Exerceu vários cargos de responsabilidade como advogado, e abandonou a profissão para se tornar jesuíta, dedicando a maior parte de sua vida como pároco
Plinio Maria Solimeo
São Bernardino Realino, o primeiro dos três santos e dois beatos celebrados pela Companhia de Jesus no dia 2 deste mês, nasceu no dia 1º de dezembro de 1530 na ilha de Capri (Itália), da nobre linhagem dos Realino, e é pouco conhecido no Brasil.
Sua primeira educação esteve a cargo da mãe, que contratava professores para irem à sua casa, porquanto o pai, estribeiro-mor de várias cortes da Itália, se via obrigado a ausentar-se muitas vezes de casa. Contudo, muito cedo Deus veio pedir ao menino o sacrifício dessa mãe, que lhe era tão necessária.
Bernardino terminou aos 12 anos seus estudos clássicos na Academia de Modena — então um dos mais ilustres centros culturais da Itália — dedicando-se à literatura. Seis anos depois, em 1448, começou a estudar Filosofia e Medicina em Bolonha. No meio do curso, para fazer a vontade de Clorinda, jovem com quem pretendia casar-se, mudou para o curso de Direito. Doutorou-se em Direito Civil e Canônico em 1556, aos 26 anos.
Seu pai era um dos colaboradores do Cardeal Cristóforo Madruzzo. Enquanto exercia o cargo de governador de Milão em nome de Felipe II da Espanha, o cardeal tomou o jovem advogado sob a sua proteção, e assim Realino entrou para o campo do ofício público. Ressalte-se na vida desse cardeal que, ainda jovem, ele fora nomeado Príncipe-bispo do Principado Episcopal de Trento, e depois elevado ao cardinalato. Governou seu estado por quase trinta anos, período em que organizou o Concílio de Trento, de cujos debates participou ativamente, tendo sido um dos campeões do Catolicismo contra o protestantismo nascente.
Prefeito e juiz aos 26 anos
No início de sua vida pública, Bernardino exerceu os cargos de prefeito e juiz de Felizzeno Monferrato. No termo de seu exercício, o povo, agradado com sua honradez e responsabilidade, pediu sua recondução aos cargos. Foi depois, sucessivamente, advogado fiscal (espécie de procurador da República) de Alessandria, no Piemonte, administrador em Cassino e pretor em Castel Leone. Mudando-se para Nápoles, tornou-se superintendente dos campos do marquês Francisco Ferdinando d’Avalos, cujo pai, o príncipe Afonso III d’Avalos d’Aquino d’Aragona, era confidente do rei Felipe II da Espanha e seu representante no Concílio de Trento.
Bernardino teria chegado muito mais longe na vida pública, se a graça de Deus não fosse germinando pouco a pouco em sua alma, instilando-lhe o desejo de se dar inteiramente a Ele. Para isso muito contribuiu a morte edificante de Clorinda, em 1551, e o fato de ela lhe mostrar do Céu novos caminhos, conforme ele mesmo declarou.
Enquanto não decidia sobre o futuro, apesar do sucesso na carreira, não descuidava de sua vida espiritual, como vemos numa carta que escreveu aos 32 anos a seu irmão: “Eu não tenho desejo das honras deste mundo, mas somente da glória de Deus e salvação de minha alma”. Via a si mesmo como instrumento da Divina Providência, e sua única preocupação era dar seu salário aos pobres.
Membro da Companhia de Jesus
Um dia em que, ainda indeciso sobre o rumo a tomar, caminhava pelas ruas de Nápoles, encontrou-se com dois religiosos cuja modéstia, compostura e santa alegria impressionaram-no vivamente. Informou-se sobre quem eram, e soube que pertenciam à Companhia de Jesus, que Inácio de Loyola acabara de fundar.
No domingo seguinte foi assistir à Missa na igreja desses padres. Impressionou-se tanto com o sermão, que quis fazer uma confissão geral com o pregador. Este lhe recomendou os exercícios espirituais, a fim de conhecer melhor a vontade de Deus. Desse retiro saiu decidido a ingressar em uma Ordem religiosa. Mas qual?
O pensamento do velho pai, que talvez ainda precisasse dele, ainda o detinha. Mas em setembro de 1564, rezando o terço diante de um altar de Nossa Senhora, apareceu-lhe a Mãe de Deus em meio a esplendores, e lhe recomendou entrar na Companhia de Jesus. Bernardino o fez no mês seguinte, sendo recebido pelo Provincial de Nápoles, Pe. Afonso Salmerón, um dos principais companheiros de Santo Inácio.
Por humildade, quis ser recebido como simples irmão leigo. Mas São Francisco de Borgia, terceiro Superior Geral dos Jesuítas, ordenou-lhe receber o sacerdócio, o que se deu em 1567, e o nomeou mestre de noviços, apesar de ainda estar cursando filosofia. Sua prudência e profundo bom senso supriram a falta de formação para o cargo. Professou solenemente em 1570, e se dedicou ao apostolado em Nápoles; inicialmente em uma Congregação de Nobres, depois com os rapazes da rua, no ensino do catecismo nos hospitais, prisões e galeras.
