O Profeta Natã (à dir.), adverte o Rei David. Pintura (1672) de Matthias Scheits (1630–1700).
Um dos maiores sofrimentos que se pode ter nesta vida é o de sentir a consciência oprimida pelo peso dos pecados, sem ter consolação. Essa angústia é assim descrita no Salmo 37 pelo Real Profeta: “Vossa cólera nada poupou em minha carne, por causa de meu pecado nada há de intato nos meus ossos. Porque minhas culpas se elevaram acima de minha cabeça, como pesado fardo me oprimem em demasia. […] Ao extremo enfraquecido e alquebrado, agitado o coração, lanço gritos lancinantes” (Sl 37, 4-5-9).
O que levou David, o “ungido do Senhor”, a proferir tão lancinantes palavras de dor? Foi quando sentiu a mão do Deus todo-poderoso abater-se sobre ele por causa de um duplo crime.
Ociosidade e queda
No auge de sua glória, o Rei Profeta, em uma de suas campanhas contra os amonitas, em vez de ir como sempre comandar suas tropas, enviou o general Joab em seu lugar, permanecendo ocioso em Jerusalém. Ora, como a ociosidade é mãe de todos os vícios, ele passeava despreocupadamente pelo terraço de seu palácio, quando viu no terraço de uma casa próxima uma formosa mulher, Betsabé, que se banhava. Tendo a paixão subido a seu coração, mandou buscá-la e com ela pecou, mesmo sabendo que era esposa de um suboficial que no momento expunha sua vida por ele na guerra.
Ora, Betsabé concebeu, e mandou avisar o rei. Este, para dissimular as coisas, sob o pretexto de lhe pedir informações do campo de batalha, mandou que o marido voltasse da guerra, a fim de assim coabitar com ela e salvar as aparências. Mas o bravo guerreiro não quis o conforto do lar enquanto seus companheiros passavam os perigos e as privações da guerra. Permaneceu no átrio do palácio com outros soldados, sem ir ter com a esposa.
A paixão cega. O até então justíssimo David não encontrou outra saída senão mandar que Urias, esse suboficial dedicado, fosse colocado no lugar mais perigoso da batalha, onde certamente pereceria. Foi o que sucedeu, e David tomou então Betsabé por esposa.
Isso irritou o Senhor Deus das Vinganças, que enviou o profeta Natã diante do rei, para o increpar pelo duplo crime, apesar de tantos benefícios a ele concedidos pelo Criador. Dando-se conta do pecado cometido e tocado pela graça, David caiu de joelhos, clamando: “Pequei contra o Senhor”. Natã responde-lhe que ele fora perdoado, mas que, como punição, o filho desse adultério morreria (cfr. II Samuel, capítulos 11 e 12.)
Vestido então de saco, em jejum e prosternado no solo, David rezou do mais íntimo do coração: “Do fundo do abismo, clamo a Vós, Senhor. Senhor, ouvi minha oração. Que vossos ouvidos estejam atentos à voz de minha súplica. Se tiverdes em conta nossos pecados, Senhor, Senhor, quem poderá subsistir diante de Vós?” Não, isso não acontecerá porque “em Vós se encontra o perdão dos pecados, para que, reverentes, Vos sirvamos. Ponho a minha esperança no Senhor. Minha alma tem confiança em sua palavra” (Salmo 129, 1-5). E Deus lhe foi benigno: “Procurei o Senhor e Ele me atendeu, livrou-me de todos os temores” (Salmo 33, 5). Por isso, exclama: “Feliz aquele cuja iniquidade foi perdoada, cujo pecado foi absolvido” (Salmo 31, 1).
Nesse simples relato bíblico estão descritos em poucas e inspiradas palavras o alívio e a alegria verdadeiramente sobrenaturais que uma alma experimenta depois de uma boa confissão e de receber a absolvição de seus pecados.
“O poder de perdoar os pecados”
O Divino Redentor concedeu em várias ocasiões aos Apóstolos o poder de perdoar os pecados. Primeiramente a São Pedro, quando o instituiu o chefe da Igreja: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus” (Mt 16, 18-19). Um pouco mais tarde, Ele repetia essas mesmas palavras aos Apóstolos (Mt 18, 18).
Entretanto, Nosso Senhor foi muito mais explícito quando, aparecendo aos Apóstolos reunidos no Cenáculo logo depois da Ressurreição, disse: “Como o Pai me enviou, assim também Eu vos envio a vós”. Depois dessas palavras, soprou sobre eles, dizendo-lhes: “Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos” (Jo 20, 21-23).
Portanto, está claro, por essas palavras do Divino Redentor, que os Apóstolos receberam o poder de perdoar os pecados. Mas não se tratou de uma prerrogativa pessoal, que desapareceria com suas mortes. Era um poder que lhes era conferido enquanto investidos de uma função oficial e, portanto, como uma instituição permanente na Igreja, não menos permanente que a missão de ensinar e de batizar todas as nações.
