Luis Dufaur
Mercenários russos em foto capturada pelo Estado Islâmico
“Exército fantasma” russo age hoje na Síria e no mundo. Agirá amanhã no Brasil?
Por exemplo, o major Sergei Tchupov oficialmente nunca fez parte dos efetivos militares russos enviados à Síria.
Veterano do Afeganistão e experimentado no esmagamento da Chechênia, ele era membro da 46ª Brigada do Ministério do Interior russo, pois encontrou a morte atacando Aleppo.
Seus amigos revelaram os fatos básicos nas redes sociais. Mas a lápide de sua tumba num cemitério de Moscou registra outras coisas.
Tchupov foi um “cão da guerra”, um das centenas de militares russos que agem como mercenários contratados por sociedades privadas, em estreita dependência do Kremlin, e no caso com o governo de Assad.
As baixas russas como a de Tchupov são difíceis de calcular, pois na Rússia de Putin ninguém pode saber o que lhes aconteceu, explicou o diário.
Mas há os que sobreviveram e podem contar algo, como Vitaly “Prizer”, treinado nas forças especiais da polícia política FSB (ex KGB), de onde saiu para uma “nova vida militar” no Iraque, no golfo de Aden e no Oceano Índico.
A mídia chegou a evocar com cautela o espinhoso tema: o Kremlin montou um “exército privado” que na Rússia é perfeitamente ilegal no papel, mas age sob as fatídicas bênçãos de Vladimir Putin para os serviços sujos mais úteis a seus desígnios.
O site Fontanka.ru relatou a existência de um grupo militar desses que, após participar na invasão e anexação da Crimeia em 2014, foi deslocado para a Síria em 2015.
Esses mercenários são treinados por oficiais do exército russo na base de Molkino, cedida ao GRU, serviço de inteligência do exército, na região de Krasnodar.
Um milhar desses “fantasmas da guerra” do “exército privado russo na Síria”, segundo o jornal “RBK Daily” participou nos combates no Oriente Médio.
Única foto conhecida do líder de ‘milicianos das sombras’ Wagner Nikolai Utkin
Uma fonte anônima do Ministério da Defesa falou de 27 mortos “privados”; mas, segundo um oficial dessas unidades, as baixas somariam mais de 100.
Unidades dessas estão registradas em paraísos fiscais — como a Corps Slave, “empresa de segurança russa” matriculada em Hong-Kong — e podem intervir até na África.
Dimitri Outkine, ex-oficial do GRU, chefia uma brigada fantasma de 400 homens que combateu no leste da Ucrânia antes de ser enviada à Síria, em 2015. Ela interveio na “libertação” de Palmira.
O Ministério da Defesa da Rússia nega tudo e põe a culpa em versões da imprensa, mas um homem próximo de Outkine afirmou que entre 1.000 e 1.600 se encontravam na Síria nesse momento.
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A TV britânica Sky News falou com alguns desses mercenários sob a condição de absoluto silencio a respeito de suas identidades.
Alexander e Dimitri (nomes fictícios) disseram que a maioria vai por dinheiro — por volta de 3.200 dólares mensais —, mas acaba morrendo.
Há os que lutam por ideologia anti-norte-americana. Esses têm mais chances de sobreviver, explicaram.
“O mais duro é que, quando te matam, ninguém saberá o que te aconteceu”, disse Dimitri.
Os dois denunciaram que são usados como “carne de canhão” em missões “suicidas”, para “amolecer” o inimigo antes de aparecer o exército sírio como vencedor. Foi o que teria acontecido na batalha de Palmira, onde 18 russos da companhia de Alexander perderam a vida.
Os dois acusaram o governo russo de aplicar uma política de enganação e mentira para fazer desaparecer os corpos dos falecidos.
“Ninguém saberá a verdade. Por vezes, os corpos são cremados e nos documentos de identidade oficiais fica registrado que ‘desapareceu em combate’. Por vezes afirmam que morreu no leste de Ucrânia. Em outras ocasiões, disfarçam o caso como ‘acidente de carro’ ou algo assim”, reconheceu Alexander.
“E os corpos? Por vezes são enterrados. Outras vezes, não. Abre-se uma fossa? Tudo depende dos sentimentos dos camaradas pelo morto”, explicou.
O deputado da Duma, Guennadi Nossovko, membro da Comissão de Defesa, apresentou três vezes um projeto de lei sobre o tema. As três vezes teve que retirá-lo. “Acredito que ‘lá encima’ não querem dar luz verde”, declarou.
Guennadi sabe o que acontece com deputado incômodo: uma noite aparece morto numa fria rua ou ponte de Moscou.
“Soldados fantasmas” afirmaram terem sido transportados em aviões do exército russo
Uma fonte do FSB (ex-KGB) defendeu o esquema, dizendo: “Para o governo, seria absurdo desmantelar grupos que provaram a sua eficácia”.
O drama e a falsidade se acentuam quando a morte dos mercenários fantasmas russos não pode ser mais ocultada a parentes e amigos, publicou o “La Nación”.
O ano de 2016 foi especialmente letal para essas unidades. Maxim Kolganov, 38 anos, morreu em Aleppo. Seu colega Sergei Morozov, também de 38 anos, igualmente morreu perto de Palmira.
No sul da Rússia, os familiares receberam as comendas da Ordem da Coragem. Os certificados estavam assinados pelo presidente Vladimir Putin.
Mas Kolganov e Morozov oficialmente não eram soldados da Rússia. Eles estavam na Síria como mercenários enviados secretamente pelo Kremlin.
As famílias foram mal informadas e receberam instrução para não falar da perda de seus entes queridos. Uma família recebeu 100 mil dólares para calar a boca.
A família de Kolganov nunca soube onde ele morreu. Mas as fotos que recebeu deram pistas e descobriu-se em seu passaporte um carimbo da Síria.
Ela só recebeu um telefonema noticiando o falecimento e uma nota sem explicações, pedindo para retirar o corpo em Rostov. Os agentes do governo não se identificaram; só disseram para não falar com a imprensa.
Os mercenários são ilegais, mas voam até a Síria em aviões militares oficiais e aterrissam em bases do Exército. Quando feridos são atendidos em hospitais reservados para os militares russos e ganham medalhas do Estado.
Os veteranos russos da invasão da Ucrânia foram enviados à Síria quando ficou evidente que o governo pró-moscovita de Assad não poderia resistir aos rebeldes apoiados pelos EUA.
Unidades dessas combateram em todos esses países. Não poderão ser enviadas a outros onde conflitos locais envolvem a sorte do socialismo, como na Venezuela?
E, não o permita Deus, se explodir algum conflito — por exemplo, na região amazônica —, o mesmo “exército fantasma” não poderá agir secretamente no Brasil?
Fonte: ABIM