segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Macroscópio – A humildade necessária para olhar para o outro lado da estrada

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!
 
Hoje esta newsletter terá menos sugestões de leitura do que o habitual. E com o que julgo ser uma boa razão: alguns dos textos merecem mesmo ser lidos, os meis leitores não devem ficar pela breve síntese que deles aqui apresentarei.
 
De novo a preocupação será tentar compreender. E compreender começa por saber ouvir o outro lado, como nota Henrique Raposo na sua crónica desta semana no Expresso, Barbárie 2.0 (paywall). Aí reflecte sobre uma constante dos temos que vivemos, o nem sequer sermos capazes de ouvir os outros, os que têm outra ideias. Partindo de um programa de televisão, sublinha que “O contraste entre 1998 e 2016 é total. Seguindo a cultura do Twitter e do Facebook, as pessoas hoje só sabem fazer duas coisas: diabolizar ou gozar com o adversário; o outro lado ou é um mal absoluto que deve ser erradicado ou é uma horda de tontos que deve ser caricaturada. Perdeu-se a capacidade para “compreender”, que não é o mesmo que “apoiar”.”
 
Este ambiente é uma das componentes de O mundo que criámos, para retomar o título da coluna deste domingo de António Barreto no Diário de Notícias, onde chega a uma triste conclusão: “Populistas, nacionalistas, reaccionários, comunistas e revolucionários: criámos os espectros que nos ameaçam. Ou deixámos criar.” Como sucedeu isso? A lista é longa, o autor procura ser exaustivo, pelo que dela só cito esta passagem: “Fomos brandos perante ideias nefastas. A noção de que a identidade nacional é fantasia reaccionária. A certeza de que a igualdade é fonte de liberdade. A crença de que o sistema democrático gera sempre a liberdade. A convicção de que basta querer para que um pobre e um desempregado deixem de o ser. A certeza contrária: se um pobre e um desempregado são o que são, é por culpa da sociedade.
 
Servem estes dois texto de introdução ao primeiro prato forte de hoje, um ensaio de Joan C. Williams publicado na Harvard Business Review logo a seguir à eleições americanas: What So Many People Don’t Get About the U.S. Working Class. Este texto é um murro no estômago e suponho que matéria bem indigesta para quem apenas procura confirmar as suas ideias, não está aberto a sequer considerar as ideias alheias. A autora até admite que “Saying this [já vamos ver o quê] is so unpopular that I risk making myself a pariah among my friends on the left coast.” Na verdade quase tudo o que se refere no texto é anátema para a forma de pensar dominante nos círculos da elite da Costa Leste. Como isto, por exemplo: “National debates about policing are fueling class tensions today in precisely the same way they did in the 1970s, when college kids derided policemen as “pigs.” This is a recipe for class conflict. Being in the police is one of the few good jobs open to Americans without a college education. Police get solid wages, great benefits, and a respected place in their communities. For elites to write them off as racists is a telling example of how, although race- and sex-based insults are no longer acceptable in polite society, class-based insults still are.” Isto e muito mais, até porque esta investigadora tem falado para muitas plateias e sabe bem como muitas vezes o que diz cai (ou caía) em orelhas moucas, como conta ao recordar o que se passou no fim de uma das suas palestras em Harvard: “The woman who ran the speaker series, a major Democratic operative, liked my talk. “You are saying exactly what the Democrats need to hear,” she mused, “and they’ll never listen.” I hope now they will.
 
Ora a surdez não se faz apenas de recusa em ouvir – passa também pela desqualificação do adversário ao ponto de nem sequer o procurar entender. Isso acaba quase sempre numa subestimação das suas capacidades. Hoje, que as eleições já passaram e já foram ganhas por Donald Trump, começamos finalmente a ouvir falar, e a dar mais atenção, à chamada Alt-Right, ou Direita Alternativa, um movimento que tinha muitos operacionais na campanha do magnate e que agora colocou algumas das suas figuras – como Steve Bannon – nos lugares de mais relevo da nova Administração. Já falámos dele no Observador – Quem é Steve Bannon, o “homem forte” do governo de Trump? – tal como também já desenvolvemos um pouco a apresentação desta nova corrente política em Alt-Right. Os radicais que Trump leva para o poder, onde também apresentamos mais duas das suas figuras mais controversas, Richard Spencer e Milo Yiannopoulos.
 
