro mil milhões de anos, o nosso Sol poderia estar a libertar dezenas de super erupções num espaço de poucas horas de diferença entre elas, com uma ou mais arranhando o campo magnético da Terra a cada dia.
“Basicamente, a Terra estava sob ataque constante de super eventos do porte do Carrington“, explicou o autor.
Prova matemática
Em seguida, usando modelos numéricos, Airapetian mostrou que super erupções solares seriam fortes o suficiente para comprimir drasticamente a magnetosfera da Terra – o escudo magnético que circunda o nosso planeta.
Não apenas isso: demonstrou, ainda, que partículas solares carregadas iriam abrir um buraco limpo através da magnetosfera perto dos pólos do nosso planeta, entrando na atmosfera e colidindo com nitrogénio, dióxido de carbono e metano.
“Então, agora há essas partículas interagindo com moléculas na atmosfera e criando novas moléculas – como uma reacção em cadeia”, disse Airapetian.
Essas interacções solares-atmosféricas produzem óxido nitroso, um gás de efeito de estufa com 300 vezes o potencial de aquecimento global do CO2.
Os modelos de Airapetian sugerem que uma quantia suficiente de óxido nitroso poderia ter sido produzida para aquecer drasticamente o planeta. Outro produto da tempestade solar sem fim, cianeto de hidrogénio (HCN), poderia ter fecundado a superfície com o nitrogénio necessário para formar os blocos de construção iniciais de vida.
“As pessoas têm analisado raios e queda de meteoritos como maneiras de iniciar a química do nitrogénio”, aponta Ramirez. “Eu acho que a coisa mais interessante sobre este estudo é que ninguém tinha pensado em olhar para as tempestades solares”.
Moléculas suficientes?
Agora são os biólogos que devem determinar se a mistura exacta de moléculas produzidas por meio de super erupções solares teria sido o suficiente para alavancar a vida, pesquisa que já está em andamento.
Estudiosos do Instituto de Ciências da Vida da Terra, em Tóquio e noutros lugares, estão a usar os modelos de Airapetian para conceber novas experiências que simulam as condições na antiga Terra.
Se essas experiências conseguirem produzir aminoácidos e blocos de construção de RNA, isso seria um grande passo no sentido de apoiar a ideia de que o clima espacial ajudou a dar início à vida.
Além de ajudar a montar a história da nossa origem, os modelos de Airapetian poderiam auxiliar no entendimento da habitabilidade passada de Marte, que parece também ter sido molhado há quatro mil milhões de anos, apesar de receber ainda menos radiação do jovem Sol. O estudo também pode ter implicações para a vida além do nosso sistema solar.
Estamos apenas a começar a descobrir o que constitui “zona habitável” de uma estrela, onde podem existir planetas com oceanos de água líquida. Mas a definição actual de zona habitável só leva em consideração o brilho da estrela-mãe.
Com informações mais detalhadas sobre a actividade explosiva de uma estrela, poderíamos ser capazes de saber mais sobre a química das atmosferas de exoplanetas e o potencial de um forte efeito estufa surgir.
“Em última análise, isto vai-nos informar sobre se a energia de uma estrela está disponível de uma forma que possa criar a química para criar biomoléculas”, resumiu Airapetian. “Sem isso, seria um milagre ter vida”.