Para os ativistas, o exemplo mais recente deste atropelo ocorreu esta semana, quando o Senado votou contra uma diretiva da Comissão Europeia para o reconhecimento transfronteiriço de pais do mesmo sexo. A Itália juntou-se assim ao Grupo de Visegrado — composto pela Chéquia, Hungria, Polónia e Eslováquia — ao recusar transpor a diretiva para o direito nacional.
A notícia irritou a comunidade LGBTQ+ do país, que repetidamente criticou o governo de Meloni por discriminação, apontando para uma estratégia de propaganda anti-gay e o endurecimento das normas contra pais homossexuais.
Irmãos de Itália, o partido no poder com raízes neofascistas, liderou a votação contra a diretiva europeia, alegando preocupações de que o reconhecimento de pais do mesmo sexo poderia minar a atual proibição da gestação por substituição, vulgarmente conhecida como "barrigas de aluguer".
A lei italiana atual considera a gestação por substituição uma ofensa à dignidade da mulher.
'Mãe e pai'
“O veto é falso”, disse Vincenzo Miri, presidente da Rete Lenford, uma associação que fornece apoio judiciário a pessoas queer, à Euronews. “A proposta europeia não mudaria a atual proibição nem forçaria o reconhecimento de pais italianos do mesmo sexo que recorreram a barrigas de aluguer no estrangeiro”.
A proposta europeia afetaria apenas os pais já reconhecidos nos seus países de origem, mas nem isso é obrigatório.
“Existem vários casais europeus do mesmo sexo que recorrem à gestação por substituição, e reconhecê-los iria ultrapassar a proibição”, argumentou Marco Scurria, secretário da Comissão de Políticas Europeias dos Irmãos de Itália no Senado, à Euronews, citando audiências com juristas sobre o assunto.
“Pais do mesmo sexo não reconhecidos não terão qualquer problema em Itália”, acrescentou Scurria, “mas não podemos abrir a porta a algo ilegal aqui. Os pais serão reconhecidos, mas isso não deve ser automático, caso contrário as pessoas podem fazer o que quiserem”.
Enquanto isso, um projeto de lei apoiado pelos deputados dos Irmãos de Itália no Parlamento pretende tornar um crime o recurso por parte de casais italianos a "barrigas de aluguer" em países onde a prática é legal, uma proposta que pode potencialmente interferir com o direito internacional.
Grupos de direitos queer consideram as preocupações do governo sobre o recurso de casais do mesmo sexo à gestação por substituição uma obsessão de longa data da direita, embora sejam os casais heterossexuais que recorrem em maioria às "barrigas de aluguer".
Mas as "barrigas de aluguer" não são o único assunto de que o governo discorda.
“Mesmo quando a esquerda aprovou o reconhecimento das uniões homossexuais em 2016, a questão da paternidade homossexual ficou para trás”, disse à Euronews Alessia Crocini, presidente da Famiglie Arcobaleno, uma associação que apoia famílias homossexuais.
Na Itália, adotar o filho de um parceiro do mesmo sexo é extremamente difícil e, embora o reconhecimento da paternidade do mesmo sexo seja possível, geralmente envolve um longo processo legal, que geralmente se aplica mais a casais de mulheres que usaram a gravidez assistida e a adoção de enteados.
A Rete Lenford e a Famiglie Arcobaleno estão a representar centenas desses casos em tribunal.
Uma das batalhas legais foi sobre um decreto da extrema-direita de 2019 do então ministro do Interior Matteo Salvini que exigia especificar quem eram a “mãe e o pai” nos documentos de identificação das crianças em vez de identificar apenas quem eram os “pais”.
'Querem que paremos de ter filhos'
O veto à proposta da UE é visto por ativistas e pela comunidade LGTBQ+ como parte de uma repressão mais ampla aos direitos dos pais homossexuais, uma batalha emblemática do governo de Meloni.
Na segunda-feira, um dia antes do veto à proposta europeia, o Ministério do Interior obrigou o presidente da Câmara de Milão, Giuseppe Sala, a parar de reconhecer pais homossexuais na cidade, citando uma norma que impede o acesso de casais homossexuais à reprodução assistida.
“É uma batalha ideológica para este governo”, disse Mario Colamarino à Euronews, presidente da associação Mario Mieli pelos direitos queer.
Este mês, Meloni reiterou, numa entrevista, a sua crença de que “uma criança merece apenas o melhor: uma mãe e um pai”.
A ministra da Família, Natalidade e Igualdade de Oportunidades, Eugenia Roccella, tem repetido com frequência essa ideia na televisão, onde os direitos dos pais homossexuais costumam ser discutidos sem permitir a participação de ativistas ou casais LGBTQ+.
“Os juízes disseram que deveríamos ter em mente o interesse das crianças, que é ter uma família, mas a Itália não está a fazer isso. Os nossos filhos ainda terão dois pais ou duas mães, não importa o que diga um religioso ou uma pessoa de direita”, comentou Crocini.
Um acórdão de 2021 do Tribunal Constitucional pediu ao Parlamento que abrisse o quadro regulamentar das adoções em circunstâncias especiais a pais do mesmo sexo.
“A prática da adoção é um problema tanto para casais heterossexuais como para casais do mesmo sexo, e os Irmãos de Itália acreditam que é importante ajudar as crianças a encontrar uma família”, prometeu Scurria.
Mas um projeto de lei para facilitar a adoção de pais do mesmo sexo não parece ser uma prioridade para o governo de Meloni e as adoções padrão continuam proibidas para casais do mesmo sexo.
“Eles querem que paremos de ter filhos”, argumentou Crocini, “mas continuaremos a tê-los e eles crescerão num país que os discrimina”.
A Euronews contactou o Ministério da Família, Natalidade e Igualdade de Oportunidades e o senador e o presidente do partido Irmãos de Itália, Lucio Malan, mas não obteve resposta até ao momento da publicação deste artigo.
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