O investigador brasileiro Felipe Naveca, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) na Amazónia, alertou que o novo coronavírus continuará a evoluir se não existir controlo das contaminações, que facilitam novas estirpes mais infecciosas.
“Quando deixamos o vírus circulando livremente com muitos casos acontecendo, você deixa o vírus evoluir mais, você tem mais chance de o vírus continuar evoluindo”, disse Naveca à Lusa.
Segundo o microbiologista, que coordenou o sequenciamento genético de uma nova estirpe do SARS-CoV-2 na região amazónica, chamada B.1.1.28 (K417N / E484K / N501Y), que apresenta as mesmas características de mutações mais infeciosas registadas no Reino Unidos e na África do Sul, é urgente conter a transmissão da covid-19.
“Nós tínhamos sequenciado [as estirpes do novo corovírus] até novembro e esta nova variante [estirpe] da Amazónia não tinha aparecido (…) Quando os cientistas japoneses alertaram em 10 de dezembro, comparamos as sequências [genéticas do vírus] deles com as nossas e conseguimos estabelecer que a variante tem origem no Amazonas só que o ancestral [do vírus] que tínhamos sequenciado era muito distante”, explicou.
“A diferença da variante que nós conhecíamos para esta variante nova é muito grande. Em algum momento aconteceu uma aceleração da evolução do vírus que não conseguimos identificar exatamente”, completou.
Naveca explicou que os pesquisadores da Fiocruz adiantaram um sequenciamento de amostras colhidas de pacientes infetados em dezembro quando suspeitaram de um caso de reinfeção.
“Ela [estirpe amazónica] só apareceu de facto nas amostras que sequenciamos em dezembro. Também foi confirmada a reinfeção provocada pela nova estirpe e, por isto, disparamos um alerta nacional”, contou o cientista.
A Fiocruz confirmou na semana passada que foi identificada uma variante do vírus numa mulher de 29 anos, com sintomas leves da doença que foi diagnosticada com covid-19 pela primeira vez, em 24 de março e, em 30 de dezembro, obteve o segundo diagnóstico positivo para a doença num teste RT-PCR.
Na última quinta-feira, o Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC) divulgou uma investigação que reafirma a necessidade de controlar a disseminação salientando que “os vírus mudam, constantemente, por mutação e as variações no vírus SARS-CoV-2, devido a processos de evolução e adaptação, têm sido observadas em todo o mundo”.
“Embora a maioria das mutações emergentes não tenham um impacto significativo na disseminação do vírus, algumas mutações ou combinações de mutações podem fornecer ao vírus uma vantagem seletiva, como maior transmissibilidade ou capacidade de evadir a resposta imune do hospedeiro”, acrescentou o órgão europeu que indicou a variante brasileira entre as estirpes que causam preocupação.
Falando sobre fecho das ligações aéreas do Reino Unido com Portugal devido à nova estirpe do coronavírus no Brasil, o investigador considerou que “estas medidas podem ter algum impacto, mas não são 100% efetivas".
“Evitar completamente entrada de novas estirpes bloqueando ligações aéreas é muito difícil. Você pode bloquear voos de Portugal, mas se [a estirpe] estiver na Espanha chegará ao Reino Unido. Os Estados Unidos bloquearam voos no início da pandemia e não adiantou muito”, acrescentou.
O microbiologista considerou que requisitar um exame RT-PCR aos viajantes e impor quarentena são medidas mais eficazes do que um bloqueio aéreo.
Naveca também afirmou que ainda não há total certeza se a variante amazónica é mais infecciosa do que as outras estirpes do vírus que circulam no Brasil.
“Temos algumas sugestões disto, mas não são certezas. Isto pode ser uma suposição por conta dos dados da variante encontrada no Reino Unido e na África do Sul, que possuem mutações em comum com esta encontrada no Brasil, mas nenhum resultado suporta que esta variante chegou aqui e se adaptou”, afirmou.
“Os resultados apontam para uma convergência evolutiva, ou seja, o vírus evoluiu em lugares diferentes mostrando as mesmas mutações. Baseados nestes resultados do Reino Unido e da África do Sul, temos a suspeita de que a variante brasileira também tem maior transmissão”, acrescentou.
Sobre o colapso do sistema de saúde de Manaus, onde faltou oxigénio para atender pacientes, o especialista insistiu que o maior problema está relacionado com a falta de cuidado da população.
“Se as pessoas estivessem mantendo as medidas de distanciamento e os cuidados como o uso de máscara e a lavagem das mãos o vírus poderia ser até mais infeccioso, mas a transmissão não estaria ocorrendo”, defendeu Naveca.
“Mesmo se for comprovado que esta variante é mais infeciosa, mais perigosa, se tivesse sido mantidas as medidas de controlo ela teria desaparecido. O alerta sempre foi mantido pelas autoridades de vigilância do Amazonas, mas a população foi diminuindo os cuidados”, concluiu.
O Brasil é um dos países mais atingidos do mundo pela pandemia, tendo registado mais 1.202 mortes e 62.334 infeções confirmadas por covid-19, nas últimas 24 horas.
Até agora, desde o início da pandemia, já morreram, em consequência da doença, 216.445 pessoas. Em relação às infeções, com os mais recentes números o país ultrapassou os 8,8 milhões de diagnósticos positivos (8.816.254) desde o início da pandemia.
No Brasil, país lusófono mais afetado pelo novo coronavírus e um dos mais atingidos do mundo, a taxa de letalidade da doença permanece em 2,5%.
Já a taxa de incidência está fixada em 103 mortes e 4.195 casos por cada 100 mil habitantes.
Geograficamente, o foco da pandemia está em São Paulo, estado mais rico e populoso do país, que sozinho concentra 1.694.355 infetados e 51.423 óbitos.
A pandemia de covid-19 provocou pelo menos 2.107.903 mortos resultantes de mais de 98,1 milhões de casos de infeção em todo o mundo, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP.
Lusa
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