domingo, 25 de novembro de 2018

Convém não esquecer | A garantia dos direitos e a solidariedade


Perante o interesse do artigo que se segue, independentemente da data da sua publicação, continua actualíssimo, como tal pensamos que os nossos leitores vão apreciá-lo de novo, quiçá, muitos nem sequer o leram ou dele têm memória.
(NR)

É um princípio aceite que, não existindo a real separação de poderes que ilumina o constitucionalismo, nem a garantia dos direitos de várias gerações que foram sendo consagrados, não existe de facto uma Constituição. 
Por tudo, a garantia dos direitos é uma função essencial, e por isso também reveste várias formas nos textos fundamentais. Naturalmente, num Estado de direito, a primeira garantia é confiada à lei, de constitucionalidade fiscalizada, por vezes, como entre nós, dispondo de um Tribunal especialmente responsável, que é o Tribunal Constitucional. 
Se tivermos em conta que por isso as leis necessitam de ser claras e inteligíveis, é necessário compreender que a dimensão, força, e complexidade da legislação, de todas as espécies, que aflige o entendimento dos cidadãos e a capacidade técnica dos agentes responsáveis, não fortalece a confiança dos cidadãos nos aparelhos de governo. 
A garantia dos direitos pelos juízes, que é outro aspecto daquela vigência efectiva que as determinações constitucionais esperam, não parece muito reconhecida na convicção dos cidadãos, sobretudo dos que esperam tempos incontáveis por decisões que demoram e desesperam.
Qualquer especialista, e muitos o têm feito, pode, longamente, e com memória, tentar ajudar a opinião pública a compreender a situação da justiça, uma tarefa cívica de esclarecimento do eleitorado em tempo de eleições, mas nenhum poderá facilmente organizar uma doutrina de pacificação para o embaraço em que vive a sociedade respeitadora dos poderes e das instituições. 
A falha da confiança na justiça reduz necessariamente as visíveis dificuldades de funcionamento do sistema, mas tal justiça feita à Justiça não melhora a condição da sociedade civil mal servida. Porque a questão agrava-se, e ultrapassa, como aconteceu frequentemente na história dos países, a questão de a situação real não ser a pressuposta pelas leis, designadamente pela falta de recursos da sociedade e do Estado, sem ou com imputação de culpas a responsáveis pela gestão política, pela vigência do credo de mercado sem regras, pelas dependências criadas por uma globalização sem governança. 
Nesse caso, que na ordem internacional criou o direito-dever de intervenção, nem sempre usado com prudência, é obrigatório para os responsáveis estaduais enfrentar o imprevisto pelos seus programas aprovados, assumindo porém que tais factos necessariamente não suspendem o dever político e prudência de enfrentar com equilíbrio os desafios. 
É dificilmente aceitável que, como acontece na gravíssima crise económica e financeira que agora apenas tem início, os sinais, já muito sérios, da crise social crescente, designadamente o desemprego desesperante daqueles para quem o trabalho é também um direito, da degradação crescente do Estado social cujo efeito não é remediável com reformas constitucionais, sejam lidos com tranquilidade a respeito da paz social, ainda quando o mito do pacifismo do povo português é invocado como segurança da paz civil. 
A fronteira da pobreza que ultrapassou o Mediterrâneo, o crescente número de idosos dependentes, de pessoas carentes, de abandonados, e, muito relevantemente, de jovens sem futuro visível, fazem da solidariedade uma das ideias-força do direito contemporâneo, e, antes disso, um elemento do tecido social que socorre a debilidade mas não a deficiente visão do Estado. 
Antes do acolhimento pelas leis, tal solidariedade é um componente essencial do património imaterial de um povo com história, e com valores não atingidos pelo relativismo dissolvente dos ocidentais. 
Esta reserva está a ser chamada a um exercício extraordinário, não apenas por dever cívico, não apenas pela obediência a valores de crenças, também pela Declaração Universal dos Deveres Humanos, proposta pelo Inter-Action Council, em 1 de Setembro de 1997 à ONU, um trabalho assente "na sabedoria de líderes religiosos e de saberes acumulados ao longo dos tempos".
Autor: Dr. Adriano Moreira
Fonte: DN, 31-05-11

PONTO DE VISTA | Nem Jesus na causa: reflexão sobre a exaltação bíblica no segundo debate presidencial