Em sua omnisciência, o Filho de Deus sabia que mesmo entre aqueles que receberam a Fé e o Batismo, muitos cairiam em pecado, tanto durante a vida dos Apóstolos como depois. Logo, necessitariam o perdão para serem salvos. O Divino Mestre teve portanto a intenção de que esse poder fosse transmitido pelos Apóstolos a seus sucessores, enquanto houvesse pecadores na Igreja. Quer dizer, até a consumação dos séculos, pois infelizmente isso ocorreria com os fiéis, mesmo depois de regenerados pelo Batismo, aperfeiçoados pelo sacramento da Crisma e alimentados pelo Corpo e Sangue de Cristo. Faz parte da humana fraqueza.
Em seu estudo O Sacramento da Penitência, no qual muito nos baseamos, o Pe. Edward J. Hanna argumenta que Nosso Senhor, nas palavras do Evangelho de São João (Jo 20,21-23) acima citadas, “reitera nos termos mais simples — ‘pecados’, ‘perdoar’, ‘reter’ — o que Ele tinha dito previamente em linguagem figurativa ‘ligar’ e ‘desligar’, de maneira que esse texto especifica e distintamente aplica ao pecado o poder de ligar e desligar”. Ora, prossegue o Pe. Hanna, Cristo concede-lhes esse poder “declarando que a missão dos Apóstolos é semelhante à que Ele tinha recebido do Padre e que Ele tinha cumprido: ‘Como o Pai me enviou…’. Assim, está fora de dúvida que Ele veio ao mundo para destruir o pecado, e que em várias ocasiões (Mt 9, 2-8; Lc 5, 20; 7,47; Ap 1, 5), explicitamente perdoou os pecados. Em consequência, perdoar os pecados deve ser também incluído na missão dos Apóstolos”.
Respondendo à objeção dos escribas de que “só Deus pode perdoar os pecados”, Ele dissera: “Que é mais fácil dizer ao paralítico: ‘Os pecados te são perdoados’, ou dizer: ‘Levanta-te, toma o teu leito e anda?’. Ora, para que conheçais o poder concedido ao Filho do Homem sobre a Terra, disse ao paralítico: ‘Eu te ordeno, levanta-te, toma o teu leito e vai para casa’” (Mc 2, 5-11; Mt 9, 2-7).
Nosso Senhor operou um milagre para mostrar que tinha poder de perdoar os pecados, e que esse poder podia ser exercido não somente no Céu, mas também na Terra. E foi essa prerrogativa que Ele transmitiu a São Pedro e aos outros Apóstolos.
Os protestantes e a confissão
Esse sublime poder recebido pelos Apóstolos de perdoar os pecados foi negado pelos protestantes, os quais “afirmam que penitência [ou confissão] era somente uma espécie de repetição do batismo; e, como [para eles] o batismo não efetua um real perdão do pecado, mas só uma
[espécie de]
cobertura do mesmo (o que se dá) somente através da fé, do mesmo modo, alegam, deve ser o caso com a penitência”. Assim, para eles, “a confissão é um sacramento supérfluo; ‘[pois] a absolvição é somente uma declaração de que o pecado é perdoado por meio da fé, e a satisfação é desnecessária, porque Cristo satisfez uma vez por todas por todos os homens’. Esta foi a primeira e generalizada negação radical do Sacramento da Penitência”, diz o Pe. Hanna. Uma falsa doutrina refutada e condenada pelo Concílio de Trento.
A proposição de Lutero — que foi mais longe ainda, ao afirmar que desse modo “qualquer cristão, mesmo uma mulher ou criança”, poderia dar a absolvição dos pecados na ausência de um sacerdote tanto quanto o faria um Papa ou um Bispo — foi condenada em 1520 pelo Papa Leão X na Bula Exsurge Domine e pelo Concílio de Trento (sessão XIV, c. 6.).
Cabe aos eclesiásticos ouvir confissões
Esse sublime Sacramento da Penitência ou Confissão, instituído pelo próprio Nosso Senhor Jesus Cristo, é exercido pelo Bispo ou pelo padre devidamente autorizado.
O fato de um sacerdote ter sido validamente ordenado não significa que ele esteja capacitado para ouvir confissões e perdoar os pecados. Pelo sacramento da Ordem ele tem poder para tal, mas não pode exercê-lo sem ter sido autorizado pelo bispo. Essa autorização é chamada faculdade.
É o que dispõe o Código de Direito Canônico: “Cân. 966, §1: Para a absolvição válida dos pecados, requer-se que o ministro, além do poder de Ordem, possua a faculdade de o exercer sobre os fiéis a quem concede a absolvição”.
A Santa Igreja dispõe que, num caso de perigo de morte, qualquer sacerdote, mesmo que não tenha licença do bispo, pode dar a absolvição a um moribundo, porque em semelhante circunstância a Igreja supre essa lacuna.
Ainda de acordo com as prescrições do Código, um sacerdote incardinado em determinada Diocese, e lá tendo faculdade de absolver dada pelo Bispo, pode ouvir confissões válida e licitamente em território de outra diocese, a não ser que o Ordinário local se oponha em algum caso particular (cfr. cân. 967 – § 2). Na prática, qualquer sacerdote autorizado a ouvir confissões pode fazê-lo por toda parte.
