Opinião
“A ética do jornalista não
pode variar conforme a ética da fonte que está lhe dando informações.
Entrevistar o papa não nos faz santos. Ter um corrupto como informante não nos
corrompe.”
VEJA nunca permitiu que suas páginas
fossem usadas para outro fim que não a busca do interesse público. Sempre que
uma denúncia é publicada, alguém ganha e alguém perde. Um ministro cai e outro
ministro sobe. Um grupo político é prejudicado e outro grupo político é
beneficiado. São consequências normais da divulgação de fatos verdadeiros. Em
nosso trabalho cotidiano, essas circunstâncias são tão naturais para nós que
nos dispensamos de discuti-las. Mas temos de concordar que as pessoas não directamente
envolvidas em nosso trabalho possam, de boa-fé, não entender completamente a
natureza do bom jornalismo que praticamos em VEJA. Reflecti sobre nossos critérios,
nossas relações com as fontes de informação, enfim, nossa missão jornalística.
O resultado é o texto abaixo.
“O jornalismo é feito com
fontes de informação. O jornalista não é pago para saber. É pago para
descobrir. Por essa razão, as relações do jornalista com suas fontes merecem
uma reflexão permanente.”
O jornalismo é feito com fontes de
informação. O jornalista não é pago para saber. É pago para descobrir. Por essa
razão, as relações do jornalista com suas fontes merecem uma reflexão permanente.
Os profissionais de VEJA seguem as regras escritas da Editora Abril, cujo
Código de Conduta estabelece: “O jornalista da Abril não tem relação de
trabalho com, nem presta serviço, ainda que eventual, para qualquer pessoa,
empresa ou entidade que seja, ou possa a vir a ser, fonte de informação. A Abril
jamais paga entrevistados por informação de nenhuma espécie, de forma direita
ou indirecta. Sempre que possível, o jornalista deve pagar por almoços e
jantares com fontes ou seus representantes. Cabe ao profissional e a sua chefia
imediata definir as situações em que a aplicação desta regra pode afectar o
relacionamento com a fonte.” Posturas Éticas – Guia para Jornalistas e
Produtores de Conteúdo do Grupo Abril – Complemento do Código de Conduta.”
Em complemento ao Código de Conduta da
Abril, a redacção de VEJA em seu Plano Editorial anual reafirma que a
“independência” é o maior valor de um jornalista da revista. Por independência,
diz o Plano Editorial, entende-se que o repórter não aceita nenhuma barganha
editorial com as fontes em troca de informações. Em nosso cotidiano, embora
seja uma regra não escrita, sempre avaliamos as informações que recebemos das
fontes tendo como único metro o interesse público que se confunde com o
interesse jornalístico. Isso significa que as inúmeras informações pitorescas
ou de carácter pessoal, comportamental ou sexual de autoridades e governantes
que nos chegam na forma de fotos, vídeos e gravações nunca são usadas por serem
ofensivas e nada ajudarem na compreensão dos fatos públicos.
“O ensinamento para o bom
jornalismo é claro: maus cidadãos podem, em muitos casos, ser portadores de
boas informações.”
Os jornalistas de VEJA estabelecem com
suas fontes uma relação em que fica claro desde o primeiro momento que não se
trata de uma relação de troca. A fonte não terá nenhum outro privilégio por
fornecer informações, a não ser a manutenção do sigilo, caso isso seja do
interesse dela. As fontes nunca são desinteressadas das reportagens com as
quais colaboram fornecendo informações. Um corrupto que passa informações quer
se vingar de outro corrupto ou espera atrapalhar o negócio do concorrente com o
governo. Nos dois casos, o jornalista precisa ter noção exacta do interesse da
fonte e usar a informação quando e somente se a vinda dela à luz servir mais ao
interesse público do que ao do próprio informante. Um assassino que revela na
cadeia um plano para assassinar o presidente da República é possuidor de uma
informação de interesse público – e pelo mecanismo da delação premiada ele pode
ter sua pena atenuada ao dar uma informação que impeça um crime ainda pior do
que o cometido por ele. Portanto, temos aqui uma situação em que a informação é
de qualidade e o informante não, por ser um assassino. O ensinamento para o bom
jornalismo é claro: maus cidadãos podem, em muitos casos, ser portadores de
boas informações.
“Uma informação de qualidade é
verificável, relevante, tem interesse público e coíbe a acção de corruptos.”
O repórter que se preza não despreza uma
fonte de informação sobre casos de corrupção com base apenas no fato de que o
informante é corrupto. Mas como se cativa e se mantém um informante desse tipo
sem acenar com alguma vantagem para ele? O jornalista, consciente dos
interesses subalternos do informante, deve tentar obter dele o que for
relevante para o interesse público – e publicar. O mais provável é que o
informante se sentirá gratificado por ter conseguido o objectivo de ver a
informação tornada pública e o jornalista também terá cumprido sua missão de
trazer à luz fatos que, de outra forma, nunca sofreriam o efeito detergente dos
raios solares. Ao jornalista cabe distinguir:
A) se a informação é verificável;
B) se a informação é relevante e de
interesse público;
C) se a vinda da informação a público
ajudará a diminuir o escopo de acções dos corruptos, entre eles o próprio
informante.