Novamente sem Lula (PT), oito candidatos a presidente participam do debate na Rede TV!. Foto: Nelson Almeida /AFP
Carlos Marciano
Doutorando pelo PPGJOR/UFSC e pesquisasdor do objETHOS

Em época de eleições os debates televisivos atuam como ferramenta fundamental da democracia, proporcionando debate de ideias entre os concorrentes sobre as mais diversas áreas e questões sociais que assolam o país. Bom, pelo menos deveria ser um debate de ideias, mas, o que podemos perceber após analisar o segundo debate entre candidatos à presidência da República, é que elas ainda precisam amadurecer, ou, no mínimo, transparecer com mais clareza aos eleitores que acompanham as discussões pela TV.
Assim como no encontro anterior realizado no dia 9 de agosto pela Rede Bandeirantes de televisão (Band), o segundo debate, promovido agora pela Rede TV!, no dia 17 de agosto de 2018, contou com a presença de oito dos 13 candidatos: Alvaro Dias (Podemos), Cabo Daciolo (Patriotas), Ciro Gomes (PDT), Henrique Meirelles (MDB), Jair Bolsonaro (PSL), Geraldo Alckmin (PSDB), Guilherme Boulos (PSOL) e Marina Silva (Rede). Estiveram de fora os candidatos João Amoêdo (NOVO), João Goulart Filho (PPL), José Maria Eymael (DC) e Vera Lúcia (PSTU), devido ao fato de seus partidos e coligações não possuírem pelo menos cinco parlamentares (deputados federais e senadores) no Congresso Nacional, requisito estabelecido nas regras eleitorais atuais.
Mesmo preso em Curitiba após condenação em um processo conturbado, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aparece como líder nas pesquisas de intenção de voto, mas foi novamente impedido pelo Tribunal Superior Eleitoral de participar do debate. Um nono púlpito estava reservado para ele, mas foi retirado por decisão da maioria dos candidatos. Apenas Guilherme Boulos (PSOL) foi a favor de deixar o espaço vazio no palco.
Destacando-se pela transmissão multiplataforma, além do canal aberto de televisão, o debate também podia ser acompanhado simultaneamente pelo portal da emissora (www.redetv.com.br), pelo UOL, na página principal do Facebook Brasil e também na página da emissora na rede social, em seu perfil no Twitter e em seu canal no YouTube. Tal particularidade fez com que, ainda no primeiro bloco, a hashtag #DebateRedeTV ficasse em primeiro lugar no trending topics do Twitter mundial.
Falta de poder de síntese, sobra de propostas genéricas e cristianismo
Em um contexto geral de oportunidade para apresentação de propostas, muito se falou, mas pouco se disse. Diante de um debate com mediadores rigorosos com o tempo, destacando-se pelo corte de microfone nas vezes em que o cronômetro estourava, pode-se perceber a inabilidade de alguns candidatos em sintetizar suas falas e responder as perguntas. Tal fato foi percebido já no começo com a questão “Por que o senhor(a) quer ser presidente da República e o que é preciso mudar no combate à corrupção?”. Houve postulantes que, ao invés de responderem, ocuparam os 45 segundos para se apresentarem, outros responderam de forma genérica com a promessa de aprofundarem no decorrer da discussão. Para esse tema, porém, não existiu um depois, ainda que os próprios candidatos tivessem a oportunidade de criar as perguntas nos blocos seguintes.
Se faltou síntese, no tempo que tiveram sobrou ataques, desvios sorrateiros de argumentos, distorção de termos e exaltação cristã. Nesse último ponto, ironicamente, trata-se de concorrentes a presidência de um estado laico.
É óbvio que carregamos em nossas afirmações a carga cultural e ideológica a que fomos inseridos desde a infância, mas é preciso ressaltar que quando se trata de política as ações irão atingir dentro e fora de nosso círculo, ou pelo menos espera-se que seja assim em uma democracia. Nesse sentido o primeiro passo para a formulação de propostas é entender os anseios da sociedade, analisar o sentido literal das inquietações e lutas da população, sem distorcer os termos para favorecer os próprios posicionamentos.
No diálogo entre Cabo Daciolo (Patriotas) e Jair Bolsonaro (PSL), os dois debateram sobre o “Kit Gay”, além da “liberação” do aborto. Colocando-se como defensores da família tradicional brasileira e tementes a Deus, se posicionaram contrários a essas medidas, o que desperta o questionamento se eles desconhecem ou ignoraram propositalmente os termos originais dessas discussões para reforçarem seus argumentos.
No que se refere ao primeiro tópico, o “Caderno Escola sem Homofobia” não era destinado ao ensino de crianças a partir de seis anos como afirmou o candidato do PSL, mas sim a professores, gestores e profissionais, visando dar a eles subsídios para um possível debate, especialmente com estudantes do ensino médio, sobre orientação sexual, diversidade e identidade de gênero.