Penso contudo que é necessário ir mais longe, e por isso recomendo a leitura de uma entrevista de Michael Wolff na Hollywood Reporter: Ringside With Steve Bannon at Trump Tower as the President-Elect's Strategist Plots "An Entirely New Political Movement". AÍ Bannon apresenta-se – "I'm not a white nationalist, I'm a nationalist. I'm an economic nationalist." – e elabora sem pudor sobre como conseguiu surpreender o extablishment:
"The media bubble is the ultimate symbol of what's wrong with this country," he continues. "It's just a circle of people talking to themselves who have no f—ing idea what's going on. If The New York Times didn't exist, CNN and MSNBC would be a test pattern. The Huffington Post and everything else is predicated onThe New York Times. It's a closed circle of information from which Hillary Clinton got all her information — and her confidence. That was our opening."
 
Para romper com esta bolha é necessário ir ainda mais longe, até porque o pensamento deste filho de uma família humilde que conseguiu chegar a Harvard, depois à Goldman Sachs, depois à fortuna e à política, parece ser mais elaborado do que parece à primeira vista. E, ao mesmo tempo, mais contraditório, porventura mais incoerente. Em How Donald Trump’s chief strategist thinks about capitalism and Christianity, Joseph Sunde recupera no Acton Institute Power Blog partes da transcrição, realizada pelo BuzzFeed, de uma longa entrevista por Skyperealizada no quadro de uma conferência no Vaticano em 2014. Reparem nesta passagem, por exemplo: “General Electric and these major corporations that are in bed with the federal government are not what we’d consider free-enterprise capitalists. We’re backers of entrepreneurial capitalists. They’re not. They’re what we call corporatist. They want to have more and more monopolistic power and they’re doing that kind of convergence with big government. And so the fight here — and that’s why the media’s been very late to this party — but the fight you’re seeing is between entrepreneur capitalism (…) and the people like the corporatists.” Desconcertante, no mínimo.
 
Ora, infelizmente, ouvir é aquilo para que muitos não parecem preparados. Mesmo quando deviam ser os mais preparados para isso, como devia suceder com os jornalistas ou candidatos a jornalistas. É por isso imensamente perturbador o episódio relatado nesta coluna da Spectator: Trigger warning: students vote to ban ‘offensive’ newspapers at journalism school: “Although journalism is a competitive field, students at City University — which boasts one of the country’s top journalism departments — have today taken action to narrow the field further. Students have voted for a campus ban on the SunDaily Mail and Daily Express. Why? The student union has deemed the views expressed by these popular papers unacceptable — claiming their editorial lines fuel ‘fascism, racial tension and hatred in society’.
Mesmo achando eu detestáveis muitas das opções desses jornais, a verdade é que são os mais lidos no Reino Unidos e, sobretudo, os mais lidos pelas classes baixas. É por isso lamentável que estes estudantes mostrem um tal fanatismo em tudo contrário aos princípios quer da Universidade, quer da profissão de jornalista. Como notou um dos seus professores, “Students ought to realise that just because you disagree with a view, it doesn’t mean it should be banned. Journalism students in particular must understand that the best way to counter an argument is to debate it rather than use censorship to create an echo chamber.”
 
