O primeiro é de António Barreto e saiu no Diário de Notícias este domingo: Elegia para a Europa. É um texto que traduz a nostalgia de uma Europa que já não existe, ou que está em vias de desaparecer, a Europa em que o autor viveu, estudou, viajou, conheceu, uma Europa “sonho, projecto, história ou esperança” e que hoje desaparece. A previsão sobre o que nos vai acontecer é sombria: “Depois de um período longo em que a democracia europeia não soube ou não quis defender-se, nem prevenir com energia e sem contemplação, a Europa prepara-se para uma inevitável campanha punitiva em larga escala, com a qual o espírito europeu se perderá. As autoridades democráticas europeias tiveram até agora receio da sua própria força e da sua razão. Deixaram-se aprisionar pelas esquerdas covardes que não se importaram de alimentar as direitas xenófobas. Esta Europa está hoje quase incapaz de reagir ou conter o terrorismo. Se a Europa reage em força, como deveria ser, muda a sua história e o seu destino e nós perdemos. Se a Europa não reage, acaba com a sua história, muda de destino e nós perdemos. Estamos condenados a um estranho futuro: uma Europa onde, para evitar o inferno, vamos ter de viver com o diabo!”
O segundo é de João Carlos Espada e foi publicado hoje no Observador: Sinais de erosão do consenso democrático na América. Inserido numa série que o autor está a dedicar a livros de férias, esta crónica centra-se numa realidade porventura tão inquietante como o sucesso da candidature de Trump, pois aqui estamos a falar do número decrescente de Americanos que consideram que a democracia é importante. Citando um artigo saído no Journal Of Democracy, nota-se que “Nos EUA, 72% das pessoas nascidas antes da II Guerra dão o valor máximo (10, numa escala de 1 a 10) a “viver numa democracia”. Mas, quando se passa para os chamados “millenials” (pessoas nascidas depois de 1980), os valores caiem abruptamente: apenas 30% dão valor máximo a “viver numa democracia”. Não se trata de um fenómeno relacionado com a idade, argumentam os autores. Em 1995, apenas 16% dos americanos nascidos na década de 1970 acreditavam que a democracia era um “mau sistema político” para o seu país. Em 2011, essa percentagem subia para 24% entre os “millenials” (nascidos depois de 1980, portanto em idades semelhantes aos do grupo anterior medido em 1995).” Há mais dados como este no artigo, todos reforçando o ponto de que “Estudos de opinião internacionais têm vindo a registar um efectivo declínio recente do apoio à democracia ocidental — antes de mais nas próprias democracias ocidentais e até nos Estados Unidos.”
(Vale a pena consultar o artigo a edição de Julho do Journal of Democracy, escrito pelos politólogos Roberto Stefan Foa, investigador principal de World Values Survey, e Yascha Mounk, de Harvard: The Democratic Disconnect. Destaco esta passagem: “Democracies do not die overnight, nor do democracies that have begun to deconsolidate necessarily fail. But we suspect that the degree of democratic consolidation is one of the most important factors in determining the likelihood of democratic breakdown. In a world where most citizens fervently support democracy, where antisystem parties are marginal or nonexistent, and where major political forces respect the rules of the political game, democratic breakdown is extremely unlikely. It is no longer certain, however, that this is the world we live in.”)
O terceiro artigo que queria referir é o de Henrique Raposo no Expresso de sábado passado: Vocês merecem perder (paywall). No seu estilo muito próprio, o cronista escreve-nos a partir do ponto de vista de um islamista. O que não o impede de colocar o dedo nalgumas daquelas feridas para que não queremos olhar. Por exemplo: “Meu caro, já reparou naquilo que o rodeia? Seja honesto, por favor, e esqueça que está a falar com o “maléfico islamita” da narrativa que o apascenta. Já reparou que faz parte de uma sociedade sem crianças? A maioria dos europeus é como Trump, não tolera choro de crianças. No café, na rua, no parque, no restaurante, até nas igrejas, fazem questão de mostrar que os bebés não são bem-vindos. Ter lhos deixou de ser um dever numa sociedade centrada no seu umbigo, no seu iPhone, nos seus festivais, nas suas viagens, nas suas relaçõezinhas de amor líquido que não duram nem um mês (…). Se não têm crianças, se recusam qualquer sacrifício em prol da renovação das gerações, também é verdade que desprezam os mais velhos.”
