Um partido em rutura com a sua única deputada vai a congresso este fim de semana. Em jogo, em última instância, está a sua representação parlamentar. As moções, a lista única e “uma diferença fundamental entre autonomia e desresponsabilização" - é esta a agenda.
Primeiro foi a notícia de que Joacine Katar Moreira não integrava a lista única de candidatos à direção do Livre, partido que elege, este sábado e domingo, os novos órgãos nacionais no seu IX Congresso.
Depois, a de que o congresso vai votar uma moção, subscrita por cinco dos seus membros ou apoiantes, que defende a renúncia da deputada eleita em outubro.
”Hei-nos chegados a um ponto em que as causas defendidas pelo LIVRE parecem não conseguir sobrepor-se ao ruído constante provocado pelos 'faits divers' mais estapafúrdios; em que o coletivo parece soçobrar numa desmedida exposição mediática do indivíduo; em que o partido se arrisca a ver a sua própria sobrevivência posta em causa”, justificam.
O texto, intitulado “Recuperar o Livre, resgatar a política”, sublinha que o partido começou a ser conhecido na opinião pública não pelas razões pretendidas, mas por “peripécias, atribulações e polémicas internas”, gerando uma situação “não apenas preocupante como confrangedora”.
Na moção pode ler-se ainda que as intervenções da deputada no hemiciclo evidenciam “falta de preparação, circunstância que encontra parte da explicação no facto do gabinete parlamentar assumir uma postura dissidente em relação aos órgãos do partido, com destaque para o Grupo de Contacto”.
Por estas razões, "no caso de a deputada não se dispuser a renunciar às suas funções, o Livre não tem outra alternativa a não ser retirar-lhe a confiança política", conclui o texto.
Esta quinta-feira, 16 de janeiro, a ruptura confirmou-se. Assembleia do partido Livre, órgão máximo entre congressos, decidiu retirar a confiança política na sua representação parlamentar, justificando que “não se vislumbra da parte da deputada, Joacine Katar Moreira, qualquer vontade em entender a gravidade da sua postura, nem intenção de a alterar”.
Assim, a “Assembleia do Livre delibera retirar a confiança política à deputada, pelo que deixa de reconhecer o exercício do seu mandato como sendo exercido em representação do Livre”.
Segundo a mesma resolução, a decisão é tomada “com profundo pesar” e “na plena consciência das consequências gravosas que daí advêm para a capacidade do Livre marcar a atual legislatura da Assembleia da República”. “No entanto, não podemos manter a confiança política em quem, por opção própria, reiteradamente prescindiu de nos representar”, pode ler-se no documento a que a Lusa teve acesso.
Segundo o Grupo de Contacto (GC), Joacine Katar Moreira, desrespeitou os pontos específicos da 40º resolução, na qual se apelava a um trabalho “de confiança” entre o GC e a deputada. A comunicação, dizem, foi cortada “unilateralmente”, nunca tendo sido justificado à Assembleia do partido motivos para tal.
O texto adianta que a deputada descurou, “reiteradamente, a comunicação e envolvimento dos órgãos do partido”, nomeadamente nas negociações com o Governo relativamente ao OE2020, recusando-se a revelar o sentido de voto do Livre até ao momento da votação, “contra o conselho do GC”.
Como exemplo recente, apontam a reunião realizada entre a deputada e o Governo sobre o OE2020 e da qual o Grupo de Contacto alega só ter tido conhecimento no dia seguinte apesar do interesse demonstrado na mesma.
Quando interrogada sobre o teor da reunião, a deputada recusou desenvolver as propostas discutidas, adianta a Assembleia.
O documento adianta que a deputada rejeitou repetidamente a realização de reuniões com o Grupo de Contacto, impunha limites temporais à sua presença e ignorou apoio técnico à elaboração de propostas legislativas. Quanto à questão da autonomia do seu mandato, a assembleia adianta que o Livre respeitou sempre a autonomia de Joacine, no entanto, escreve, existe “uma diferença fundamental entre autonomia e desresponsabilização, diferença essa que a deputada não tem respeitado” e relembram que a deputada “não exerce o seu mandato como independente”, é membro do partido e até da sua direção.
A assembleia refere que, tendo em conta a proximidade do congresso, a resolução surgirá como uma adenda à ordem de trabalhos e será submetida à consideração dos congressistas, já no próximo sábado.
