1- De forma tão difusa conforme às conveniências e ao tradicional modus-operandi das redes wahabitas-sunitas intimamente associadas ao expansionismo da Casa Saud, o Estado Islâmico foi chegando às grandes nações insulares da Oceânia, evidenciando-se num dos seus pontos mais críticos e mais vulneráveis: Mindanao.
Cumprindo as tradições, na medida do que é possível esconder da cabeça do polvo, instalada em função do império britânico (ele próprio um expansionismo) no território central da Arábia Saudita (a região do deserto Nejd, onde foi instalada a capital do reino, Riyadh, pela Casa Saud), Donald Trump na sua primeira visita de estado ao exterior dos Estados Unidos não foi capaz de elucidar sobre esse perverso “enigma” fulcral no relacionamento bilateral, tão poderoso que tem continuado, na sua esteira, a rebocar os aliados da NATO, com a Grã-Bretanha e a França em lugar destacado.
Essa incapacidade de Trump, que continua a cheirar a viscoso petróleo, leva-o a, numa cortina de fumo, atacar o Irão xiita, tomando claro partido pelo caos e terrorismo de expansão planetária, parido pelo wahabismo-sunita, porque isso, por via dos interesses globais no petróleo, interessa tacitamente à aristocracia financeira mundial e é esse o jogo que ele está obrigado a fazer: quanto mais se distende esse caos e terrorismo mundo fora, mais os Estados Unidos justificam dentro e fora de suas fronteiras a intervenção, no exterior decerto para “dar trabalho” às suas 800 bases militares previamente espalhadas ao longo de mais de um século e nas Filipinas desde a guerra filipino-estado-unidense que em 1901 pôs fim à Primeira República das Filipinas, a efémera independência de então.
Na Arábia Saudita, a monarquia nada tem de democrática, todavia nunca os Estados Unidos puseram em causa o carácter desse estado, que além da expansão do caos e do terrorismo por razões alegadamente religiosas, por via de laços financeiros que estão muito por descobrir (que se misturam com os interesses da aristocracia financeira mundial, como se pode comprovar com o exemplo do Carlyle Group), tem sido determinante na política de preços do petróleo, cujo efeito é a desestabilização de países produtores do sul, tendo como alvo principal a Venezuela.
O expansionismo wahabita-sunita integra perfeitamente o expansionismo imposto pela hegemonia unipolar, um anacronismo da “civilização judaico-cristã”, ao sabor dos interesses no petróleo e no dinheiro e nas geoestratégias que esse processo impõe.
O corte de relações da Arábia Saudita como Qatar por financiamentos ao terrorismo, é mais uma nova forma de diversão; Bin Laden e a Al Qaeda foram gerados a partir da Arábia Saudita…
2- Só em 1946 as Filipinas saíram do estatuto de colónia e ganharam uma independência tão neocolonial, quanto o comprovam as bases militares estado-unidenses particularmente instaladas na ilha de Luzon, precisamente a norte da Grande Manila, a capital.
As sucessivas administrações dos Estados Unidos, habituadas à imposição, fizeram alinhar as Filipinas na tentativa de isolar a China a partir do mar, o que entrou em contradição com o facto de terem polvilhado de bases militares Luzon, “esquecendo-se” que o risco crónico para as Filipinas estava no sul, em Mindanao, onde a presença militar estado-unidense é rarefeita.
Confrontado com essa realidade, o Presidente Duterte tem dado sinais de afastar-se dos Estados Unidos, aproximando-se à China e Rússia, no preciso momento que o Estado Islâmico se manifesta como sempre de forma sangrenta, desta feita em Marawi.
Agora, mesmo que as Filipinas não alinhem ao “diktat” dos Estados Unidos em relação à China no Sudeste Asiático, a ameaça do Estado Islâmico serve perfeitamente para dar continuidade à presença militar do “aliado”, no quadro de sua imposição neocolonial.
O Presidente filipino tem demasiados problemas a resolver em Mindanao e seria um erro alinhar num conflito externo por efeito duma imposição neocolonial, mas as necessidades de defesa e segurança a sul podem levá-lo a moderar sua argumentação.
Por outro lado e de facto, uma parte da migração filipina que por razões de trabalho foi atraída à Arábia Saudita, uma parte dela proveniente de Mindanao, teve doutrinação wahabita-sunita, que transportou para as Filipinas, onde a religião muçulmana já estava instalada, por influência das fronteiras marítimas com a Indonésia e a Malásia desde o século XIV.
As Filipinas não têm petróleo mas sua força de trabalho é cobiçada noutras partes do mundo, pelo que tornou-se um veículo de desestabilização quando em contacto com a Arábia Saudita, país onde têm contribuído para as grandes obras que foram sendo levadas a cabo a partir dos recursos do petróleo.
Marawi é das cidades filipinas com maior densidade de mesquitas implantada na sua área urbana.
3- As Filipinas são um enorme país insular com cerca de 300.000 km2, densamente povoado (292 habitantes por km2) e só Mindanao tem um terço da superfície num arquipélago que se estende a 7.107 ilhas.
É também a grande ilha mais próxima de outros arquipélagos de outros países, entre eles a Federação Malásia e a Indonésia.
A Indonésia, o país com mais população muçulmana do mundo, tem mais de 12.000 ilhas e a parte insular da Federação Malásia é também próximo de Mindanao o que no conjunto, tendo em conta as características do comércio e dos contactos nessa imensa região, possibilitam “vasos comunicantes” que as redes do Estado Islâmico não desprezam em função de sua autossustentação e disseminação.
Por outro lado as Filipinas, com maioria de população católica, tem condições ideais para a erupção do fundamentalismo islâmico no densamente povoado Mindanao: o islamismo está em expansão, o que se junta a tendência para a separação do resto do país, conforme a luta de várias décadas da Frente Moro de Libertação Islâmica, que recentemente declarou o cessar-fogo.
É sintomático o fim da actividade armada da Frente Moro de Libertação Islâmica e a emergência a partir dela de dois grupos que se enquadraram no Estado Islâmico: o grupo Maute (Estado Islâmico de Lanao) e o grupo Abu Sayyaf.
4- O governo das Filipinas encarou com reservas o anunciado fim das hostilidades por parte da Frente Moro de Libertação Islâmica, que mais se assemelha a uma passagem de testemunho, entregando o combate a grupos mais radicais, que pouco a pouco se vão acoitando ao Estado Islâmico.
Em vias de perder na Síria e no Iraque, onde as derrotas se vão sucedendo, o Estado Islâmico que conseguiu mobilizar radicais em todo o mundo, está “de mãos-livres” em Mindanao, fazendo confluir alguns dos seus membros a partir da Malásia e da Indonésia, em reforço das suas redes filipinas.
Isso vai implicar o esforço dos estados de toda a região no sentido dar combate ao fenómeno da jihad.
5- Em Mindanao há grandes cidades como a histórica Zamboanga com mais de 800.000 habitantes, um dos locais onde chegou o Islão no século XIV antes do início da colonização espanhola (na altura integrada no sultanado de Sulu) e a cidade de Marawi (200.000 habitantes) é apenas uma cidade de média dimensão, mas um microcosmos fundamental para os interesses dos radicais no espaço da grande ilha.
Possui uma forte implantação islâmica (99,6% da população), está situada a norte do lago Lanao, que é o manancial de água interior mais importante de Mindanao, é capital de Lanao Sul, um centro de comunicações interiores importante e um ponto tradicional de recrutamento da Frente Moro de Libertação Islâmica.
É também um centro de educação, que faz gravitar a juventude com a Universidade do Estado de Mindanao e mais de uma dezena de instituições superiores ligadas ao Islão em estreita consonância com as mesquitas locais e com um Centro Islâmico de relativa importância.
A cidade está “naturalmente” na mira do Estado Islâmico para sua capital em Mindanao, num ambiente humano historicamente favorável, daí o simbolismo desta acção levada a cabo desde finais de Maio de 2017; ainda que perca mais esta batalha há todas as condições para o Estado Islâmico fazer prosseguir a jihad.
Sob o ponto de vista físico-geográfico o local de acção foi também criteriosamente escolhido, não só em função das áreas envolventes, mas por que a norte do Lago Lanao nasce o rio Agus, com aproveitamentos hidro-eléctricos.
Os grupos radicais que atacaram em Marawi isolaram o centro da cidade ao tomarem as pontes sobre o rio Argus, de forma a levarem por diante as suas acções imediatas de implantação da lei islâmica e de guerrilha urbana o mais tempo possível e obrigando à evacuação da cidade, desde pouco antes do Exército das Filipinas se dispor para o combate.
A “estreia” do Estado Islâmico em Mindanao, recorrendo aos radicais que abandonaram a Frente Moro de Libertação Islâmica, foi planificada tirando partido do efeito surpresa, do ambiente humano e histórico relativamente favorável e das características físico-geográficas da cidade de Marawi, bem como de sua localização geoestratégica em Mindanao.
Para as culturas islamizadas é uma nova guerra de (re)conquista de espaço, numa antiga colónia espanhola que as hostilizaram da Península Ibérica às Filipinas, daí a origem duma psicologia de motivação das vontades, que é utilizada pelos radicais contra as implantações Católicas, contrariando ao mesmo tempo o poder instalado no país.
Dada a situação de infiltração e jogo operativo clandestino, o risco está latente para Timor Leste, não muito longe dessa região e tendo em conta a evolução da situação interna na Indonésia.
A trágica evolução da situação nas Filipinas, com a colonização e com esta face de neocolonização, faz-nos lembrar quão heroica e acertada foi a decisão da revolução cubana, por que Cuba sofreu uma trajectória similar que teve fim com a ditadura de Fulgêncio Batista.
O Estado Islâmico pode perder esta batalha, mas em Mindanao há campo de manobra para continuar a jihad… pelo menos enquanto a hegemonia unipolar não se esgotar nas suas múltiplas contradições e durar a Casa Saud!
Imagens: Áreas de influência Católica e Muçulmana; Instalações militares dos Estados Undos nas Filipinas; Implantação da cidade de Marawi na área de Lanao e a norte do lago; O Exército filipino em Marawi; Mesquita do Rei Faisal em Marawi.