Já no que tange ao aborto, o que está no foco da discussão não é a liberação, mas sim a descriminalização. De acordo com Amorim (2018), estima-se que o aborto é a quarta causa de morte materna no Brasil, principalmente pelo fato da lei proibir a prática, salvo as exceções de estupro, risco de vida para a mãe ou caso de anencefalia (o bebê não possui cérebro). A busca pela descriminalização não visa estimular o aborto como subtende-se no debate político, mas sim evitar que mulheres recorram a métodos inseguros e clínicas clandestinas para fazer o procedimento, diminuindo assim o risco de morte da genitora.
Se no primeiro debate a pérola de Cabo Daciolo (Patriota) sobre a “Ursal” (União das Repúblicas Socialistas da América Latina) ganhou destaque, no segundo foi a troca de farpas entre Marina Silva (Rede) e Jair Bolsonaro (PSL) que ganhou as redes. Questionada sobre a posse de armas de fogo, a candidata se afirmou contrária e retrucou o posicionamento anterior de Bolsonaro (PSL), quando ele disse que não havia necessidade do presidente se preocupar com os direitos das mulheres no trabalho, pois estes estão garantidos pela CLT.
Esquivando-se do assunto, o candidato questionou a moralidade de Marina (Rede) lutar por direitos das mulheres, visto que ela, sendo evangélica, defende um plebiscito para a legalização da maconha e aborto, enquanto ele, temente a Deus, é a favor da castração química para estupradores e de permitir o porte de arma para a mulher “de bem e preparada” que assim desejar. Na tréplica, que ganhou repercussão na mídia, Marina Silva (Rede) questionou em tom de preocupação o fato do candidato, se eleito, querer resolver tudo “no grito e na violência” enquanto ela irá zelar para que as mães vejam seu filho “sendo educado para ser um cidadão de bem”.
Reforçando sua inspiração religiosa e sem muito tempo para rebater, Bolsonaro (PSL) disse para Marina (Rede) ler o livro de Paulo, o que gerou ainda mais debate nas redes sociais, por este livro apresentar uma das passagens mais machistas. De acordo com a bíblia, na I Carta de São Paulo aos Coríntios, capítulo 14, os versículos 34 e 35 reforçam a submissão das mulheres a seus maridos:
“As vossas mulheres estejam caladas nas igrejas; porque não lhes é permitido falar; mas estejam sujeitas, como também ordena a lei. E, se querem aprender alguma coisa, interroguem em casa a seus próprios maridos; porque é vergonhoso que as mulheres falem na igreja.” (1 Coríntios 14:34,35)
Posteriormente, em entrevista ao jornal O Globo, o candidato disse que não se lembrava com certeza, mas estava se referindo a passagem bíblica de Paulo onde Jesus diz para os discípulos empunharem espada. A passagem referida está, no entanto, no livro de Lucas, capítulo 22, versículo 36 onde está escrito “Disse-lhes pois: Mas agora, aquele que tiver bolsa, tome-a, como também o alforje; e, o que não tem espada, venda a sua capa e compre-a”(Lucas 22:36), reforçando assim o argumento do candidato de que a bíblia defende o armamento.
Ironicamente, alguns versículos abaixo, o próprio Jesus repreende um discípulo que usou a força: “E, vendo os que estavam com ele o que ia suceder, disseram-lhe: Senhor, feriremos à espada? E um deles feriu o servo do sumo sacerdote, e cortou-lhe a orelha direita. E, respondendo Jesus, disse: Deixai-os; basta. E, tocando-lhe a orelha, o curou.” (Lucas 22:49-51).
Intrigas pessoais, indignação por Lula (PT) não ter sua candidatura barrada, ausência de propostas claras, exaltação cristã “sem caráter de pregação do evangelho”. De todos esses pontos ressaltados no debate, o último é preocupante. Um candidato ter uma religião não é problema, mas diante de um cenário político confuso, com várias medidas retrógradas e conservadoras sendo implementadas e discutidas, descontextualizar a Bíblia e utilizá-la literalmente para justificar propostas políticas é colocar em xeque o estado laico e a democracia.
É certo que ainda haverá novas oportunidades para os candidatos apresentarem de fato suas propostas em rede aberta, seja no horário eleitoral, seja no debate televisivo, mas é preciso que os mesmos ressaltem nesse momento o desejo por um governo feito para o povo, por meio da igualdade de direitos e da implementação da justiça no que compete aos três poderes, independentemente dos dogmas pessoais de seus governantes.
Lutar pelo amor ao próximo exaltando medidas de ódio é incoerente, tanto do ponto de vista prático quanto religioso. E já que o espírito político é remeter à Bíblia, fica a analogia ao livro de Mateus, capítulo 23, versículos 27 e 28; na esperança de que nossos governantes não se tornem “doutores da Lei e fariseus hipócritas!(..) sepulcros caiados: por fora parecem bonitos, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e podridão!” e que após o pleito nossa democracia, conquistada a duras penas, não se torne por fora, justa diante dos outros, mas por dentro cheia de hipocrisia e injustiça.
Fonte: objethos