O que acontece ao partido se a moção for aprovada?
Se se concretizar a rutura com Joacine Katar Moreira, além da representação parlamentar o Livre perderá recursos financeiros. O valor passa a ser usado pelo gabinete da deputada não-inscrita para pagar a assessoria e outras despesas.
Depois, como escreve o Público (conteúdo reservado a assinantes), apesar de manter o direito a intervir durante um minuto na discussão de iniciativas legislativas, Joacine Katar Moreira não poderá questionar o primeiro-ministro nos debates quinzenais.
Caso Joacine Katar Moreira decida renunciar ao mandato, o Livre pode substituí-la por Carlos Teixeira, o número dois da lista pelo círculo de Lisboa, pelo qual Katar Moreira foi eleita. O biológo, de 40 anos, integra o atual Grupo de Contacto e a Lista A que concorre à nova direção. É fundador do Livre e foi candidato às eleições europeias e às legislativas em 2015 e às autárquicas em 2017.
Mas há mais moções
No IX Congresso do Livre, os membros e apoiantes do partido vão poder votar 18 moções, entre elas, a oitava moção intitulada de "Pensar o partido", subscrita por Miguel Won, candidato à Assembleia do partido, tendo exercido os cargos de presidente do Conselho de Jurisdição, membro da Assembleia e membro do Grupo de Contacto.
Fazendo referência às especificidades do partido, como a escolha dos candidatos em primárias abertas e a “participação horizontal” nos processos de decisão, o autor do texto refere-se ao experimentalismo destas soluções.
"No entanto, dada a recente idade do LIVRE, é impossível negarmos que existe algum experimentalismo com a introdução deste tipo de soluções, e que mesmo sendo positivas, o bom senso diz-nos que, como em qualquer experiência, é necessário avaliar os seus resultados", adianta o texto.
O subscritor da moção realça a necessidade de reserva do partido, principalmente no que toca a "discussões internas" e questiona "se a transparência exigida estatutariamente pode ou não ser fator de mitigação do debate".
A moção sugere a criação, já no próximo mandato, de um "espaço transversal" aos três órgãos internos (Grupo de Contacto, Assembleia e Conselho de Jurisdição), com o objetivo de "avaliação das dinâmicas internas do LIVRE, resultantes dos atuais estatutos do partido".
Depois "deverá ser dada a oportunidade a um Congresso Estatutário, com vista à discussão e implementação das alterações propostas", adianta.
O texto destaca a estrutura organizativa do Livre, distinta da dos restantes partidos portugueses "e mesmo do cenário europeu", sendo "poucos os partidos que apresentam este tipo de qualidades".
Das 18 moções apresentadas para o próximo congresso do Livre, a última é assinada por Rui Tavares, fundador do partido, denominada "Novo Pacto Verde: um desafio do LIVRE para Portugal, a Europa e o planeta".
Nesta moção, o historiador relembra um dos principais pilares fundadores do partido, o "Green New Deal" (Novo Pacto Verde), um 'pacote' de medidas ecológicas que visam combater as alterações climáticas, entre elas a transição energética, a melhoria de infraestruturas e o fomento de uma 'economia verde'.
O IX Congresso do Livre realiza-se no Centro Cívico Edmundo Pedro, em Alvalade, Lisboa.
Os membros do Livre irão eleger os três órgãos constituintes do partido - o Grupo de Contacto (Direção), o Conselho de Jurisdição e a Assembleia, órgão máximo entre congressos.
Tanto para o Grupo de Contacto (órgão executivo) como para o Conselho de Jurisdição, foram apresentadas listas únicas. A lista 'A', candidata ao órgão executivo, é constituída por alguns membros da direção cessante bem como por novos membros, apresentando-se como um misto de "experiência e renovação".
A lista candidata propõe-se a melhorar a comunicação interna e externa do partido e pretende "assegurar uma participação política sólida na sociedade e o crescimento do LIVRE como o partido da esquerda verde progressista na construção de um futuro sustentável e justo", escrevem.
Para a Assembleia do partido, as candidaturas são de carácter individual, tendo sido recebidas 67, entre as quais a de Rui Tavares, membro fundador do partido, que não se candidata ao Grupo de Contacto.
Madremedia / Lusa