Miguel Marujo | DN
Presidente deixou na sua mensagem palavras de crença "nos portugueses". "Estranho e contraditório ano esse, que ontem terminou, e exigiu tudo de todos nós"
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, sublinhou que 2017 foi um ano "estranho e contraditório", "povoado de reconfortantes alegrias e de profundas tristezas". Se tivesse terminado a 16 de junho, tudo estaria bem, apontou o Presidente, mas "um outro ano, bem diverso, se somou ao primeiro, a partir de 17 de junho", disse, referindo-se à tragédia dos incêndios de Pedrógão Grande, que "dominou o verão" e "adensou-se a 15 e 16 de outubro", com os fogos que fustigaram o Norte e Centro do país.
Na sua mensagem de Ano Novo transmitida em direto, a partir da sua casa em Cascais, onde está em convalescença, depois de ter estado internado nos últimos dias do ano de 2017, para uma cirurgia a uma hérnia umbilical, Marcelo Rebelo de Sousa defendeu que "o ano que hoje começa tem de ser o ano da reinvenção".
Segundo o Presidente da República, "o passado bem recente serve para apelar a que, no que falhou em 2017, se demonstre o mesmo empenho revelado no que nele conheceu êxito. Exigindo a coragem de reinventarmos o futuro."
Nas suas palavras, esta "reinvenção" tem de ser "mais do que mera reconstrução material e espiritual, aliás, logo iniciada pelas mãos de muitos - vítimas, Governo, autarquias locais, instituições sociais e privadas e anónimos portugueses".
E, na linha do que defendeu no Natal, quando pediu aos portugueses que visitassem neste ano de 2018 nas zonas afetadas pelos incêndios, insistiu que se deve descobrir esses "vários Portugais, esquecidos, porque distantes, dos que, habitualmente, decidem, pelo voto, os destinos de todos".
Para Marcelo, reinventar a "confiança dos portugueses na sua segurança" "é mais do que estabilidade governativa, finanças sãs, crescente emprego, rendimentos" tudo aquilo que o primeiro-ministro, António Costa, tem dito que o seu governo tem feito. E logo depois o Presidente deixou o recado ao primeiro-ministro, ao executivo e aos partidos: "É ter a certeza de que, nos momentos críticos, as missões essenciais do Estado não falham nem se isentam de responsabilidades."
O ano de 2017, lembrou, se "tivesse terminado em 16 de junho, ou tivesse sido por mais seis meses exatamente como até então, poderíamos falar de uma experiência singular, constituída quase apenas por vitórias". E acrescentou: "Assim não foi, porém. Um outro ano, bem diverso, se somou ao primeiro, a 17 de junho, dominou o verão e se adensou em 15 e 16 de outubro, marcado pela perplexidade em Tancos, o pesar no Funchal, o espectro da seca e, sobretudo, as tragédias dos incêndios, tão brutalmente inesperadas e tão devastadoras em perdas humanas e comunitárias que acabariam por largamente pesar no balanço de 2017".
Marcelo Rebelo de Sousa notou que este "estranho e contraditório ano" não o foi apenas em Portugal, mas também no mundo e na Europa. O Presidente da República notou, nas "profundas tristezas" que 2017 "começou ele com a partida de um dos maiores da nossa Democracia, Mário Soares, reunindo, nesse momento de respeito, tantos de tantas famílias políticas e sociais". E, das "reconfortantes alegrias" apontou a "chegada histórica" do "Papa Francisco, o apóstolo dos deserdados desta era" que fez vibrar "crentes e não crentes".
Eis o texto da Mensagem de Ano Novo do Presidente da República:
Mensagem de Ano Novo do Presidente da República
Cascais, 1 de janeiro de 2018
Muito boa noite,
Portugal é onde se encontre um português. Nas nossas fronteiras físicas ou, por todo o mundo, nas nossas fronteiras espirituais. Aí vivendo ou servindo em missão nacional.
A todos saúdo e agradeço os Portugais novos que criam dia após dia.
Estranho e contraditório ano esse, que ontem terminou, e exigiu tudo de todos nós.
Estranho e contraditório ano no mundo, com tão veementes proclamações de paz e abertura económica, e tão preocupantes ameaças de tensão e protecionismo, pondo à prova a paciência e a sensatez de muitos, e, em particular, do Secretário-Geral António Guterres.
Estranho e contraditório ano na Europa, com tão claro crescimento e desejo de recuperação do tempo perdido e tão lenta capacidade de resposta e de reencontro com os europeus.
Estranho e contraditório ano, também em Portugal.