Cumpridas as três condições acima, a
informação merece ser levada a sério, a despeito, repita-se, da estatura moral
do informante.
O bom jornalista não se deixa paralisar
estabelecendo como critério só ter como fontes pessoas que passem pelo crivo
ético mais elevado. Isso não deve ser confundido de jeito nenhum com a ideia de
que vale tudo.
O critério de VEJA é claro. As informações precisam ser
qualificadas, independentemente da estatura moral do informante.Pessoas de
estatura moral questionável podem deter informações de altíssimo padrão de
qualidade jornalística.Digamos que a informação trate de uma negociação de
pagamento de propina. Quem tem mais condições de contar o que aconteceu? Quem
estava lá ou quem não estava lá? A resposta é clara: quem estava lá, ou seja,
um dos envolvidos.
Evidentemente, o critério acima não vale
para fontes que queiram dar opiniões. Não abrimos espaço para pessoas de baixo
padrão moral dar opiniões. No processo de colecta de opiniões, procuramos as
mais qualificadas autoridades mundiais para entrevistar, onde quer que estejam.
Se uma fonte moralmente discutível testemunhou um fato importante, quer contar
o que presenciou e se o que ela narra é verificável por outros meios,
consideramos que ela pode ter uma informação que vale a pena ser levada em
conta. Se essa mesma fonte quiser dar uma opinião a respeito daqueles mesmos
fatos, não aceitamos. A qualidade da informação pode independer da qualidade da
fonte. Já a opinião é indissociável de quem a emite. A qualidade de quem opina afecta
a qualidade da opinião.
“A ética do jornalista não
pode variar conforme a ética da fonte que está lhe dando informações.
Entrevistar o papa não nos faz santos. Ter um corrupto como informante não nos
corrompe.”
Esse ponto merece uma análise mais
detida. Como o jornalista deve diferenciar sua relação quando uma fonte é,
digamos, um economista respeitado e outra fonte é um criminoso? O jornalista
deve ter em mente que ambos podem ser detentores de informações da melhor
qualidade. O criminoso pode ter sido testemunha de um crime e seu depoimento
pode ajudar a desbaratar uma quadrilha perigosa. Não se pode desprezar o que
ele tem a dizer. É preciso ouvir, analisar, pesar, checar, contextualizar. Um economista
respeitado, caricaturando, pode estar teoricamente equivocado sobre algum fenómeno
ou pode estar a serviço de algum especial interesse económico ou comercial.
Enfim, ambos valem pelo teor, qualidade e grau de interesse da informação
verdadeira de que são detentores. É preciso atentar para o fato de que, mesmo
que a fonte seja um assassino esperando a execução de uma sentença de morte
(exemplo verídico transformando no livro O Jornalista e o Assassino pela
americana Janet Malcolm), ela merece ser tratada com respeito. Se a fonte não
tem ética, isso é problema dela. A ética do jornalista não pode variar conforme
a ética da fonte que está lhe dando informações. Entrevistar o papa não nos faz
santos. Ter um corrupto como informante não nos corrompe.
Quando o jornalista lida com uma fonte
que tem uma informação verdadeira, verificável e relevante, ele precisa ter
consciência dos interesses particulares do informante. Deve avaliar se o
interesse público maior supera mesmo o subproduto indesejável de satisfazer o
interesse menor e subalterno da fonte. Se o resultado for positivo, a
informação se candidata a ser publicada. Por isso, o jornalista não pode ser
amigo de fontes. Não pode aceitar presentes, convites para viagens ou quaisquer
outros agrados.
VEJA nunca publicou conteúdos de
gravações obtidas ilegalmente, portanto o que segue aqui tem o objectivo apenas
de reflectir sobre certos limites. Quem se favorece conscientemente do produto
de furtos, roubos ou outros crimes é potencialmente cúmplice do autor. Por essa
razão, o jornalista que eventualmente receber uma gravação obtida ilegalmente e
usá-la em uma reportagem pode estar se expondo aos rigores da lei. Desse modo,
ele só deve dar esse passo arriscado quando o custo para a sociedade de
desprezar o conteúdo da gravação for muito grande. Se o preço pessoal de evitar
um crime ou uma sequência de crimes dando publicidade a gravações ilegais for
incorrer em uma transgressão menor, o jornalista tem o dever de considerar
correr esse risco. Em VEJA, casos assim jamais são decididos individualmente
por um jornalista, mas pela direcção da revista. O trabalho jornalístico
envolve vários riscos. Como qualquer trabalho. Do cirurgião, do advogado. Do
engenheiro. Se ele tomar todos os cuidados, os riscos serão minimizados, mas
jamais eliminados. A primeira preocupação de VEJA ao ter acesso a uma
informação é entender como a informação foi obtida.
