Os leitores mais antigos do Macroscópio já deviam estar à espera. Terminada mais uma época da Guerra dos Tronos, não podia faltar aqui um primeiro balanço. Até porque se trata da primeira vez que a série seguiu à frente dos livros de George R. R. Martin, isto é, que o desenvolvimento da imensa saga nos pequenos ecrãs deixou de seguir o fio do romance
A Song of Ice and Fire cujo primeiro volume chegou às livrarias em… 1996. Mas antes de irmos àquela parte do Macroscópio cheia de
spoilers, deixem-me fazer uma daquelas digressões tão apreciadas nesta newsletter. Uma digressão à Ásia Menor, a Berlim e a Nova Iorque em torno de uma maravilha do mundo antigo e da civilização helenística: o Altar de Pérgamo.
Há muitos museus inesquecíveis um pouco por todo o mundo, mas julgo que nunca me aconteceu fazer sempre questão de visitar um deles nas quatro primeiras vezes que estive na cidade que o acolhe, Berlim. O museu de que falo é o Museu de Pérgamo, que visitei pela primeira vez quando ainda se situava para lá do Muro de Berlim e que é único no mundo, albergando no interior um monumental altar a Zeus que arqueólogos alemães trouxeram da Anatólia no século XIX. Com o museu actualmente em obras de renovação, algumas peças desse museu puderam voar até aos Estados Unidos e aterrar no Metropolitan de Nova Iorque, para uma exposição que a New York Review of Books nos apresenta em
The Glory of Pergamon in New York. Para se ter uma ideia da grandeza e significado do Altar de Pérgamo basta começar a ler o texto de G.W. Bowersock:
In January 1880 the great Russian novelist Ivan Turgenev, author of Fathers and Sons
and one of the most cosmopolitan Russian writers of the time, was visiting Berlin, when he paid a visit to the Altes Museum. What he saw there not only made a profound impression upon him personally but marked the beginning of a momentous transformation in European understanding of the art and culture of the ancient Mediterranean world. He had been standing before a group of monumental reliefs that German archaeologists, after complex negotiations with the Ottoman sultan, had recently imported from the upper city, or citadel, above the small village of Bergama in western Turkey, north of Smyrna (Izmir). Turgenev was ecstatic, and in March of the same year he published his reaction in a rapturous article that appeared in a liberal journal devoted to European culture, Vestnik Evropy (European Herald). (…) “Coming out of the museum, I thought how lucky I am not to have died without living long enough for these latest impressions and to have seen all this!”A cultura helenística, que como se explica maravilhosamente neste artigo, não deve ser confundida com a cultura helénica, ou grega, tendo-se desenvolvido depois das conquistas de Alexandre, o Grande, e resultado de uma fusão entre a tradição grega e as tradições das terras que o grande conquistador efemeramente dominou. Ora há qualquer coisa que, na cena final do 10º episódio da sexta temporada da Guerra dos Tronos, nos remete mais para o mundo antigo construído em redor do Mediterrâneo - o mundo de Alexandre - do que para o mundo medieval que é o ambiente natural da saga, o mundo do imaginário continente de Westeros.
Mas antes de irmos a este último episódio, regressemos a um tema já abordado nesta newsletter: o porquê do fascínio de uma série que tem momentos de extrema violência e mistura fantasia (dragões, gigantes, mortos-vivos) com elementos que podiam fazer parte de uma recriação histórica? Encontrei uma boa explicação na New Yorker, em
Thrones of Blood, onde Clive James começa por recordar que teve uma atitude de total rejeição da série antes de ver um só episódio – e logo por motivos muito semelhantes aos do autor desta newsletter: “
Like anybody both adult and sane, I had no intention of watching “Game of Thrones,” even though the whole world was already talking about it. For one thing, it had swords; and I had already seen enough swords being wielded by Conan and Red Sonja. (…) For another thing, “Game of Thrones” had dragons, and I place a total embargo on dragons. I would almost rather have zombies.” Até que, um dia, uma caixa com os DVD da primeira temporada aterrou na casa de Clive James e um dia ele cedeu à tentação de ver um episódio. Nunca mais despegou: “
What was the immediate appeal? Undoubtedly, it was the appeal of raw realism. Superficially bristling with every property of fantasy fiction up to and including cliff-crowning castles with pointed turrets, the show plunges you into a state where there is no state except the lawless interplay of violent power. The binding political symbol is brilliant: the Iron Throne, a chair of metal spikes that looks like hell to sit on. (…) It is instantly established that nobody in King’s Landing or anywhere else in the Seven Kingdoms can relax for a minute—especially not the person on the Iron Throne. As for the top woman of the realm, the queen Cersei Lannister, she is a beautiful expression of arbitrary terror, combining shapely grace with limitless evil in just the right measure to scare a man to death while rendering him helpless with desire.”
Deixo o resto, que é longo e merece ser lido, para um dos serões dos leitores do Macroscópio – e deixo a pensar sobretudo nos que ainda não se deixaram seduzir por esta série.
(Atenção: a partir daqui há mesmo spoilers.)