PONTO DE VISTA | A imprensa é corresponsável pelo “Não Voto”

Debates com regras rígidas são uma aposta das emissoras neste período de campanhas eleitorais. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Carlos Castilho
Pós-doutor em jornalismo e pesquisador do objETHOS

“Mais do mesmo” parece ser o mantra predominante em todas as redações de telejornais brasileiros na cobertura da campanha eleitoral para a votação do dia 7 de outubro.  A postura burocrática da imprensa torna-se ainda mais notória quando se constata que ela influencia e é influenciada pelo alto índice de desencanto político evidenciado por um número inédito de eleitores brasileiros.
A soma da burocratização com o desencanto reforça a desconfortável sensação de que o pleito não vai mudar nada na vida do país, justamente num momento em que os indicadores econômicos e sociais mostram uma inadiável necessidade de mudanças. Em vez de assumir o papel de alerta, a televisão refugia-se em  velhas soluções jornalísticas, algumas delas já totalmente defasadas, enquanto alternativas envolvendo a interatividade entre candidatos e o público foram desprezadas olimpicamente.
É o caso do debate com candidatos à sucessão presidencial, promovido pela TV Bandeirantes.  A fórmula envelheceu e perdeu totalmente os seus atrativos na medida em que foram criadas tantas regras para o programa que a performance dos participantes tornou-se o único item analisável com um mínimo de consistência jornalística. Limitar a 45 segundos o tempo de réplica ou tréplica equivale a tornar inviável qualquer tentativa de fugir do óbvio e superficial.
A aposta em regras rígidas foi uma tentativa das emissoras para elevar o nível dos debates após demonstrações de truculência, incivilidade e despreparo político em campanhas eleitorais anteriores.  Corrigiu-se um problema e criou-se outro. Caso as emissoras mantenham esta mesma postura nos próximos debates, o máximo que os produtores de programas poderão obter é um festival de bocejos dos telespectadores.
TV Globo voltou a insistir na fórmula de entrevistas individuais com os candidatos usando a estratégia de tentar encurralá-los, o que em tese seria uma forma de mostrar aos telespectadores as contradições do discurso eleitoral de cada postulante à sucessão presidencial.  O objetivo funcionou apenas parcialmente nas entrevistas realizadas no Jornal Nacional e na Globo News (canal pago), porque as discussões entre os protagonistas enveredaram para questões abstratas e complexas às quais a grande maioria dos telespectadores não tinha conhecimento.
A principal novidade da Globo em matéria eleitoral foi a série “Brasil Que Eu Quero”, que formalmente não é um programa jornalístico embora tenha sido transmitido dentro dos telejornais da emissora.  A série tem todas as características de um projeto de marketing político visando gerar um tipo de discurso público independente da retórica usada pelos partidos e pelos candidatos. Prova disto é o fato da emissora ter eliminado depoimentos que não seguiam a linha do projeto.
 O desafio do Não Voto
Embora a TV Globo não tenha admitido, tudo indica que o  “Brasil Que Eu Quero” procura reduzir a tendência ao “Não Voto”,  o posicionamento político assumido por aqueles cidadãos dispostos a anular seu voto, votar em branco ou não comparecer às urnas no dia 7 de outubro.