Se a publicação do produto do crime
tiver relevância para evitar crimes piores, e mesmo que isso ajude a vender
revistas, não se incorre em falha ética. Se um jornalista furtar da pasta de
uma pessoa, por exemplo, um plano para explodir a represa de Itaipu e se com a
publicação do plano ele evitar o ataque terrorista - e ainda vender mais
revistas –, a implicação ética lhe será altamente favorável.
“O bom jornalismo é uma actividade
de informação mediada. O jornalista não é um mero repassador de declarações.
Ele tem o poder discricionário de não publicar uma acusação ou uma ofensa
grave.”
As informações obtidas com a garantia de
manter o sigilo da fonte trazem desafios adicionais ao jornalista. As
informações obtidas de fontes anónimas, que não podem ou não querem se
identificar, devem ser usadas preferencialmente como confirmação de dados ou
relatos já obtidos de outras fontes. Mas é um erro desprezá-las. Muitas vezes
um informante testemunhou fatos relevantes e a única condição que coloca para
narrá-los é a manutenção do sigilo sobre sua identidade. A regra básica para
errar menos com o uso de fontes anónimas é ter em mente que o leitor pouco ou
nada saberá sobre quem deu a informação, portanto o jornalista tem de saber
tudo sobre a fonte. VEJA muitas vezes não tem meios de confirmar com outras
fontes as informações passadas por uma fonte que pediu OFF. Digamos que uma discussão entre duas pessoas
seja contada em OFF por um dos participantes. VEJA não vai publicá-la se a
outra pessoa não confirmar? Talvez sim, talvez não. Depende do conteúdo do
diálogo passado. A lição é a de que o bom jornalismo é uma actividade de
informação mediada. O jornalista não é
um mero repassador de declarações. Ele tem o poder discricionário de não
publicar uma acusação ou uma ofensa grave. Se o custo de não publicar for
prejudicial ao interesse público, o jornalista deve pesar os riscos e corrê-los
se necessário.
Uma fita contendo revelações importantes
(depois de devidamente periciada e contextualizada) tem valor
extraordinariamente maior do que uma frase acusatória, seja em OFF ou em ON.
VEJA sempre perícia os diálogos gravados que publicou e guarda esses registros.
VEJA já publicou diálogos que lhe foram entregues degravados sem ter tido
acesso ao conteúdo original – mas o fez com absoluta segurança da origem do
material. Existe uma diferença grande entre uma acusação em OFF e uma fita. A
fita, muitas vezes, envolve um diálogo de duas pessoas acusando uma terceira –
que pode ser inocente. E ela acaba sendo envolvida num escândalo
involuntariamente. Isso raramente acontece na acusação, ainda que em OFF. Por
isso, todo o cuidado é pouco com esse tipo de informação.
O documento (depois de periciado e
contextualizado) tem valor exponencialmente maior do que uma informação oral,
desde que o conteúdo de ambos seja equivalente em relevância. Mas às vezes um
documento mente e a informação falada tem mais valor. Exemplo: como forma de
mostrar seu distanciamento de uma denúncia de corrupção, o ministro envia um
memorando cobrando de seu assessor informações sobre a irregularidade. Esse
documento pode ser apresentado pela autoridade como prova de sua inocência. Uma
apuração mais aprofundada pode provar que aquele documento não passava de uma
armação. Ou seja, cada caso é um caso.
“A regra para lidar com
gravações ilegais que registraram actividades de cidadãos ou empresas privadas
em seus negócios particulares é: descartar sem ouvir ou assistir – ou,
alternativamente, entregá-las às autoridades.”
A fita (periciada, contextualizada) tem
muito valor. A perícia ajuda a mostrar se a fita chegou à redacção em condições
de ser usada como prova. Às vezes, as gravações são inaudíveis ou indecifráveis
– ou a fita pode ter sido adulterada com o propósito de mudar o sentido das
falas. Nesses casos, ela vai para o lixo.
É crucial enfatizar um ponto da mais
alta importância. O que se discute aqui é a publicação de informações que dizem
respeito à actuação de autoridades e suas relações com terceiros quando tratam
de questões que envolvem dinheiro ou outros bens públicos. A regra para lidar
com gravações ilegais que registraram actividades de cidadãos ou empresas
privadas em seus negócios particulares é: descartar sem ouvir ou assistir – ou,
alternativamente, entregá-las às autoridades.
“As informações são tratadas
em VEJA como portas que se abrem para a obtenção de novas informações. Todas
elas são checadas.”
Nenhuma reportagem de VEJA – com a excepção
óbvia da entrevista das Páginas Amarelas – é feita com base em apenas uma única
fonte de informação. As informações são tratadas em VEJA como portas que se
abrem para a obtenção de novas informações. Todas elas são checadas,
contextualizadas e comparadas, de modo que os eventuais erros que possam
ocorrer sejam aqueles que conseguiram escapar de nossos rigorosos mecanismos de
filtragem – e nunca resultado de má-fé.
Eurípedes
Alcântara, Director de Redacção de VEJA
São Paulo, 20 de abril de 2012
Enviado por: Sheila Aragão 29/04/2012 -
03:38