Mas vamos lá ao balanço da sexta temporada – e que tirar dela? Talvez um dos traços dominantes tenha sido a ascensão das mulheres. Se a quinta temporada terminou com a lancinante cena do assassinato de Jon Snow, a sexta começou com a revelação dos poderes de Melisandre, a
Dama de Vermelho, que ressuscita o único grande herói que parecia sobrar nesta saga em que ninguém está livre de morrer a qualquer momento. E se assim se inicia, termina com a subida de Cersei ao Trono de Ferro, cena que antecede os planos finais que nos mostram a gigantesca frota de Daenerys a caminho da grande batalha pelos Sete Reinos –
A Guerra das Duas Rainhas, como já se anuncia a sétima temporada. Mas houve mais mulheres fortes e com crescente poder nesta sexta temporada, como sublinha o Wall Street Journal em
Women Wield the Power on ‘Game of Thrones’: “
As ‘Game of Thrones’ wraps up another bloody and bellicose year, the big news is that female characters are driving almost all the main narrative threads and upending the traditionally male-dominated order. The ascendant women this season mark a dramatic turnaround for “Game of Thrones,” which critics have faulted for treating most female characters as victims, slaves and sex objects.” Para uma leitura mais crítica do que foi esta sexta temporada uma boa aproximação é a de James Poniewozik no New York Times, em
In ‘Game of Thrones,’ the Pleasures of a Quickened Pace. Uma temporada que considera ter sido dirigida mais de acordo com as regras das séries televisivas, até por se ter libertado da obrigação de seguir a trama do romance inacabado de George R. R. Martin: “
If this was not the series’s best season, it was its most flat-out entertaining. After years of holding actions, this season moved like wildfire — literally in King’s Landing, where Cersei Lannister (Lena Headey) made an incendiary decapitation strike on her rivals. Winterfell’s long nightmare under Ramsay Bolton (Iwan Rheon) came to an end. Daenerys Targaryen (Emilia Clarke) finally got the hell out of that pyramid.”
Mais especificamente sobre o 10º e último episódio, é sempre interessante ler as análises dos comentadores da The Atlantic, em
The Head That Wears the Crown (“
For all the misery of “The Winds of Winter” (and there was plenty), there was also plenty to wonder at, from Sam beholding the glorious Citadel of the maesters (a solid Hogwarts knock-off) to the multi-colored banners of Daenerys’s new navy.”) ou a
crítica de Sarah Hughes no Guardian (“
Talk about saving the best until last: it was a heart-stopping and spine-tingling conclusion heavy in blood, revenge and death”). De uma forma geral, a recepção foi entusiástica, e devo acrescentar que também me junto ao coro de aplausos.
Finalmente, o que esperar da próxima temporada, que
deverá ser mais curta (provavelmente sete episódios em vez dos habituais dez)? É essa precisamente a abordagem da Vanity Fair em
What We Can Expect from Game of Thrones Season 7, aquela para a qual temos ainda menos pistas que para a temporada que agora acabou, que acabou por ser menos inesperada do muitos temiam – “
thanks to the writers circling back on some older stories, like the election in the Iron Islands, the Siege of Riverrun, the return of the Hound, and more, book readers were actually able to predict a lot of Season 6 in advance. But with Season 7 looming, we’re well and truly off the book-reader map. Unless Martin releases his next book, The Winds of Winter, between now and next year (and he might! he met with his publisher earlier this month!), we’re all going to be heading into the next cluster of episodes fairly blind.” Só que mesmo assim há pista, que a revista explora, especulando sobre o que se poderá passar com Cersei e Jaime Lannister, agora que a primeira ocupa o Trono de Ferro. Ou sobre como evoluirá a relação entre Sansa e Littlefinger. Ou qual o destino de Jon Snow como Rei do Norte. Ou ainda sobre como a frota de Daenerys, mais os seus dragões, tentarão capturar Westeros. E por aí adiante, sendo que vos deixo com uma passagem do texto referente a Jon Snow, a figura sobre quem mais se especulou neste último ano e que terminou esta temporada em glória. Só que… “
Speaking of that destiny, we now know (or think we know) much more about Jon Snow’s legacy. As the son of Lyanna Stark and Rhaegar Targaryen (yep!), he’s grappling with the burden of expectations from two noble Westerosi lineages. Not only that, but if Jon winds up being Azor Ahai reborn, he’s already probably one step ahead of Stannis.”
É uma herança pesada, e inesperada, uma herança que deverá surpreender o novo Rei do Norte e ser um dos fios condutores da próxima temporada. A qual já se aguarda com a mesma ansiedade com que os leitores de George R. R. Martin esperam pelo próximo volume da sua saga. Até lá guardamos na retina as imagens finais deste 10º episódio, as dos coloridos e inúmeros barcos comandados por Daenerys Targaryen cruzando um mar que bem podia ser o nosso Mediterrâneo. Terão eles o trágico destino dos triremes (talvez mais de mil) que compunham a poderosa frota do rei persa Xerxes I em
Salamina? Ou conhecerão antes a glória da grande coligação que derrotou os turcos em
Lepanto? Saberemos lá para Maio de 2017.
Até lá vamos ter de esperar. Entretanto, e por hoje, o Macroscópio despede-se, com os habituais votos de que estas sugestões vos tenham sido úteis e agradáveis.