João Antonio Pagliosa |
A
chamada delação premiada é uma técnica de investigação e
consiste em benefícios ofertados pelo Estado àquele que confessar e
prestar informações sobre o esclarecimento de delitos. Esse
instituto traz grandes benefícios às investigações criminais,
trata-se de um meio
excepcional de obtenção de prova e efetiva-se por meio de um acordo
que é realizado entre o acusado e o Ministério Público.
O
infrator fornece informações cabíveis à autoridade competente, e,
em troca recebe uma vantagem. O
acusado no decorrer do interrogatório além de confessar a sua
autoria no crime revela o nome de outros comparsas. Há quem opine
que, dessa maneira, o delator abriria mão do princípio da
ampla-defesa, um direito constitucionalmente garantido, entretanto,
há também quem afirme exatamente o contrário: partindo da premissa
que ao cogitar a possibilidade da delação, o acusado já tem um
suficiente lastro probatório contra si, o uso desse método apenas o
beneficia. De qualquer maneira, cabe uma análise mais profunda sobre
a legalidade do tema e as suas consequências.
A
delação premiada ganhou notoriedade mundial ao ser usada pelo
magistrado italiano Giovanni Falcone para desmembrar a Cosa Nostra,
uma organização criminosa que vinha angustiando profundamente a
Itália. Aqui no Brasil, no entanto, a lei dos crimes Hediondos (Lei
nº. 8.072/1990) foi a primeira lei a usar a colaboração. Ela
previu a redução de um a dois terços da pena do participante ou
associado da quadrilha voltada a efetuar crimes hediondos que
denunciasse à autoridade o grupo criminoso, permitindo o seu
desmantelamento. Posteriormente, a delação premiada passou a atuar
também nas esferas de crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional
(Lei nº. 7.492/86), Contra a Ordem Tributária (Lei nº. 8.137/1990)
e crimes praticados por Organização Criminosa (Lei nº.
12.850/2013). Nesse prisma, a
colaboração destacou-se como instituto preferido pelo Estado para
combater a criminalidade organizada, com a criação de um direito
premial e a oferta de segurança para aqueles que confessassem seus
delitos e delatassem seus chefes na organização. A lei do
combate à lavagem de dinheiro (Lei nº. 9.613/1998) reforçou e deu
aplicação prática as delações premiadas. Esta lei previu prêmios
estimulantes ao colaborador (delator) com possibilidade de condenação
a regimes menos gravosos, como o aberto ou semiaberto.
Para
o público brasileiro de maneira geral, as delações premiadas
passaram a ser conhecidas a partir do início da Operação Lava-Jato
que iniciou em Curitiba há aproximadamente três anos. Desde então,
não tem sido raro nos depararmos com informações fortemente
amparadas pela mídia, a fim de dar ciência a respeito dos acordos
celebrados entre os acusados por essa grande operação.
Recentemente, no dia 28 de junho de 2017, o ministro do Supremo
Tribunal Federal Gilmar Mendes fez críticas ao acordo de colaboração
premiada firmado entre a Procuradoria Geral da República e os irmãos
Joesley e Wesley Batista, executivos da holding que inclui a JBS e
premiados com o não oferecimento de denúncia em face da
colaboração. Gilmar Mendes questionou nestes termos: “O
Ministério Público acaba de isentar os delatores de responderem a
processo. Que tipo de investigação usará para provar o contrário?
Repito, como se pretende avaliar se Joesley é líder da organização
criminosa? ” — A falta de controle custará caro para todo o
sistema jurídico — completou o ministro.
Tendo
todos esses conceitos e problemáticas em vista, é inevitável
questionar a moralidade do Estado, e o seu comportamento ao enfrentar
ilegalidades provenientes de certos acordos que decorrem de um
instituto sancionado por ele próprio.
Afastar
a delação premiada do sistema brasileiro é quase que impossível,
diante da grande carga que temos depositado sobre ela. Ademais, é
notável que tem auxiliado a justiça, porém, o que se questiona
aqui, são os acordos que geram uma série de crimes e ilegalidades.
Como é possível que algo proveniente da própria justiça e do
ordenamento nacional possa resultar em diretos desinteresses da
União?
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