Poderão pensar que
estão em presença de alguém que fala mal do povo a que pertence. Porém, não é
isso verdadeiramente o que se passa como tentarei comprovar pelo conteúdo desta
crónica, especialmente garatujada para o efeito de reajustamento de conceitos,
provavelmente mal esclarecidos e insuficientemente desenvolvidos. Em vez do
manguito, Bordalo Pinheiro teria feito melhor em estereotipar esse monumental
«encolher de ombros», o «baixar os braços», o «virar costas» às dificuldades.
Ou a mão que varre de baixo para cima e longe o que não agrada, em vez da
utilização das duas mãos e braços a agarrar o touro pelos cornos e o vergam até
cair.
Incomoda-me todavia, efectivamente, a
indiferença, a resignação, o desleixo, a lassidão, e estes são os defeitos
desta massa mole que me circunda e envolve. Ando ao lado dela, às vezes até
utilizo os mesmos gestos, por influência do contágio, mas não é isso que faço
normalmente, especialmente depois de aprender a actuar na diferença.
Contudo, não prescindo agora de dizer que me
comovo com a sua ternura, a sua dignidade, a sua capacidade de aventura, de
desenrascanço, de capacidade de integração e de trabalho árduo. Indisciplinado
é certo, mas por falta de valorizar a disciplina, e especialmente por falta de
líderes que a saibam impor. Que a saibam - note-se e realce-se. Também os
líderes não a aprenderam. O problema é todo esse. O português tem a fama de
preguiçoso e não é de todo; é voluntarioso, solidário, capaz do sacrifício
pelas mais justas causas; é simpático, galante, emotivo, acolhedor. E estas
qualidades não as encontramos em algumas comunidades europeias nem africanas,
assim como não encontramos aí os defeitos de que este padece. Isto assim
retrocitado até parece que os defeitos engendram por oposição as qualidades e
viceversa.
Convém no entanto dizer rapidamente e a
propósito: o povo é o que dele fazem os que o dirigem, e neste aspecto sejamos
justos: este País poucas vezes teve uma salutar liderança com objetivos e metas
a longo prazo. Tem sido um País adiado na maior parte do seu percurso. A seguir
à ínclita geração da segunda dinastia real, não houve outra que se lhe
comparasse. Andámos depois disso a gerir apenas a sua decadência. Foi-se-lhe
comendo a fruta e restou o que hoje se vê, muita folha esparramada num final de
outono que promete limpá-la com eficiência, quando apenas tende a apressar o
inverno de todas as nossas incapacidades, culpando as nossas insuficiências,
sem apontar verdadeiramente as causas desta desgraça coletiva evidente. Não é
por culpa do povo, contudo, por culpa das elites governativas, que até agora só
têm tirado a água do seu capote, empoeirando o horizonte que nos aguarda
implacavelmente. Falar das descobertas do século XVI, já pouco diz ao homem
contemporâneo, pois ele já foi à Lua, e já conquistou a informação e a
comunicação globais.
Na verdade, o motor das Economias ocidentais
fortes foi criado pela industrialização; e deveu-se à capacidade de os chefes
saberem liderá-la. Não foi propriamente devida aos líderes políticos que apenas
se aproveitaram do fenómeno económico para partilharem da riqueza produzida à
custa do trabalho. E esta pecha tem de ser afirmada e consciencializada.
Capatazes, chefes, diretores, administradores não sabem como comandar o mundo do
trabalho particularmente em Portugal, ao contrário do que acontece nos Países
mais prósperos.
Tudo o que digo se resume a pouco mais do que
isto, e, basta citar como exemplo desta evidência os nossos trabalhadores no
estrangeiro, e nas empresas estrangeiras que se instalaram no nosso País - eles
são tão bons ou ainda melhores que os autótones desses países. Todavia a
organização e a disciplina acontecem precisamente porque encontram chefes
capazes de os liderar, com todas as competências que os cargos do mundo laboral
exigem: conhecer com alguma profundidade e com particular interesse as
dificuldades e insuficiências que cada trabalhador enfrenta quando se integra,
e suprir essas carências, assim como corrigir comportamentos; é suficiente esse
facto para poder garantir a toda a gente que não é por falta de bons
trabalhadores que o Estado se encontra na actual falência, e nunca deveria
passar pela cabeça dos governantes ter de de os sacrificar para repor a ordem
na casa escangalhada, que eles próprios escangalharam irresponsável e
impunemente. Se um dia analisarem com justiça e probidade o que se passou
durante as últimas décadas em Portugal, é à governação que se deve imputar toda
a responsabilidade, até hoje injustamente impunida, de todo este descalabro a
que chegámos. Sabem o que aconteceu na Irlanda? Pois é, todos os responsáveis
políticos e bancários foram julgados, punidos e obrigados a pagar aos credores
os prejuízos causados ao País. O seu povo não só merece o encómio regional,
como também o louvor universal. Aqui mal se fala deste episódio histórico.
Propositadamente. Os nossos jornalistas andam entretidos com «faits-divers».
Também são lassos, indiferentes, relaxados, laxistas, resignados, preguiçosos.
E é bom que se diga, neste momento de indignação e de revolta, esse País
pertence àquela região da Europa do Norte que possui cidadãos que não encolhem
os ombros, que não baixam os braços, que não se estão marimbando para os
efeitos sociais e económicos da ladroagem que anda à solta com colarinho branco,
essa que resolve a certo momento engendrar artimanhas e falsas expetativas aos
seus conterrâneos, com este resultado a que estamos a assistir: um governo a
pedir mais sacrifícios a um povo que não merece ser tratado desta maneira.
Por Rodrigo da Silva