A Deputada Heloísa Apolónia, do Grupo Parlamentar Os Verdes, entregou na Assembleia da República uma pergunta em que questiona o Governo, através do Ministério do Ambiente sobre a necessidade de construção de uma nova ETAR entre Mira e Cantanhede, uma vez que a totalidade dos efluentes de Mira e uma grande percentagem dos efluentes de Cantanhede, nomeadamente efluentes industriais, estarem a ser encaminhados para o sistema das Águas do Centro Litoral (AdCL) e tratados na ETAR de Ílhavo, correspondendo estas afluências a cerca de 30% dos efluentes entrados na ETAR.
Pergunta:
Em março de 2018, após visita à Estação Elevatória das Cochadas (EEC) e reunião com associações ambientalistas, autarcas e proprietários que se queixam do atentado ambiental que está a ocorrer em Mira e Cantanhede, provocado pelas sucessivas descargas de efluentes sem o devido tratamento pela EEC, o Partido Ecologista Os Verdes questionou o Ministério do Ambiente através da Pergunta nº 1593/XIII/3ª.
Na resposta a essa Pergunta, o Governo refere que o sistema de recolha e drenagem de efluentes em Mira e Cantanhede funciona corretamente em condições climatéricas normais, todavia em «episódios de afluências anormais e indevidas do sistema, nomeadamente de origem freática ou pluvial nas redes em baixa, podem ocorrer descargas na Estação Elevatória».
Deste modo, adianta o Governo, não existe autorização ou licença para descargas de emergência e sublinha que estas só poderão ocorrer, excecionalmente, em caso de falha energética, afluências indevidas de caudais ou obstrução na rede. No entanto, a população tem transmitido ao PEV, e denunciado publicamente, que estas descargas ocorrem de forma ininterrupta mesmo que os níveis de precipitação sejam reduzidos ou nulos.
No passado mês de maio, Os Verdes em conjunto com as juntas de freguesia de Praia de Mira e da Tocha, associações e com a população, visitaram novamente a Estação Elevatória e o respetivo ponto de descarga, que foi, entretanto, transferido de uma pequena linha de água, junto à EEC para a Vala Real, a cerca de um quilómetro, constatando que mesmo sem pluviosidade a
EEC continua constantemente a rejeitar efluentes sem o devido tratamento para o domínio público hídrico, pondo em causa a qualidade ambiental, a saúde pública e algumas atividades económicas que dependem da boa qualidade da água da Vala Real, também designada de ribeira da Fervença.
As demais entidades, que o PEV ouviu na última visita à EEC, referiram que, tal como nesta, existem outros pontos da rede de saneamento em alta, sob a responsabilidade da empresa Águas do Centro Litoral (AdCL), que estão igualmente a rejeitar efluentes sem o devido tratamento para os cursos de água de Mira e Cantanhede, comprometendo a qualidade das mesmas.
O Ministério do Ambiente, em abril, na resposta à pergunta dirigida pelo PEV, refere que a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e a AdCL se encontram a implementar medidas com vista a minimizar os problemas associados às referidas descargas. Das ações concluídas resultou um aumento da capacidade de bombagem do sistema elevatório em cerca de 20% e a deslocalização da descarga de emergência da EE e que estas medidas, conjuntamente com a construção da nova ETAR de Mira/Cantanhede irão melhorar a qualidade de todas as massas de água, nomeadamente a Barrinha de Mira.
No entanto, a deslocalização da válvula de emergência, que de emergência pouco tem como se constata pelas descargas contínuas, de uma pequena linha de água, para a ribeira da Fervença, em vez de minimizar, teve como principal objetivo esconder o problema, transferindo-o para um local de difícil acesso e visibilidade, continuando a poluir os cursos de água a jusante.
Por outro lado, apesar da execução da empreitada que deveria representar um aumento da capacidade de bombagem do "Intercetor Sul" na ordem dos 20%, as autarquias, nomeadamente o município de Cantanhede, queixam-se de não ter havido uma evolução positiva mantendo-se a mesma situação, independentemente de haver mais ou menos precipitação.
No que concerne à construção de uma ETAR entre Mira e Cantanhede, o Governo referiu que esta já se encontra em fase de projeto. A própria AdCL, responsável pelo saneamento em alta, adiantou, em março, que seria lançado o seu concurso no final de maio. Não obstante esse anúncio, na reunião dos Verdes com o município de Cantanhede, no passado dia 28 de maio, foi percetível que a localização e tipo / características da ETAR, não são consensuais e levantam muitas dúvidas, de tal forma que a decisão sobre a ETAR aparenta ainda não ter sido tomada.
Foi referido pelas autarquias que a AdCL pretende implementar a ETAR com tratamento secundário na freguesia da Tocha, limítrofe ao concelho de Mira, numa área que integra a Rede Natura 2000 (Sítio Dunas de Mira, Gândara e Gafanhas) bastante sensível com solos muito permeáveis, que permitiriam, segundo foi adiantado, as descargas por infiltração no solo, sendo que esta infraestrutura necessitaria de mais de uma dezena de hectares para o seu funcionamento. As descargas por infiltração levantam muitas objeções, devido à sensibilidade dos solos e pelo facto desta rejeição de efluentes nunca ter sido testada em outras infraestruturas e locais.
A ETAR está ainda em "banho maria" e, na melhor das hipóteses, a sua construção demorará dois anos após o início das obras, sendo necessárias novas medidas adicionais para travar este atentado ambiental que está a afetar a biodiversidade, a saúde pública e as atividades económicas.
Atualmente, a totalidade dos efluentes de Mira e uma grande percentagem dos efluentes de Cantanhede, nomeadamente efluentes industriais, estão a ser encaminhados para o sistema da AdCL e tratados na ETAR de Ílhavo, correspondendo estas afluências a cerca de 30% dos efluentes entrados na ETAR.
Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, solicito ao Senhor Presidente da Assembleia da República que remeta ao Governo a seguinte Pergunta, para que o Ministério do Ambiente possa prestar os seguintes esclarecimentos:
1- O Governo tem conhecimento do projeto da ETAR, a construir na freguesia da Tocha (Cantanhede) pela Águas do Centro Litoral?
2- Já está definida a localização concreta desta ETAR? Qual a área necessária para a sua implementação?
3- O Ministério do Ambiente confirma que as descargas da nova ETAR serão por infiltração no solo? Este tipo de descargas não poderá causar impactos extremamente negativos, uma vez que esta solução nunca foi testada?
4- Esta ETAR não deveria ter tratamento terciário, devido à sensibilidade da área onde se insere?
5- Considerando a sensibilidade do território, em particular devido aos seus terrenos arenosos, e o facto desta área estar integrada na Rede Natura 2000, está previsto alguma Avaliação de Impacte Ambiental deste projeto?
6- Considerando que no melhor dos cenários só daqui a dois anos a ETAR de Mira/Cantanhede entrará em funcionamento, que medidas efetivamente serão tomadas para travar o atentado ambiental que está a ocorrer em Mira e Cantanhede?