Termino por hoje com mais um texto ambicioso, uma entrevista no The Telegraph com um dos mais proeminentes cientistas políticos da actualidade, e que ajuda a arrumar ideias, mesmo sendo sombria no seu diagnóstico: It really is the end of the world as we know it… Ian Bremmer on the end of the Pax Americana, and what comes next (paiwall). O seu ponto de partida é que “The so-called ‘Pax Americana’ that delivered 70 years of peace and rising prosperity after the end of the Second World War has been fraying for over a decade as globalisation, the rise of China and the emergence of a revanchist Russia forces a re-ordering of global institutions. But 2016 has seen a dramatic acceleration in the unravelling of that old world order. The election of Donald Trump, the UK vote for Brexit and surging populist movements all over Europe has left fresh clouds of uncertainty hanging over the future of a Western-backed world.” Um dos seus pontos de chegada é o que encontramos nesta passagem do diálogo com o editor de assunto europeus daquele diário londrino:
What are the biggest centrifugal forces in world affairs at the moment, in your view?
1. Populism empowered by technology. A global phenomenon, but with particular traction in the US and Europe.
2. Erosion of the social safety net. Undermines the legitimacy of established institutions, particularly for centralized state governments.
3. The continued rise of China, along with its alternative economic rule set, principles and priorities.
4. The continued rise of Putin (and simultaneous decline of Russia), along with his alternative security rule set, principles and priorities. 

As placas tectónicas estão a mover-se e, como nos terramotos, é difícil prever onde ocorrerá o próximo abalo e qual a sua dimensão. Cabeça aberta, muita atenção, sobretudo muita humildade para ouvir mesmo o que pensamos ser o indizível.
 
Por hoje despeço-me com votos de que tenham boas leituras (ou guardem-nas para uma melhor oportunidade) e um reconfortante descanso.
 
PS. Quarta-feira, diz 23, o Observador (com o apoio da Fidelidade) organiza uma conferência no Museu do Oriente em Lisboa, pelas 18h, sob o mote “Para que a vida não pare”, com moderação de Laurinda Alves. Vai-se falar de como enfrentar os imprevistos que estão sempre a cruzar-se na nossa vida. E da força que nos faz ficar. E continuar. Por isso não podia deixar de convidar todos os leitores desta newsletter, que podem inscrever-se aqui, apesar de a entrada ser livre. 


 
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Alerta de tsunami após sismo de magnitude 7,3 no Japão

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Um violento sismo de magnitude 7,3 atingiu esta noite a costa do Japão, dando origem a um alerta de tsunami na zona de Fukushima.
O sismo ocorreu a uma profundidade de 10 quilómetros às 20.59 hora desta segunda-feira (hora de Portugal continental), segundo o registo do instituto geológico dos EUA (USGS).
Fonte: JN

Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

PREÂMBULO
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Os povos da Europa, estabelecendo entre si uma união cada vez mais estreita, decidiram partilhar um futuro de paz, assente em valores comuns.

Consciente do seu património espiritual e moral, a União baseia-se nos valores indivisíveis e universais da dignidade do ser humano, da liberdade, da igualdade e da solidariedade; assenta nos princípios da democracia e do Estado de Direito. Ao instituir a cidadania da União e ao criar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça, coloca o ser humano no cerne da sua acção.

A União contribui para a preservação e o desenvolvimento destes valores comuns, no respeito pela diversidade das culturas e das tradições dos povos da Europa, bem como da identidade nacional dos Estados-Membros e da organização dos seus poderes públicos aos níveis nacional, regional e local; procura promover um desenvolvimento equilibrado e duradouro e assegura a livre circulação das pessoas, dos bens, dos serviços e dos capitais, bem como a liberdade de estabelecimento.

Para o efeito, é necessário, conferindo-lhes maior visibilidade por meio de uma Carta, reforçar a protecção dos direitos fundamentais, à luz da evolução da sociedade, do progresso social e da evolução científica e tecnológica.

A presente Carta reafirma, no respeito pelas atribuições e competências da Comunidade e da União e na observância do princípio da subsidiariedade, os direitos que decorrem, nomeadamente, das tradições constitucionais e das obrigações internacionais comuns aos Estados-Membros, do Tratado da União Europeia e dos Tratados comunitários, da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, das Cartas Sociais aprovadas pela Comunidade e pelo Conselho da Europa, bem como da jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

O gozo destes direitos implica responsabilidades e deveres, tanto para com as outras pessoas individualmente consideradas, como para com a comunidade humana e as gerações futuras.