O papel do jornalismo numa campanha eleitoral é tradicionalmente bastante delicado porque um pleito se caracteriza, quase sempre, pela polarização política, o que submete o exercício da profissão a uma série de pressões e armadilhas. Candidatos, partidos e lobbiespolíticos tendem a torcer os dados e fatos em função dos seus interesses, obrigando repórteres e editores a preocupações adicionais com a veracidade de afirmações e promessas.  Isto sem falar que os donos de empresas jornalísticas também têm seus interesses políticos e nem sempre respeitam os princípios jornalísticos da isenção e objetividade.
A presente campanha eleitoral no Brasil está assumindo características peculiares determinadas pelo desgaste dos partidos, ausência de renovação entre os políticos e mesmice em matéria de projetos para o futuro do país. Todos estes fatores reforçam o desencanto dos eleitores com a disputa eleitoral e, em teoria, criam um ambiente favorável para que o jornalismo cumpra a sua principal função: a de servir de intermediário entre os cidadãos e seus governantes.
Se a nossa imprensa estivesse realmente preocupada em exercer a função mediadora, ela teria recuperado  uma iniciativa surgida nos Estados Unidos, nos anos 70, e que se tornou mundialmente conhecida pelo nome de “jornalismo cívico”. Em termos bem simples foi um esforço desenvolvido, entre os anos de 1994 e 2001, por um grupo de jornais regionais norte-americanos para buscar um envolvimento direto com seus leitores por meio da promoção de campanhas públicas.
A meta principal era ouvir as reivindicações dos eleitores, principalmente os de baixa renda, e organizar debates entre eles e os principais candidatos a postos eletivos. Dezenas de jornais criaram eventos onde as pessoas podiam questionar diretamente os candidatos, a partir de uma agenda local produzida pelos jornalistas. O conceituado centro de pesquisas Pew chegou a criar um Centro Pew para Jornalismo Cívico, mas a organização acabou sucumbindo à pressão dos grandes jornais, que acusaram o projeto de parcialidade politica.
Hoje,  quando a internet deu às pessoas o poder de produzir e distribuir notícias, o jornalismo passou a viver uma nova conjuntura, especialmente em períodos pré-eleitorais. Ele já não é mais o único provedor de dados, fatos, eventos e ideias para o eleitor,  o que altera o papel que tradicionalmente a profissão vinha ocupando no contexto politico e propõe novos desafios em matéria de cobertura de campanhas.
Mas a elite jornalística do país ainda não percebeu que a situação exige soluções inovadoras que não se limitem à produção de novos gadgets e aplicativos tecnológicos. O principal desafio é como as empresas jornalísticas e os jornalistas irão se relacionar com o eleitor.  As velhas estratégias editoriais priorizam a relação entre as redações e os políticos, relegando o público à uma posição secundária, embora a grande decisão seja dele.
Os eleitores são hoje proativos e quando percebem que os modelos tradicionais de cobertura de campanhas não correspondem às suas expectativas, tendem a atitudes do tipo “Não voto”, que já alcança aproximadamente 32% do eleitorado (numa estimativa conservadora) , ou seja, a não desprezível massa de quase 48 milhões de cidadãos que não se identificam com nenhum dos 13 candidatos inscritos no primeiro turno das eleições de outubro próximo.
Fonte: objethos

