Manuel Sobrinho Simões é o entrevistado de hoje do 'Vozes ao Minuto'.
Foi eleito o patologista mais influente do mundo pela revista britânica ‘The Pathologist’ e há quase cinco décadas que se dedica a estudar uma das doenças mais mortais do século XXI: o cancro. A experiência consolidada neste domínio confere-lhe legitimidade para retratar a patologia, designadamente os cancros da tiróide e do estômago. Mas estes quase 50 anos não lhe tiraram o medo do cancro. Sem pudores, Manuel Sobrinho Simões confessa ao Notícias ao Minuto que o cancro o assusta. “Tenho muito medo de ter cancro”, admite.
Chegado à reforma decidiu que ainda não estava na altura de parar. Ainda não era tempo de ‘desligar’ o microscópio. Continua, por isso, a exercer as suas funções no IPATIMUP, no Hospital de São João e na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, aqui enquanto professor emérito - posição aprovada recentemente pelo senado da instituição de ensino superior.
Define-se como um médico que não gosta de ver pacientes; prefere ver o cancro a 'nu' pela lente do microscópico no laboratório e analisar as suas múltiplas facetas. Este é o seu espaço de conforto. E é aqui que gosta de disseminar o conhecimento científico para as novas gerações de patologistas.
Não tem telemóvel e é assim que pretende continuar. No fundo, o facto de não ter esta tecnologia evita que tenha de dar más notícias às pessoas que lhe pedem uma segunda opinião. "Um diagnóstico de cancro de um patologista deve ser sempre escrito", defende.
Há quase meia década que se dedica à Medicina. Como é que esta ciência surge na sua vida?
A Medicina surge na minha vida por tradição familiar. Tinha avós e tios que eram médicos e, por isso, nunca considerei outra alternativa que não fosse seguir Medicina, até porque gostava muito de estudar. Mas quando entrei no curso, apesar de ter gostado, percebi que não queria ser clínico. Precocemente apercebi-me de que não era isso que gostaria de fazer para o resto da vida. O meu pai também já tinha sido pouco clínico e eu ainda acentuei mais esse traço. Queria ser médico, mas no sentido de estudar doenças. Por isso, quando me licenciei comecei por ser monitor de anatomia patológica na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, onde tinha estudado, e fiz formação em Anatomopatologia. E é isso que sou: anatomopatologista.
A atitude mais gratificante para mim é criar condições para ensinar
Mas, um dia, é como professor que quer ser lembrado.
Ensinar é o que mais gosto de fazer. Na minha especialidade, anatomia patológica, fazemos diagnósticos de doenças, sobretudo de cancro e doenças pré-cancerosas. Para tal, fazemos muita observação ao microscópio e a nossa atividade docente quase nunca são aulas no sentido literal. No fundo, o que fazemos são atividades de diagnóstico ao microscópio.
Neste momento, estão a trabalhar comigo cinco estagiárias: uma patologista turca, uma portuguesa e uma brasileira e ainda uma interna brasileira e uma aluna dos últimos anos de Medicina da mesma nacionalidade. E, quando estão as cinco comigo, utilizamos um microscópio maior para que todas possam acompanhar a análise de casos que me enviam de vários pontos do mundo. Isto aproxima-se de uma espécie de aula prática. Basicamente, estas cinco alunas estão a aprender a fazer diagnóstico diferencial em cancros difíceis. Esta é a atitude mais gratificante para mim: é criar condições para ensinar.
Em 1989 nasceu o seu ‘filho’ IPATIMUP. Como surgiu a ideia de apostar num projeto desta natureza?
Não desenvolvi o projeto sozinho, é importante que isso se note. Éramos um grupo e eu era o mais velho e mais graduado e talvez por isso é que fui sendo identificado como criador. Mas éramos um grupo muito bom do Hospital de São João e da Faculdade de Medicina do Porto que decidiu criar um instituto de investigação associado à Universidade, que tivesse as qualidades da Faculdade e não os seus defeitos. Quando foi criado o IPATIMUP, ainda ficámos algum tempo instalados no Hospital de São João e depois concorremos a fundos europeus. Em 1996 estávamos instalados no atual edifício.
O cancro assusta-me muito. Se a pessoa tiver pouca sorte de ter um cancro dos que não são fáceis de tratar nem de controlar acaba por morrer
São quase 50 anos a estudar o cancro. Esta é uma doença que ainda o assusta?
O cancro assusta-me muito. A minha atividade sempre esteve muito direcionada para o cancro da tiróide e do estômago. E, por exemplo, o cancro da tiróide tem uma mortalidade muito baixa; mais de 95% dos casos são controlados ou curados. Mas no estômago conseguimos apenas controlar cerca de 20 ou 25% das situações. Ou seja, em 75 a 80% das pessoas morrem, apesar de não ser no imediato. Por isso, tenho muito medo de ter cancro porque embora já se trate muito bem uma grande percentagem dos tumores, 40% de casos acabam por morrer. Se a pessoa tiver pouca sorte de ter um cancro dos que não são fáceis de tratar nem de controlar acaba por morrer.
A Imunoterapia é o 'Ovo de Colombo' no tratamento do cancro. Porém, não se pode fazer às cegas porque há grandes consequências colaterais
O facto de 95% dos casos de cancro da tiróide serem tratados significa que o tratamento tem evoluído? Podemos fazer essa leitura?