Assim sendo, a União reconhece os direitos, liberdades e princípios a seguir enunciados.

CAPÍTULO I 
DIGNIDADE

Artigo 1.º 
Dignidade do ser humano

A dignidade do ser humano é inviolável. Deve ser respeitada e protegida.

Artigo 2.º 
Direito à vida

1. Todas as pessoas têm direito à vida. 
2. Ninguém pode ser condenado à pena de morte, nem executado.


Artigo 3.º 
Direito à integridade do ser humano

1. Todas as pessoas têm direito ao respeito pela sua integridade física e mental. 
2. No domínio da medicina e da biologia, devem ser respeitados, designadamente: 
– o consentimento livre e esclarecido da pessoa, nos termos da lei, 
– a proibição das práticas eugénicas, nomeadamente das que têm por finalidade a selecção das pessoas, 
– a proibição de transformar o corpo humano ou as suas partes, enquanto tais, numa fonte de lucro, 
– a proibição da clonagem reprodutiva dos seres humanos.


Artigo 4.º 
Proibição da tortura e dos tratos ou penas desumanos ou degradantes

Ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas desumanos ou degradantes.

Artigo 5.º 
Proibição da escravidão e do trabalho forçado

1. Ninguém pode ser sujeito a escravidão nem a servidão. 
2. Ninguém pode ser constrangido a realizar trabalho forçado ou obrigatório. 
3. É proibido o tráfico de seres humanos.


CAPÍTULO II 
LIBERDADES

Artigo 6.º 
Direito à liberdade e à segurança

Todas as pessoas têm direito à liberdade e à segurança.

Artigo 7.º 
Respeito pela vida privada e familiar

Todas as pessoas têm direito ao respeito pela sua vida privada e familiar, pelo seu domicílio e pelas suas comunicações.

Artigo 8.º 
Protecção de dados pessoais

1. Todas as pessoas têm direito à protecção dos dados de carácter pessoal que lhes digam respeito. 
2. Esses dados devem ser objecto de um tratamento leal, para fins específicos e com o consentimento da pessoa interessada ou com outro fundamento legítimo previsto por lei. Todas as pessoas têm o direito de aceder aos dados coligidos que lhes digam respeito e de obter a respectiva rectificação. 
3. O cumprimento destas regras fica sujeito a fiscalização por parte de uma autoridade independente.


Artigo 9.º 
Direito de contrair casamento e de constituir família

O direito de contrair casamento e o direito de constituir família são garantidos pelas legislações nacionais que regem o respectivo exercício.

Artigo 10.º 
Liberdade de pensamento, de consciência e de religião

1. Todas as pessoas têm direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião. Este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, bem como a liberdade de manifestar a sua religião ou a sua convicção, individual ou colectivamente, em público ou em privado, através do culto, do ensino, de práticas e da celebração de ritos. 
2. O direito à objecção de consciência é reconhecido pelas legislações nacionais que regem o respectivo exercício.


Artigo 11.º 
Liberdade de expressão e de informação

1. Todas as pessoas têm direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber e de transmitir informações ou ideias, sem que possa haver ingerência de quaisquer poderes públicos e sem consideração de fronteiras. 
2. São respeitados a liberdade e o pluralismo dos meios de comunicação social.


Artigo 12.º 
Liberdade de reunião e de associação

1. Todas as pessoas têm direito à liberdade de reunião pacífica e à liberdade de associação a todos os níveis, nomeadamente nos domínios político, sindical e cívico, o que implica o direito de, com outrem, fundarem sindicatos e de neles se filiarem para a defesa dos seus interesses. 
2. Os partidos políticos ao nível da União contribuem para a expressão da vontade política dos cidadãos da União.


Artigo 13.º 
Liberdade das artes e das ciências

As artes e a investigação científica são livres. É respeitada a liberdade académica.

