Levava após de si – Orfeu
da liberdade –
No encanto da palavra o
espírito e a vontade.
Como um vento que leva as
folhas dum olmeiro.
Neste homem tudo foi viril
e verdadeiro:
Onde existisse um erro, um
despotismo, um crime,
Lá estava aquela voz
vibrante, audaz, sublime,
A combate-lo em face a e
erguer pelo direito
– Missionário da luz – um
culto em cada peito.
A sua grande força, a sua
inspiração
Vinha-lhe toda a flux do
imenso coração,
Do forte coração altivo e
generoso.
Que nunca conheceu rancor
vitorioso.
Tudo nele era grande: a
palavra, o talento.
A voz, o entusiasmo, a
forma, o pensamento.
O culto do dever, o amor
da liberdade.
A índole leal e a
simplicidade
Do seu coração de ouro, ao
qual toda a vitória
Aumentava a bondade – esta
suprema glória.
Político de ideia,
abominava a intriga
– Cabala que transforma a
política em briga
De egoísmos brutais.
Carácter franco e aberto
Combatia de pé e a peito
descoberto
Despreocupadamente. E
assim em quanto os fracos,
Os hábeis, os subtis, os
nulos e os velhacos
Subiam em tropel a escada
do poder,
Ele ficava sempre em baixo
a combater,
Tranquilo, colossal,
forte, sereno, austero,
Como guerreiro antigo, ou
como herói de Homero.
... ...
... ... ...
... ... ...
... ... ...
...
Depois veio a justiça
inflexível da história
E, envolvendo na luz da
sua imensa glória
O simples combatente, o
forte lutador,
Ergueu-lhe um pedestal
todo feito de amor,
E amarrou ao escárnio – o
panthéon dos fracos –
Os hábeis, os subtis, os
nulos e os velhacos.
Figueira – Abril de 1881.
NUM TÚMULO
Envolve-se a existência em
dois mistérios,
Berço e campa – dois
óvulos diversos
Dos berços faz-se o pó dos
cemitérios,
Das campas sai o pólen dos
berços.
Misterioso círculo da vida
Que esmaga em cada giro
uma alma, um ente,
Que rasga em cada volta
uma ferida,
Que deixa em cada sulco
uma semente.
1876
PERGAMINHOS
Não me esmagam mulher os
teus sorrisos;
Eu tenho mais orgulho do
que pensas
E rio-me também;
É debalde que tentas
humilhar-me,
Porque eu ouso pensar – vê
tu que insania! –
Que também sou alguém.
Alguém que veio ao mundo
sem família,
Um produto do acaso, um
pária, um mísero,
Um enjeitado enfim,
Um ser sem protecção das
leis canoniais,
Filho sem pai no assunto
do baptismo,
Mas um ser, inda assim.
Levantou-me da estrada do
infortúnio
Um homem que entendeu que
um filho espúrio
Tem jus à protecção,
Um homem que entendeu que
é vil e infame
Atirar para o Iodo dos
hospícios
Uma alma em embrião. / 37
/
É que eu vi as premissas
da vitória,
O aplauso espontâneo dos
estranhos
Incitar-me a seguir,
É que eu via diante de
meus passos
Rasgar-se ampla, infinita,
luminosa
A estrada do porvir.
Se alguma cousa sou a mim
o devo,
Ao meu trabalho honrado,
ao meu estudo,
Ao amor de meus pais,
À força de vontade, à
inteligência,
À sociedade pouco, às leis
bem menos...
E a ti não devo mais.
E és tu que vens falar-me
em pergaminhos?
E és tu que vens falar-me
nas riquezas
Que o destino te deu?
Eu não troco os meus
louros de poeta,
As conquistas do estudo e
o meu futuro
Por tudo quanto é teu.
Não me compares pois à
horda ignara
Que te adora os sorrisos
pelo ouro...
Eu tenho coração,
Tenho por pergaminhos o
trabalho,
Por tesouro a minha
inteligência
E a honra por brasão.
Nós, os homens que andamos
procurando
À luz do coração por este
mundo
Os caminhos do bem,
Como trazemos alto o
pensamento,
E a fronte erguida ao céu,
temos orgulhos,
Bem vês, como ninguém.
Alexandre da Conceição