COMENTÁRIO DA SEMANA | O Brasil da miséria, do ódio e da violência: o que a mídia tem a ver com isso?

Em sua 33ª edição, o Criança Esperança revela um pseudo-altruísmo da emissora. Foto: Divulgação/TV Globo
Jeana Laura da Cunha Santos
Pós-doutoranda no POSJOR/UFSC e pesquisadora no objETHOS

Feminicídio, latrocínio, analfabetismo, miséria, subemprego, informalidade, degradação do mercado de trabalho, doenças antes erradicadas e que voltam a assombrar. Prisões e morte de líderes políticos, silenciamento em universidades públicas, espancamento de estrangeiros em fronteiras outrora amigáveis… Manchetes alarmantes sobre um Brasil que retrocede a olhos vistos após o estopim de um golpe jurídico-parlamentar-midiático, cuja consolidação no país nos lembra a cada manhã o quanto a democracia se fragiliza e o Estado de Direito se torna uma tênue quimera.
Os números são contundentes: segundo o anuário estatístico do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil registrou novo recorde com 63.880 mortes violentas intencionais em 2017, uma média de 30,08 mortes por 100 mil habitantes, um morticínio superior ao de países em conflitos armados; a mortalidade materna voltou a crescer no Brasil, registrando, em 2016, 64,4 óbitos de mulheres para cada 100 mil nascidos vivos; os subocupados e desempregados no país somam 26 milhões de pessoas, um quarto da força de trabalho de 104 milhões; 84% dos trabalhadores estão com problemas financeiros e 32% dos brasileiros que pedem empréstimo pessoal o fazem para pagar dívidas.
Tal situação deplorável avançou aceleradamente nos últimos anos desde que um governo ilegítimo vem implantando sua política nefasta e neoliberal de cortes em áreas estratégicas e vitais, levando o país a uma situação econômico-social das mais graves de que se tem notícia nos últimos tempos.
O problema é que a denominada grande mídia anuncia tais manchetes como se nada tivesse a ver com isso.
O “Criança Esperança” da Globo e o fim da esperança
Atrelada até a medula às oligarquias financeiras da qual faz parte, a mídia hegemônica, patrocinadora do golpe, até hoje não fez mea-culpa sobre o papel preponderante que teve no cenário aterrador em que o Brasil se encontra. Nunca estabeleceu uma relação direta entre o golpe disfarçado de impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, e que acabou levando à prisão de Lula, e o fim melancólico das políticas sociais que ela procurou implementar com o objetivo de diminuir as desigualdades sociais e assim evitar o que a sucessão de dados estatísticos aterradores mais acima evidencia. No cenário de hoje, os grupos empresariais jornalísticos apenas matraqueiam notícias sobre um País em crise, mas sem jamais reconhecerem seu protagonismo deletério neste processo. Quando muito, procuram trazer matérias inócuas sobre indivíduos empreendedores que driblam a crise ou campanhas “altruístas” para se sair da miséria.
Um exemplo simples deste cinismo é a campanha da Rede Globo “Criança Esperança”, em parceria com a UNICEF e UNESCO, no ar agora em sua 33ª edição. Enquanto a emissora lança mão de seu casting de atores famosos para passar o chapéu, milhares de crianças voltam ao estado de miséria e abismo perpetrado por esta mesma mídia que sempre combateu e conspirou contra projetos de esquerda que, doce ironia, esses sim poderiam minimizar as desigualdades sociais e, portanto, melhorar as condições de vida de muitas crianças. Um paliativo com ares de pseudo-altruísmo. A Globo finge se importar, mas não é capaz de minimamente mencionar políticas públicas transformadoras ou ações coletivas efetivamente contundentes. Suas pautas cotidianas não tratam sobre concentração de renda e a necessidade de pagamento de mais impostos por parte da elite econômica. E pior: conspira deliberadamente contra qualquer presidenciável que ostente tal agenda em sua plataforma política, ajudando a fundar ou perpetuar o que o filósofo francês Alain Badiou definiu, em entrevista à Carta Capital de 22 de agosto, como “uma ditadura política dos grandes grupos financeiros e industriais nacionais, e também midiáticos”. Falava ele da França, mas poderia perfeitamente estar falando do Brasil.
Contra a mídia hegemônica, a mídia plural
Contra tal ditadura midiática de que fala Alain Badiou só há uma difícil, porém essencial, saída: a democratização dos meios de comunicação no Brasil. Uma solução óbvia, mas que não foi enfrentada por quem se tornaria vítima da falta de isenção e pluralismo com que futuramente seria tratado.
Se nem o ex-presidente Lula nem a ex-presidenta Dilma enfrentaram a questão no passado, pagando um alto preço pela conduta, hoje essa é uma questão imperativa na pauta do atual candidato petista Fernando Haddad, que pretende investir fortemente na garantia da universalização da banda larga, desconcentrar os investimentos publicitários estatais, além de distribuir concessões também para universidades, sindicatos e organizações da sociedade civil. Um marco regulatório essencial e estratégico para restabelecer a democracia no Brasil e para que as notícias ruins apontadas no começo deste comentário sejam veiculadas pelo que contêm de exceção e não pelo que possuem de regra.
Fonte: objethos

COMENTÁRIO DA SEMANA | Uma rota alternativa para o jornalismo político

uliana Freire Bezerra
Jornalista, doutoranda no Posjor/UFSC e pesquisadora do objETHOS