Artigo 14.º 
Direito à educação

1. Todas as pessoas têm direito à educação, bem como ao acesso à formação profissional e contínua. 
2. Este direito inclui a possibilidade de frequentar gratuitamente o ensino obrigatório. 
3. São respeitados, segundo as legislações nacionais que regem o respectivo exercício, a liberdade de criação de estabelecimentos de ensino, no respeito pelos princípios democráticos, e o direito dos pais de assegurarem a educação e o ensino dos filhos de acordo com as suas convicções religiosas, filosóficas e pedagógicas.


Artigo 15.º 
Liberdade profissional e direito de trabalhar

1. Todas as pessoas têm o direito de trabalhar e de exercer uma profissão livremente escolhida ou aceite. 
2. Todos os cidadãos da União têm a liberdade de procurar emprego, de trabalhar, de se estabelecer ou de prestar serviços em qualquer Estado-Membro. 
3. Os nacionais de países terceiros que sejam autorizados a trabalhar no território dos Estados-Membros têm direito a condições de trabalho equivalentes àquelas de que beneficiam os cidadãos da União.


Artigo 16.º 
Liberdade de empresa

É reconhecida a liberdade de empresa, de acordo com o direito comunitário e as legislações e práticas nacionais.

Artigo 17.º 
Direito de propriedade

1. Todas as pessoas têm o direito de fruir da propriedade dos seus bens legalmente adquiridos, de os utilizar, de dispor deles e de os transmitir em vida ou por morte. Ninguém pode ser privado da sua propriedade, excepto por razões de utilidade pública, nos casos e condições previstos por lei e mediante justa indemnização pela respectiva perda, em tempo útil. A utilização dos bens pode ser regulamentada por lei na medida do necessário ao interesse geral. 
2. É protegida a propriedade intelectual.


Artigo 18.º 
Direito de asilo

É garantido o direito de asilo, no quadro da Convenção de Genebra de 28 de Julho de 1951 e do Protocolo de 31 de Janeiro de 1967, relativos ao Estatuto dos Refugiados, e nos termos do Tratado que institui a Comunidade Europeia.

Artigo 19.º 
Protecção em caso de afastamento, expulsão ou extradição

1. São proibidas as expulsões colectivas. 
2. Ninguém pode ser afastado, expulso ou extraditado para um Estado onde corra sério risco de ser sujeito a pena de morte, a tortura ou a outros tratos ou penas desumanos ou degradantes.


CAPÍTULO III 
IGUALDADE

Artigo 20.º 
Igualdade perante a lei

Todas as pessoas são iguais perante a lei.

Artigo 21.º 
Não discriminação

1. É proibida a discriminação em razão, designadamente, do sexo, raça, cor ou origem étnica ou social, características genéticas, língua, religião ou convicções, opiniões políticas ou outras, pertença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento, deficiência, idade ou orientação sexual. 
2. No âmbito de aplicação do Tratado que institui a Comunidade Europeia e do Tratado da União Europeia, e sem prejuízo das disposições especiais destes Tratados, é proibida toda a discriminação em razão da nacionalidade.


Artigo 22.º 
Diversidade cultural, religiosa e linguística

A União respeita a diversidade cultural, religiosa e linguística.

Artigo 23.º 
Igualdade entre homens e mulheres

Deve ser garantida a igualdade entre homens e mulheres em todos os domínios, incluindo em matéria de emprego, trabalho e remuneração. 
O princípio da igualdade não obsta a que se mantenham ou adoptem medidas que prevejam regalias específicas a favor do sexo sub-representado.


Artigo 24.º 
Direitos das crianças

1. As crianças têm direito à protecção e aos cuidados necessários ao seu bem-estar. Podem exprimir livremente a sua opinião, que será tomada em consideração nos assuntos que lhes digam respeito, em função da sua idade e maturidade. 
2. Todos os actos relativos às crianças, quer praticados por entidades públicas, quer por instituições privadas, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança. 
3. Todas as crianças têm o direito de manter regularmente relações pessoais e contactos directos com ambos os progenitores, excepto se isso for contrário aos seus interesses.