Apóstolo de Lecce
Os superiores o enviaram em 1574 a Lecce, na Apúlia, costa do Adriático, para estudar a possibilidade de estabelecer ali uma casa e um colégio jesuíta. O povo o acolheu calorosamente e secundou seus propósitos. Essa cidade — velha de mais de dois mil anos, e localizada quase no calcanhar da ‘bota italiana’, fora fundada pelos Messápios, tendo sido ao longo dos anos parte dos impérios Romano, Bizantino, Normando e Espanhol. É conhecida como a Florença do Sul, pela riqueza do estilo barroco em todo o centro histórico, realçando-se a Chiesa di Santa Croce (Igreja de Santa Cruz) e a Piazza del Duomo (Praça da Catedral). Possui também importantes ruínas da Roma Imperial, como o anfiteatro do século II d.C.
São Bernardino permaneceu 42 anos em Lecce, dedicando-se com prodigioso dinamismo a pregar, ouvir confissões, aconselhar o clero, visitar os doentes e os presidiários. Atendia também com irredutível paciência ricos e pobres, instruídos e ignorantes, ocupando-se de suas misérias e necessidades, de tal modo que lhe são atribuídos vários milagres ainda em vida.
Recebeu diversas vezes ordem de se mudar para Nápoles ou Roma, mas sempre que estava pronto para viajar, misteriosos acontecimentos o impediam, como uma repentina febre que exigiu repouso absoluto e o clima ameno da cidade. Seus superiores decidiram então deixá-lo em Lecce.
Fama que correu o mundo
Entre as obras de apostolado do Santo, talvez a sua predileta tenha sido a fundação de diversas Congregações Marianas, tanto para eclesiásticos como para nobres, comerciantes, artífices e estudantes. Em 1583 ele resolveu levar avante um sodalício, para incrementar no clero as virtudes sacerdotais e o estudo da teologia moral, a fim de que os sacerdotes pudessem tornar-se melhores confessores.
Possuidor dos dons da cura e do conselho, era muito solicitado como confessor. Continuou em Lecce até sua última doença, dando-se generosamente a todos que buscavam seu conselho. Formavam-se grandes filas diante do seu confessionário, tanto de gente simples quanto de sacerdotes, e até de príncipes. Sua fama era tão grande, que bispos, príncipes e cavalheiros iam àquela cidade ‘para ver o Santo’. O Papa Paulo V, o imperador Rodolfo II, o rei Henrique IV de França, os Duques da Baviera, Mântua, Parma e Modena, todos lhe escreviam pedindo orações.
São Roberto Belarmino não conhecia Bernardino, e quando o encontrou pôs-se de joelhos diante dele. Em seguida os dois se abraçaram, compreendendo cada um a santidade do outro.
Patrono ainda em vida
Uma queda grave sofrida em 1610 deixou-lhe duas feridas nas pernas, que nunca cicatrizaram. Não muito tempo antes de sua morte, coletou-se sangue de uma dessas feridas, colocando-o numa ampola. Depois de sua morte o sangue se liquefez, e permaneceu liquefeito até meados dos anos 1800, conforme registro.
A notícia do declínio de sua saúde, em junho de 1616, difundiu-se rapidamente. O povo se alarmou, e multidões se reuniram diante do colégio jesuíta, todos querendo oscular as mãos do moribundo e tocar objetos religiosos em seu corpo.
Os magistrados de Lecce foram visitá-lo duas vezes para propor que, de forma oficial, aceitasse ser no Céu o padroeiro da cidade. Ele já não podia falar, mas aprovou com a cabeça o compromisso de continuar a proteger o povo de Lecce, de geração em geração. Com os olhos fixos no crucifixo, e murmurando “Gesù. Ó Madonna mia santissima”, entregou sua santa alma ao Criador, aos 86 anos de idade.
Quando São Roberto Belarmino teve notícia de sua morte, disse: “Eu nunca ouvi uma queixa sobre o Pe. Realino, não obstante ter sido seu provincial. Mesmo aqueles indispostos com a Sociedade [de Jesus], e que aproveitavam toda oportunidade para falar desfavoravelmente dela, sempre fizeram exceção para Realino. […] Todo mundo sabe que ele é um santo”.
O Pe. Bernardino Realino foi beatificado por Leão XIII em 1895, e canonizado por Pio XII em 1947 juntamente com o Pe. João de Brito. No dia 5 de dezembro de 1947, Pio XII confirmou o desejo do povo da cidade, proclamando-o Santo Padroeiro de Lecce. Seus restos mortais repousam na Igreja de Gesù, em Lecce.
ABIM
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Fontes consultadas: