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Joaquim Carlos* |
«Diz-me: valerá a pena mentir?» perguntei, um dia, a um estudante. «Não!» respondeu-me com firmeza. «E então porquê? «Porque, cedo ou tarde, a mentira é descoberta, e, então, adeus honra!».
Isto é ainda um argumento. Não poderemos imaginar uma situação mais vergonhosa que a de uma pessoa que até agora era rodeada de consideração e respeito, em cuja palavra se acreditava, e que acaba de ser apanhada em flagrante delito de mentira. É verdade que, cedo ou tarde, todo o mentiroso é conhecido por tal e passa a ser tratado como persona non grata.
«Bom!, diz outro, não se minta, se se é um poltrão! Mas, quando se é inteligente, pode-se bem mentir. Quando previamente se pensou no que se há-de responder a tal ou a tal pergunta que poderá vir a ser-nos feita, o triunfo é certo».
Admitamos que isso aconteça uma vez. Isso não acontecerá sempre, nem por muito tempo, crê-me. «Embora o burro se esconda detrás da porta, ficam-lhe sempre as orelhas de fora» diz um provérbio.
É em vão que um outro adágio latino adverte o mentiroso de ter uma boa memória – mendacem oportet esse memorem – cedo ou tarde, o mentiroso enrolar-se-á em suas contrariedades; ser-lhe-á preciso cobrir uma mentira com outra mentira para que a primeira fique pouco verídica; a segunda mentira chamará uma terceira, esta uma quarta, e assim por diante.
Aquele que abandona o caminho da verdade depressa se encontra em terreno alagadiço e nele se atola cada vez mais. A partir do dia seguinte, esqueceu o objecto da mentira da véspera, e, em breve, é a vergonha e a desonra.
A mentira é um monstro gerado pela língua; e os monstros de nascença nunca têm longa vida, como já foi escrito numa reflexão anterior.
Mas suponhamos que a mentira fica oculta. Há pessoas suficientemente hábeis para não se deixarem apanhar. Reflecte ainda um pouco no que haverá de seguir-se. É próprio da pessoa séria e ponderada ver, não somente os resultados imediatos de suas acções, mas também pesar-lhes os efeitos mais afastados.
O mentiroso não foi, então descoberto. Mas, quando está só em casa, a voz flagrante do remorso fala-lhe do fundo da consciência: «Não tens carácter, ninguém se pode fiar em ti»! e esta voz que o acusa faz-lhe passar momentos amargos.
Sim, desgraçado daquele que se deixa ir para a mentira! A mentira vem das profundezas obscuras onde o diabo tem a sua morada, e é por isso que ela ensombra a alma, é por isso que ensombra até o rosto do mentiroso.
Este tem grande medo de ser traído pelo olhar. Lê somente a queixa d’Efigénio:
Maldita a mentira! Ela não alivia,
Como o fazem as palavras de verdade:
Sua asa negra o coração asfixia! (Goethe).
Modernamente, os médicos não receiam já tão frequentemente como outrora venenos para curar, porque sabem que, se os venenos curam certas doenças, podem causar outras muito mais graves, que as que curaram.
É exactamente o caso da mentira. Na ocasião, parece ter-nos livrado de um dissabor; mas o seu efeito desastroso não tarda a fazer-se sentir sob vários aspectos.
Chegasse-se embora a abafar a voz da consciência; um dia virá – o do Juízo – em que Deus Eterno (a quem o mais hábil mentiroso não saberá nunca enganar!) porá em plena luz todas as mentiras, todas as hipocrisias e todas as manhas da terra. «Os lábios mentirosos causam horror ao Senhor» diz a Sagrada Escritura em Provérbios 12:22.
Deus é a mesma Verdade; a cada mentira nós renegamos, nós desfiguramos a semelhança da nossa alma com ele.
Diz-se que a raposa, caída em armadilha, rói o próprio pé ou a cauda para se salvar. Aquele que tenta preservar-se de um mal pela mentira faz muito pior: rói a sua honra, o seu carácter.
É uma cobardia mentir, como aconteceu num julgamento recente em Lisboa, cujos personagens se proclamam de peito feito representantes de diversas associações de dadores de sangue ao não terem assumido a autoria de uma carta aberta que ainda continua exposta num site. Todos alegaram que não nada tinham a ver com o seu conteúdo, mas, aprovaram-no, começando pelo que devia ser homem íntegro, de carácter, de uma só palavra.
É heroísmo ficar a todo o custo, fiel à verdade! Isso não aconteceu. Os cobardes, não opinião deles, foram os atingidos com os adjectivos vomitados na dita carta.
Conseguiste alguma vez tirar proveito de uma mentira? Pagaste-o demasiado caro. Chegaste a evitar um mal qualquer por uma mentira? Caíste num mal muito maior: recai para sempre sobre a tua cabeça o descrédito total. Com uma mentira ganhaste o respeito dos outros? A teus próprios pés perdeste a honra.
Conclusão: Mentira é dizer o que é falso no intuito de induzir alguém em erro, em prejuízo de outrem. Dizer sempre a verdade, em todas as circunstâncias, não é fácil, pode até ser considerado perigoso, mas, é uma virtude heróica!
Portanto, na hora verdade viu-se de que lado estiveram os heróis. Por esses não quero ser representado, podem mergulhar nas profundezas do inferno, e lá apertarem a mão ao diabo, seu parceiro.
*Director