Artigo 25.º 
Direitos das pessoas idosas

A União reconhece e respeita o direito das pessoas idosas a uma existência condigna e independente e à sua participação na vida social e cultural.

Artigo 26.º 
Integração das pessoas com deficiência

A União reconhece e respeita o direito das pessoas com deficiência a beneficiarem de medidas destinadas a assegurar a sua autonomia, a sua integração social e profissional e a sua participação na vida da comunidade.
 
CAPÍTULO IV 
SOLIDARIEDADE

Artigo 27.º 
Direito à informação e à consulta dos trabalhadores na empresa

Deve ser garantida aos níveis apropriados, aos trabalhadores ou aos seus representantes, a informação e consulta, em tempo útil, nos casos e nas condições previstos pelo direito comunitário e pelas legislações e práticas nacionais.

Artigo 28.º 
Direito de negociação e de acção colectiva

Os trabalhadores e as entidades patronais, ou as respectivas organizações, têm, de acordo com o direito comunitário e as legislações e práticas nacionais, o direito de negociar e de celebrar convenções colectivas, aos níveis apropriados, bem como de recorrer, em caso de conflito de interesses, a acções colectivas para a defesa dos seus interesses, incluindo a greve.

Artigo 29.º 
Direito de acesso aos serviços de emprego

Todas as pessoas têm direito de acesso gratuito a um serviço de emprego.

Artigo 30.º 
Protecção em caso de despedimento sem justa causa

Todos os trabalhadores têm direito a protecção contra os despedimentos sem justa causa, de acordo com o direito comunitário e as legislações e práticas nacionais.

Artigo 31.º 
Condições de trabalho justas e equitativas

1. Todos os trabalhadores têm direito a condições de trabalho saudáveis, seguras e dignas. 
2. Todos os trabalhadores têm direito a uma limitação da duração máxima do trabalho e a períodos de descanso diário e semanal, bem como a um período anual de férias pagas.


Artigo 32.º 
Proibição do trabalho infantil e protecção dos jovens no trabalho

É proibido o trabalho infantil. A idade mínima de admissão ao trabalho não pode ser inferior à idade em que cessa a escolaridade obrigatória, sem prejuízo de disposições mais favoráveis aos jovens e salvo derrogações bem delimitadas. 
Os jovens admitidos ao trabalho devem beneficiar de condições de trabalho adaptadas à sua idade e de uma protecção contra a exploração económica e contra todas as actividades susceptíveis de prejudicar a sua segurança, saúde ou desenvolvimento físico, mental, moral ou social, ou ainda de pôr em causa a sua educação.


Artigo 33.º 
Vida familiar e vida profissional

1. É assegurada a protecção da família nos planos jurídico, económico e social. 
2. A fim de poderem conciliar a vida familiar e a vida profissional, todas as pessoas têm direito a protecção contra o despedimento por motivos ligados à maternidade, bem como a uma licença por maternidade paga e a uma licença parental pelo nascimento ou adopção de um filho.


Artigo 34.º 
Segurança social e assistência social

1. A União reconhece e respeita o direito de acesso às prestações de segurança social e aos serviços sociais que concedem protecção em casos como a maternidade, doença, acidentes de trabalho, dependência ou velhice, bem como em caso de perda de emprego, de acordo com o direito comunitário e as legislações e práticas nacionais. 
2. Todas as pessoas que residam e que se desloquem legalmente no interior da União têm direito às prestações de segurança social e às regalias sociais nos termos do direito comunitário e das legislações e práticas nacionais. 
3. A fim de lutar contra a exclusão social e a pobreza, a União reconhece e respeita o direito a uma assistência social e a uma ajuda à habitação destinadas a assegurar uma existência condigna a todos aqueles que não disponham de recursos suficientes, de acordo com o direito comunitário e as legislações e práticas nacionais.