Admito que estas palavras incomodem, ou que não se concorde com elas, ou que se aponte algum exagero. Mas o conjunto destes textos é que chamou a atenção do Macroscópio de hoje, no qual não se procuram, nem se tentam dar, grandes respostas. Por isso deixo mais três sugestões de leituras complementares, todas centradas no difícil tema da nossa relação com o Islão, a sua cultura, as suas tradições e as suas diferentes realidades:
- The Tragedy of Modernity in the Middle East, um pequeno ensaio de Jonathan P. Berkey na The American Interest. O texto parte de um livro recente, Holy Lands: Reviving Pluralism in the Middle East, Nicolas Pelham, e termina com uma interrogação: “Can religion serve once again in the modern Middle East as the foundation for a meaningful pluralism as it did in the premodern Middle East? That is the question raised by this important book. Any answer will have to acknowledge that religion, as a category of human self-identification and experience, is an unstable category. Religions change and manifest themselves simultaneously in different ways. The Islamic State is self-consciously Islamic, but it is no more representative of Islam than is the Ku Klux Klan of Christianity. It is less a throwback to medieval Islam than it is a mutant product of the modern world. The real issue is whether modernity itself can create space for the comfortable accommodation of cultural differences. Modernity was supposed to be a virtual synonym for progress, but somehow that’s not how things have turned out in the Middle East.”
- Syria’s warlords were nobodies. Now they are rich men with sex slaves, um trabalho de Paul Wood, antigo correspondente da BBC, na Spectator onde se mostra que, naquele país dilacerado pela Guerra civil, os vilões não são apenas os que se juntam ao Daesh. Na verdade, “Syria’s agony will go on, not just because of big power politics but, more importantly, because so many rebel leaders had nothing — were nothing — before the war and now have everything. One brigade commander made bricks in the sun for a living and now drives a BMW. Two Yazidi sisters told me that the ‘emir’ who bought them as sex slaves had been the village odd job man, who used to beg their father for work. The emir who captured the Kurdish journalist may have ended up in jail, but there are many more like him, for whom war is a business. And business is good.”
- Europe’s Terror Subsidies, um editorial do Wall Street Journal onde se chama a atenção para o facto de alguns dos terroristas que, nos últimos meses, atacaram em diferentes pontos da Europa terem beneficiado durante anos de subsídios ao abrigo das regras do nosso Estado Social. O ponto de partida é uma investigação do jornal, Terrorist Suspects in Europe Got Welfare Benefits While Plotting Attacks, realizada por dois dos seus reporters, Mark Maremont e Valentina Pop, reportagem essa que levou os editorialistas daquele jornal nova-iorquino a notarem: “The accounts in the Journal’s story make clear how a perverse combination of Europe’s compulsion to provide welfare, its sprawling bureaucracies and determined terrorists have left these civilized nations vulnerable to mass slaughters. Europe’s existing political leadership needs to admit and address these realities or default to an extended era of random violence. That’s not a cheerful conclusion, but no one in Europe leadership can claim they don’t understand what is happening to them.”
E por aqui me fico, pedindo desculpa por partilhar estes pensamentos menos optimistas nestes dias de Verão e de férias. Mas não fico por aqui, também partilho as palavras de Telma Monteiro depois de ganhar a medalha de bronze nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, pois são palavras fortes: “Lutei com tudo o que tinha, mas acreditei que, se estava aqui, era para fazer história pelo meu país. Deus sabe tudo. Quando queremos, é na hora que nós queremos, é no dia que nós queremos. Digo isto a todas as crianças que me estão a ver: vale a pena lutarmos pelos nossos sonhos”.
Bom descanso, sobretudo se estiverem de férias, e boas leituras.
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