Para o que a grande imprensa em geral não vê no universo político, parece que o jornalismo independente lança luz. Foi assim em duas coberturas específicas do The Intercept Brasil. Na primeira, por meio de apuração jornalística e publicação exclusiva, foi descoberto que, após oito anos sem comparecer na Câmara dos Vereadores do RJ, Fernando Girão – ex-vereador indicado por CPI em que Marielle Franco trabalhou – havia estado no local sete dias antes do assassinato da vereadora do PSOL. Na segunda, ocorrida há duas semanas, foi o lançamento da candidatura de Aécio Neves a deputado federal que recebeu destaque. Enquanto o The Intercept Brasil foi ao local do evento, no interior de Minas Gerais, e produziu uma reportagem crítica a partir dos próprios fatos ocorridos na ocasião, a maioria da mídia convencional ou não cobriu o acontecimento, ou limitou sua apuração ao jornalismo declaratório.
Isso retoma a discussão sobre o papel social da profissão, no que toca o processo de apuração, escolha de acontecimentos e enquadramentos noticiosos, sobretudo em períodos de maior acirramento político e de combate a fake news, como nas eleições deste ano. Discutindo a importância do jornalismo para a cidadania, Koshiyama (2018) afirma que o jornalismo não deve limitar-se a escutar e reproduzir os discursos oficiais- a isso costumamos chamar de relações públicas. A práxis jornalística, pelo contrário, envolve a busca por problematizar estes discursos, investigá-los e checá-los. Por conta disto, é pertinente também diferenciá-la da comunicação. Para Koshiyama (2018), ainda que seja cada vez mais vinculado a empresas de telecomunicações e sofra com limitações do tempo de produção, bem como das condições de trabalho, o jornalismo não pode remover seus princípios constitutivos, que são as buscas pela verdade e pelo interesse público. Caso contrário, se autodestrói, perde sua legitimidade e importância sociais. Há aí latente, portanto, um comprometimento social intrínseco do jornalismo com o desvelamento da realidade, numa busca de se aproximar da verdade, e com a democracia. (VIZEU, 2014).
Gomes (2009) também caminha por este viés, quando observa as duas dimensões do jornalismo: a discursiva e a epistemológica. De acordo com ele, ao jornalismo cabe não só se preocupar com as condições de veracidade do que narra, enquanto estratégia discursiva, que autentica os fatos ou os descreve de maneira verossímil. É necessário garantir por meio de um processo investigativo que o que se diz é verdadeiro. Previsto em suas normas deontológicas, essa busca pela verdade provém da dimensão epistemológica que envolve o jornalismo, enquanto prática discursiva que pretende gerar uma explicação sobre o mundo, ou, em outras palavras, um conhecimento sobre este (GENRO FILHO, 1987)
Como que contribuindo para este debate reflexivo sobre a pratica jornalística, os projetos de fact-checking, iniciados no Brasil também pelo jornalismo independente, têm resgatado esta dupla dimensão da profissão, epistemológica e discursiva, a que Gomes (2009) se referiu. A tarefa principal de projetos com esse perfil, como o Truco, vinculado à Agencia Pública, e o Aos Fatos, é apurar o que é verdadeiro e falso nas narrativas circulantes em sociedade. Este exercício cobra dos jornalistas um maior rigor no seu método e uma maior reflexão sobre a sua prática. Também demonstra o compromisso do jornalismo independente com a defesa da democracia, haja vista que o acesso à informação verdadeira é condição primordial para que os cidadãos possam decidir e atuar na política de forma consciente.
Outra boa ideia que contribui para o modo como o jornalismo atua veio também da Agência Pública, que organizou no mês de abril uma entrevista com seus pares para discutir como problematizar o discurso do candidato à presidência Jair Bolsonaro. Este exercício de se organizar antecipadamente às eleições para encontrar maneiras de desvelar falácias e contradições discursivas do político parece muito oportuna para repensarmos o nosso papel e nossas práticas, sobretudo na cobertura política. Importante ressaltar que muito da entrevista do Jornal Nacional com Bolsonaro na semana passada abordou as contradições discursivas que a Agencia Pública já havia alertado, a exemplo do entrevistado se perfilar como um político que combate a violência, mesmo promovendo narrativas agressivas.
Parece, desta forma, que o jornalismo independente tem buscado maneiras e espaços para refletir mais sobre sua prática profissional do que o jornalismo convencional. Como que consciente de que o jornalismo é um dos palcos principais onde as disputas políticas ocorrem, aquele tem problematizado mais, checado mais, apurado mais.  Além disso, tem lançado sua luz sobre acontecimentos comumente não noticiados pela imprensa convencional e proporcionado uma competição mais plural das narrativas circulantes na sociedade. Configura-se então como uma tendência a ser seguida inclusive pela grande imprensa, por servir como exemplo de bom jornalismo, neste momento de crise na profissão e na política nacional em que vivemos.
Referências:
GENRO FILHO, Adelmo. O segredo da pirâmide – para uma teoria marxista do jornalismo. Porto Alegre, Tchê, 1987.
GOMES, Wilson. Jornalismo, fatos e interesse: ensaios de teoria de jornalismo. Florianópolis: Insular, 2009.
KOSHIYAMA, Alice Mitika. Jornalismo e direitos humanos: teoria e práticas possíveis. Disponível em:<http://www.intercom.org.br/sis/eventos/2018/resumos/R13-1599-1.pdf>. Acessado em 01 de setembro de 2018.
VIZEU, Alfredo. Jornalismo e Paulo Freire: o conhecimento do desvelamento. Revista Famecos, Porto Alegre, v. 21, n. 3, p. 860-877, setembro-dezembro 2014.
Fonte:objethos