Ano povoado de reconfortantes alegrias e de profundas tristezas.
Começou ele com a partida de um dos maiores da nossa Democracia, Mário Soares, reunindo, nesse momento de respeito, tantos de tantas famílias políticas e sociais.
Ao invés, em Maio, testemunhou como vibrámos, crentes e não crentes, com uma chegada histórica a do Papa Francisco, o apóstolo dos deserdados desta era.
Entretanto, íamos vivendo, como se de um sonho impossível se tratasse, finanças públicas a estabilizar, banca a consolidar, economia e emprego a crescer, juros e depois dívida pública a reduzir, Europa a declarar o fim do défice excessivo e a confiar ao nosso Ministro das Finanças liderança no Eurogrupo, mercados a atestarem os nossos merecimentos. Tudo isto colocando fasquias mais altas no combate à pobreza, às desigualdades, ao acesso e funcionamento dos sistemas sociais e aconselhando prudência no futuro. Mas permitindo a Portugal apresentar como exemplo a determinação dos portugueses.
Ninguém imaginaria, há menos de dois anos, poder partilhar tão rápida e convincente mudança. Sem dúvida iniciada no ciclo político anterior, mas confirmada e acentuada neste, que tão grandes apreensões e desconfianças havia suscitado, cá dentro e lá fora.
E nem faltariam ao crescendo de alegrias que assinalaria boa parte do ano que findou, o triunfo europeu da nossa música, os elevados galardões no turismo, o sucesso reiterado no digital ou os êxitos nas artes, na ciência ou no desporto, colocando Portugal como destino cimeiro universal.
Se o ano tivesse terminado em 16 de Junho, ou tivesse sido por mais seis meses exatamente como até então, poderíamos falar de uma experiência singular, constituída quase apenas por vitórias.
Assim não foi, porém. Um outro ano, bem diverso, se somou ao primeiro, a 17 de Junho, dominou o Verão e se adensou em 15 e 16 de Outubro, marcado pela perplexidade em Tancos, o pesar no Funchal, o espectro da seca e, sobretudo, as tragédias dos incêndios, tão brutalmente inesperadas e tão devastadoras em perdas humanas e comunitárias que acabariam por largamente pesar no balanço de 2017.
Tudo pondo à prova o melhor de nós a resistência, o afeto, a iniciativa e a fraternidade militante, que levou mais longe ainda a nossa proverbial solidariedade.
Hoje, dia 1 de Janeiro, é do futuro, porém, que importa falar.
O passado bem recente serve para apelar a que, no que falhou em 2017, se demonstre o mesmo empenho revelado no que nele conheceu êxito. Exigindo a coragem de reinventarmos o futuro.
O ano que ora começa tem de ser, pois, o ano dessa reinvenção.
Reinvenção que é mais do que mera reconstrução material e espiritual, aliás, logo iniciada pelas mãos de muitos vítimas, Governo, autarquias locais, instituições sociais e privadas e anónimos portugueses.
Reinvenção pela redescoberta desse, ou talvez mesmo desses vários Portugais, esquecidos, porque distantes, dos que, habitualmente, decidem, pelo voto, os destinos de todos.
Reinvenção da confiança dos portugueses na sua segurança, que é mais do que estabilidade governativa, finanças sãs, crescente emprego, rendimentos. É ter a certeza de que, nos momentos críticos, as missões essenciais do Estado não falham nem se isentam de responsabilidades.
Reinvenção com verdade, humildade, imaginação e consistência.
A mensagem que ouvi, sem exceção, meses a fio, e, novamente, na época de Natal, época de vivência familiar, feita de dor pela saudade, e, por igual, de ilimitada esperança, foi uma só:
- Temos de converter as tragédias que vivemos em razão mobilizadora de mudança, para que não subsistam como recordação de irrecuperável fracasso.
- Temos de afirmar nesta exigente frente de luta coletiva a mesma vontade de vencer que nos fez recusar a resignação de uma economia e de uma sociedade condenadas ao atraso e à estagnação.
- Temos de superar o que de menor nos divide para afirmar o que de maior nos une.
- Temos de ser como fomos nos instantes cruciais das grandes aventuras, dos grandes riscos, das grandes catástrofes, dos grandes encontros com a nossa História.
Esta é a palavra de ordem que vem do Povo, deste Povo, do mais sofrido, do mais sacrificado, do mais abnegado.
Vem do que ele pensa, do que ele sente, do que ele faz.
É, por isso, que, mais do que nunca, acredito nos portugueses, que o mesmo é dizer, acredito em Portugal.
Um feliz ano de 2018 para todos nós!