Antigamente, antes de ser autorizado a ouvir confissões, o sacerdote recém-ordenado costumava fazer um curso de Moral, para se tornar mais apto a exercer esse ministério. Hoje em dia praticamente qualquer sacerdote, pouco depois de sua ordenação, já recebe autorização para isso.
É preciso dizer que, como foi estabelecido pelo Concílio de Trento e se tornou o segundo Mandamento da Igreja, todo aquele que atingiu a idade da razão (normalmente os 7 anos de idade) deve se confessar ao menos uma vez por ano; e o terceiro Mandamento estipula que esse fiel deve comungar ao menos pela Páscoa da Ressurreição.
A confissão é feita a Deus na pessoa do padre
Entretanto, o que afasta muitos da confissão, é alegar a humilhação de ter que dizer com detalhes, a um outro homem como ele, todos os seus mais íntimos pecados. Não bastaria a pessoa dizer que se arrepende, sem ter que entrar em minúcias?
Dom Duarte Leopoldo e Silva desfaz esse erro em sua insuperável Concordância dos Santos Evangelhos. Diz ele que, para que o sacerdote possa perdoar os pecados, é necessário conhecer as disposições de cada um, que agrava ou atenua a falta cometida. Ora, “para que eles possam julgar dessas disposições, é necessário conhecê-las, e daí a necessidade da confissão”.
Entretanto, “também não basta uma confissão qualquer, em termos vagos e gerais, porque os Apóstolos têm que se pronunciar sobre cada um dos pecados a fim de julgá-los, de perdoá-los ou não, sempre conforme com as disposições do penitente”. Isso porque, “para pronunciar uma sentença de vida ou de morte, o juiz deve conhecer primeiramente a natureza do crime cometido, avaliar as circunstâncias agravantes ou atenuantes, ouvir as testemunhas, e depois decidir conforme a Justiça. Ora, só o pecador conhece a natureza da sua falta com todas as suas circunstâncias, é ele a única testemunha digna de fé, porque fala de si mesmo. Portanto, deve ser, ao mesmo tempo, réu, acusador e testemunha, confessando-se ao juiz para dele receber a sua sentença”.
Conclui o ilustre Arcebispo: “A confissão é, pois, um tribunal de misericórdia infinita e de tanta bondade que, mesmo quando o juiz não pode absolver por faltarem ao réu as condições indispensáveis para o perdão, despede-o com uma bênção, a fim de reanimar a sua coragem, e dispô-lo a receber oportunamente as misericórdias de Deus”.
Ademais, o penitente deve ter presente que não é o sacerdote quem perdoa o pecador no sacramento da confissão. Ele simplesmente empresta sua voz a Jesus Cristo.
Além disso, o sacerdote está obrigado, pelo sigilo sacramental, a guardar como segredo inviolável o que ouvir em confissão. Isso mesmo com o risco da própria vida ou bom nome, para salvar a vida de um outro, se intimado pela justiça ou mesmo para evitar qualquer calamidade pública. Ele não pode revelar algo ouvido em confissão, nem direta, nem indiretamente, isto é, por algum sinal ou ação, ou dando informação baseada no que conheceu na confissão. A única exceção possível é quando ele tem a permissão do próprio penitente de revelar algo que lhe disse em confissão. Sem ela, a violação do segredo da confissão seria não apenas um grave pecado, mas um sacrilégio. O sacerdote prevaricador, como dispunha o Concílio de Latrão, deveria ser deposto de seu caráter sacerdotal, podendo ser sujeito a uma perpétua penitência (outrora, encerrado num mosteiro).
Efeitos de uma confissão na alma do penitente
Os efeitos da boa confissão na alma do penitente verdadeiramente compungido, de acordo com o Terceiro Catecismo, é que ela “confere à alma a graça santificante com a qual são perdoados os pecados mortais e também os veniais que se confessaram e de que haja arrependido; comuta a pena eterna em temporal, da qual também é perdoada uma parte maior ou menor, conforme as disposições do penitente; faz reviver o merecimento das boas obras feitas antes de se cometer o pecado mortal; dá à alma auxílios oportunos para que não recaia no pecado, e lhe restitui a paz de consciência”.
Isso tudo é tão sublime, que não se pode senão ter certeza absoluta de que foi instituído pelo próprio Nosso Senhor para salvar os pecadores. Observa-se também que um dos frutos secundários, mas psicologicamente importante da confissão é, como diz o Catecismo, que ela “restitui a paz de consciência” para a pessoa atribulada.
Para concluir, seguindo São Tomás de Aquino, os teólogos dão as dezesseis qualidades que recomendam para uma perfeita acusação dos pecados: a “Confissão deve ser simples, humilde, pura, fiel, frequente, clara, discreta, voluntária, sem discussão, integral, secreta, com dor, pronta, forte, acusando e disposto a obedecer”.
ABIM