Localidade de Ervidel | VIN&cultura de 24 a 25 de Novembro






Situada em terreno fértil, junto à margem esquerda de um pequeno afluente do rio Sado, Ervidel é circundada por outeiros e os seus campos, na Primavera, polvilham-se de louro e verde. Ouve-se, na leve aragem, o murmúrio das espigas e rebrilha, ao longe, a fita negra da estrada e o azul da barragem do Roxo. Dista da sua sede de concelho cerca de 14 km e apresenta um núcleo populacional que engloba cerca de 1000 habitantes.

O seu povoamento é antigo, e ascende ao período da romanização. Atesta-o a antiga vila rústica de Ervidel, inserida no famoso aro de Beja, denominado Pax Julia, que vivia não só desta como de tantas outras vilas, situadas em todo o concelho, conseguindo assim suportar os avultadíssimos custos das suas estradas e rotas imperiais. A assombrosa profusão das suas moedas que o solo constantemente devolve, os seus magníficos templos ornados de colunas e belas estátuas, as suas piscinas forradas com os mais ricos mosaicos, demonstram bem a magnificência dos ocupantes destas vilas rústicas.

Segundo um documento datado de 1758, a freguesia de Ervidel tinha cento e quarenta vizinhos e as "pessoas maiores", que nela existiam, eram quatrocentos e cinquenta. Compunha-se "de homens lavradores, oficiais e homens trabalhadores", vivendo da produção de trigo e da criação de gado. Com a reforma de 1854, Ervidel passou a integrar o seu actual concelho. Afirmando-se, no entanto, nessa época, que ainda não possuía a mais pequena parcela de propiedade e que, apenas mais tarde, teriam começado a aparecer os primeiros olivais e vinhedos, quando verificado o arroteamento de terras incultas e o aforamento de courelas. Como lugares mais férteis da freguesia foram registados os seguintes: Cariola, Cariolinha, Carrapateira, Chaiça, Corte Margarida, Moinhos do Pinheiro, Monte do Pegas, São Lourenço da Serra, Val Cavo, Hortas de Cima e Cercas do Brejo. E segundo Gerardo Pery, ocupavam as várias terras de culturas as seguintes áreas: trigo, 654 hectares; cevada, 414; aveia, 206; centeio, 36; fava, 22; grão de bico, 28; tremoço, 12; milho, 11; batata, 6; olivais, 259 e montado de azinho 1090. A exploração agrícola fora de tal modo importante para a freguesia que foi criado um museu, onde se encontra exposta uma interessante colecção de alfaias agrícolas, enquadrada nos mais profundos valores etnográficos do Alentejo, tão bem representados nos típicos cantares dos lavradores da freguesia.

Território


A freguesia ocupa uma área de 39 km2 que corresponde a 8,5 % do território concelhio (458,4 km2) e é constituída por um único núcleo populacional e por alguns montes dispersos, (habitações rústicas agrícolas).

Atividades económicas
Agricultura (vinha, olival, cereais), pecuária, serralharia e carpintaria.

Património Edificado
Edifício da sede da Junta de Freguesia. Ermida de S. Pedro (séc. XVIII). Igreja matriz (séc. XVI-XVIII). Moinhos de vento, chaminés.

Locais de Interesse
Adegas. Núcleo Rural de Ervidel/Museu de Aljustrel. Lagar de azeite. Edifício da Escola Agrícola Coronel Mourão. Barragem do Roxo, zona de caça. 

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