Artigo 35.º 
Protecção da saúde

Todas as pessoas têm o direito de aceder à prevenção em matéria de saúde e de beneficiar de cuidados médicos, de acordo com as legislações e práticas nacionais. Na definição e execução de todas as políticas e acções da União, será assegurado um elevado nível de protecção da saúde humana.

Artigo 36.º 
Acesso a serviços de interesse económico geral

A União reconhece e respeita o acesso a serviços de interesse económico geral tal como previsto nas legislações e práticas nacionais, de acordo com o Tratado que institui a Comunidade Europeia, a fim de promover a coesão social e territorial da União.

Artigo 37.º 
Protecção do ambiente

Todas as políticas da União devem integrar um elevado nível de protecção do ambiente e a melhoria da sua qualidade, e assegurá-los de acordo com o princípio do desenvolvimento sustentável.

Artigo 38.º 
Defesa dos consumidores

As políticas da União devem assegurar um elevado nível de defesa dos consumidores.
 
CAPÍTULO V 
CIDADANIA

Artigo 39.º 
Direito de eleger e de ser eleito nas eleições para o Parlamento Europeu

1. Todos os cidadãos da União gozam do direito de eleger e de ser eleitos para o Parlamento Europeu no Estado-Membro de residência, nas mesmas condições que os nacionais desse Estado. 
2. Os membros do Parlamento Europeu são eleitos por sufrágio universal directo, livre e secreto.


Artigo 40.º 
Direito de eleger e de ser eleito nas eleições municipais

Todos os cidadãos da União gozam do direito de eleger e de ser eleitos nas eleições municipais do Estado-Membro de residência, nas mesmas condições que os nacionais desse Estado.

Artigo 41.º 
Direito a uma boa administração

1. Todas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas Instituições e órgãos da União de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável. 
2. Este direito compreende, nomeadamente: 
– o direito de qualquer pessoa a ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada qualquer medida individual que a afecte desfavoravelmente; 
– o direito de qualquer pessoa a ter acesso aos processos que se lhe refiram, no respeito dos legítimos interesses da confidencialidade e do segredo profissional e comercial;
– a obrigação, por parte da administração, de fundamentar as suas decisões. 
3. Todas as pessoas têm direito à reparação, por parte da Comunidade, dos danos causados pelas suas Instituições ou pelos seus agentes no exercício das respectivas funções, de acordo com os princípios gerais comuns às legislações dos Estados-Membros. 
4. Todas as pessoas têm a possibilidade de se dirigir às Instituições da União numa das línguas oficiais dos Tratados, devendo obter uma resposta na mesma língua.


Artigo 42.º 
Direito de acesso aos documentos

Qualquer cidadão da União, bem como qualquer pessoa singular ou colectiva com residência ou sede social num Estado-Membro, tem direito de acesso aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão.

Artigo 43.º 
Provedor de Justiça

Qualquer cidadão da União, bem como qualquer pessoa singular ou colectiva com residência ou sede social num Estado-Membro, tem o direito de apresentar petições ao Provedor de Justiça da União, respeitantes a casos de má administração na actuação das Instituições ou órgãos comunitários, com excepção do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância no exercício das respectivas funções jurisdicionais.

Artigo 44.º 
Direito de petição

Qualquer cidadão da União, bem como qualquer pessoa singular ou colectiva com residência ou sede social num Estado-Membro, goza do direito de petição ao Parlamento Europeu.

Artigo 45.º 
Liberdade de circulação e de permanência

1. Qualquer cidadão da União goza do direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados-Membros. 
2. Pode ser concedida a liberdade de circulação e de permanência, de acordo com as disposições do Tratado que institui a Comunidade Europeia, aos nacionais de países terceiros que residam legalmente no território de um Estado-Membro.


Artigo 46.º 
Protecção diplomática e consular

Todos os cidadãos da União beneficiam, no território de países terceiros em que o Estado-Membro de que são nacionais não se encontre representado, de protecção por parte das autoridades diplomáticas e consulares de qualquer Estado-Membro, nas mesmas condições que os nacionais desse Estado.
 