Os tratamentos para o cancro da tiróide, do testículo e algumas para leucemias foram os que mais evoluíram. O tratamento é muito capaz; muito competente. Já em relação a tumores como o da pâncreas, fígado, estômago e cérebro somos menos capazes.
O tratamento para o tumor da tiróide é distinto da maioria dos tumores. Nestes casos só se recorre à quimioterapia em situações muito graves ou que começaram a recidivar. Nos restantes, é usado iodo radioativo. As células tiroideias são as únicas do corpo que fixam o iodo. Por isso, opta-se por tirar a tiróide e quando o iodo é administrado vai instalar-se nas células do cancro que estejam ainda perto da tiróide ou mesmo à distância. Portanto, este é um tipo de tratamento muito eficiente.
No que se refere à quimioterapia convencional, deve salientar-se que este tratamento está a ser substituído por aquilo que denominamos de tratamentos biológicos, personalizados. Quer isto dizer que estudamos quais são as mutações das células cancerígenas e utilizamos medicamentos direcionados para esses marcadores tumorais. Chama-se a isso tratamento personalizado ou biológico, direcionado para um alvo.
Sobrinho Simões © Global imagens
A investigação nestes domínios levou inclusive à descoberta de um novo tratamento.
Sim, a Imunoterapia. Trata-se de uma terapia em que se estimula o tratamento imunológico para destruir as células malignas. O nosso sistema imunitário tem bloqueios e conseguiu-se descobrir fármacos capazes de anular esses bloqueios que impediam os linfócitos de destruir as células malignas. Portanto, isto é o ‘Ovo de Colombo’.
E com este novo tratamento estamos a tratar bem o melanoma (cancro da pele), alguns tipos de cancro do pulmão e alguns da bexiga. Porém, não se pode fazer essa terapia às cegas porque há grandes consequências colaterais. É preciso que não se comece a tratar toda a gente da mesma maneira porque aí iríamos contrariar a lógica do tratamento personalizado. Os cancros são todos diferentes uns dos outros e por isso é preciso adaptar ao tratamento de cada caso uma estratégia.
No futuro podemos esperar que a Imunoterapia tenha resposta ao cancro noutros órgãos? A evolução caminhará por aqui?
Sim, claro, aliás já está a avançar. Mas vai depender de cancro para cancro. Todos adorávamos que se adequasse a 100% dos casos.
A nossa alimentação, muito rica em sal e gorduras, é má. Não temos mais cancro do estômago por causa dos genes, mas pelo estilo de vida
O tipo de alimentação pode justificar o facto de, por exemplo, nos países ocidentais haver maior prevalência de cancro de estômago?
Se compararmos países ocidentais com África, por exemplo, há diferenças enormes, mas a maior delas é porque no Ocidente vivemos muitos anos e o cancro é uma doença das pessoas de idade. Já quando se vai estudar bem a doença percebe-se que os cancros mais frequentes em África são os que são provocados por infeções víricas. Como não fazem a vacina contra a Hepatite B, as pessoas apresentam muito cancro do fígado. Como não fazem a vacina contra o HPV, há muito cancro do colo do útero e do pénis.
É igualmente verdade que há uma diferença muito grande entre a Europa e a África e entre a Europa e a Ásia. Dentro da Europa não há assim muita assimetria, apenas de registar a elevada incidência do cancro do estômago. Portugal tem mais cancro do estômago do que a França, a Alemanha e a Inglaterra. E isso deve-se à prevalência do Helicobacter pylori (uma espécie de bactéria que infecta a mucosa do estômago) por um lado, e, por outro, à obesidade. É verdade que a nossa alimentação, muito rica em sal e gorduras, é má. Não temos mais cancro do estômago por causa dos genes, mas pelo estilo de vida.
Ao contrário do que se pensa, a maior parte dos cancros acontece porque as células são imortais ou quase imortais
Um dia disse que o “cancro é nosso. Não é uma doença provocada por bichos”…
O cancro é um tecido nosso, nasce dentro de nós, a partir das nossas células; é um tecido que é clonal. E o cancro leva sempre ao crescimento das células, seja porque estas se dividem mais ou porque morrem menos ou ainda devido às duas realidades em conjunto. E esse crescimento faz-se por invasão, porque o cancro não respeita fronteiras. Ao contrário do que se pensa, a maior parte dos cancros acontece porque as células são imortais ou quase imortais do que propriamente por serem muito proliferativas.
A prevenção e o diagnóstico precoce são o melhor remédio, mas faz-se pouco porque dá mais louros aos políticos e aos médicos serem bons a curar
A prevenção é o melhor remédio?
A prevenção e o diagnóstico precoce são o melhor remédio, mas faz-se pouco porque há pouco dinheiro para a prevenção e dá mais louros aos políticos e aos médicos serem bons a curar. E por outro lado é verdade que a própria indústria farmacêutica estimula muito os tratamentos.
É ainda importante distinguir que há dois tipos de prevenção: a primária, que se faz por exemplo através de vacinas, e a secundária. E neste cenário falamos da colonoscopia que nos permite retirar pólipos, isto é uma neoplasia que é tirada antes de ser maligna. E são ambas muito importantes.
Fonte: Noticiasaominuto
Apresentação
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no Posto Fixo da ADASCA em Aveiro
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