CAPÍTULO VI
JUSTIÇA

Artigo 47.º 
Direito à acção e a um tribunal imparcial

Toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma acção perante um tribunal. 
Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei. Toda a pessoa tem a possibilidade de se fazer aconselhar, defender e representar em juízo. 
É concedida assistência judiciária a quem não disponha de recursos suficientes, na medida em que essa assistência seja necessária para garantir a efectividade do acesso à justiça.


Artigo 48.º 
Presunção de inocência e direitos de defesa

1. Todo o arguido se presume inocente enquanto não tiver sido legalmente provada a sua culpa. 
2. É garantido a todo o arguido o respeito dos direitos de defesa.


Artigo 49.º 
Princípios da legalidade e da proporcionalidade dos delitos e das penas

1. Ninguém pode ser condenado por uma acção ou por uma omissão que no momento da sua prática não constituía infracção perante o direito nacional ou o direito internacional. Do mesmo modo, não pode ser imposta uma pena mais grave do que a aplicável no momento em que a infracção foi praticada. Se, posteriormente à infracção, a lei previr uma pena mais leve, deve ser essa a pena aplicada. 
2. O presente artigo não prejudica a sentença ou a pena a que tenha sido condenada uma pessoa por uma acção ou por uma omissão que no momento da sua prática constituía crime segundo os princípios gerais reconhecidos por todas as nações. 
3. As penas não devem ser desproporcionadas em relação à infracção.


Artigo 50.º 
Direito a não ser julgado ou punido penalmente mais do que uma vez pelo mesmo delito.

Ninguém pode ser julgado ou punido penalmente por um delito do qual já tenha sido absolvido ou pelo qual já tenha sido condenado na União por sentença transitada em julgado, nos termos da lei.
 
CAPÍTULO VII 
DISPOSIÇÕES GERAIS

Artigo 51.º 
Âmbito de aplicação

1. As disposições da presente Carta têm por destinatários as Instituições e órgãos da União, na observância do princípio da subsidiariedade, bem como os Estados-Membros, apenas quando apliquem o direito da União. Assim sendo, devem respeitar os direitos, observar os princípios e promover a sua aplicação, de acordo com as respectivas competências. 
2. A presente Carta não cria quaisquer novas atribuições ou competências para a Comunidade ou para a União, nem modifica as atribuições e competências definidas nos Tratados.


Artigo 52.º 
Âmbito dos direitos garantidos

1. Qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos pela presente Carta deve ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades. Na observância do princípio da proporcionalidade, essas restrições só podem ser introduzidas se forem necessárias e corresponderem efectivamente a objectivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de protecção dos direitos e liberdades de terceiros. 
2. Os direitos reconhecidos pela presente Carta, que se baseiem nos Tratados comunitários ou no Tratado da União Europeia, são exercidos de acordo com as condições e limites por estes definidos. 
3. Na medida em que a presente Carta contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos por essa Convenção, a não ser que a presente Carta garanta uma protecção mais extensa ou mais ampla. Esta disposição não obsta a que o direito da União confira uma protecção mais ampla.


Artigo 53.º 
Nível de protecção

Nenhuma disposição da presente Carta deve ser interpretada no sentido de restringir ou lesar os direitos do Homem e as liberdades fundamentais reconhecidos, nos respectivos âmbitos de aplicação, pelo direito da União, o direito internacional e as Convenções internacionais em que são Partes a União, a Comunidade ou todos os Estados-Membros, nomeadamente a Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, bem como pelas Constituições dos Estados-Membros.

Artigo 54.º 
Proibição do abuso de direito

Nenhuma disposição da presente Carta deve ser interpretada no sentido de implicar qualquer direito de exercer actividades ou praticar actos que visem a destruição dos direitos ou liberdades por ela reconhecidos, ou restrições maiores desses direitos e liberdades que as previstas na presente Carta.