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Após ter denunciado pela primeira vez os abusos, em 2018, a menor disse que inventou tudo e o caso foi arquivado. Mas dois dias depois de regressar a casa, foi logo violada pelo pai, com o conhecimento da mãe. A menina de 14 anos gravou em vídeo a agressão.
Quando a adolescente, na altura com 14 anos, deixou a instituição social onde viveu durante sete meses após suspeitas de ser vítima de maus-tratos e abusos sexuais no meio familiar, o inquérito-crime em que o pai era o suspeito estava arquivado. Para tal, a mudança no testemunho da menor foi decisivo, ao dizer que tinha inventado tudo. Só que mal regressou à companhia dos pais e dos irmãos, dois dias depois de sair do lar, foi violada pelo pai, com a mãe a ter conhecimento de tudo, segundo a acusação do Ministério Público (MP), que imputa sete crimes de abuso sexual agravado ao pai, em prisão preventiva, e seis à mãe. Começam neste mês a ser julgados no Porto.
Desta vez, quando o caso chegou à PJ, havia uma prova diferente - a menor tinha gravado em vídeo, com o telemóvel, uma situação de abuso sexual pelo pai. A gravação foi admitida, apesar de ter sido obtida sem o consentimento do suspeito, por se tratar de um meio importante para a descoberta da verdade numa situação em que está em causa um crime contra a autodeterminação sexual de uma menor.
O processo envolve uma família residente na cidade do Porto, em que os dois pais, ambos de 45 anos, estão desempregados. Dos seis filhos do casal, que vivia em união de facto, só a vítima de abusos é do sexo feminino, alguns já são maiores, casados e têm uma vida estabilizada. O mais novo tem 11 anos. As suspeitas de maus-tratos cometidos pelo pai foram o primeiro sinal que levou a uma intervenção do tribunal de menores em 2017. A rapariga acabou por ser institucionalizada e denunciou que também era vítima de abusos sexuais. Mas, meses depois, em 2018, voltou atrás em relação ao que havia dito. A nova versão resumia o caso a uma falsa denúncia, que tinha inventado tudo após se zangar com os pais.
Pressionada pelo pai
Os relatórios periciais não foram conclusivos quanto à prática de crimes de natureza sexual e, com a vítima a garantir que não havia crimes, o processo acabou por ser arquivado. Ainda foi ponderado se a menor deveria ser alvo de alguma medida tutelar por ter feito uma denúncia caluniosa do pai, mas foi decidido, em tribunal de menores, que não se justificava por ser mais um fator de instabilidade para a adolescente e para o ambiente familiar. Agora, o MP diz que a menor "alterou o relato" após ter sido "fortemente pressionada" por familiares. No processo, consultado pelo DN, é referido que o pai chegou a abordá-la: "Quem fez a queixa? Diz-me quem foi?"
Com o processo arquivado, em abril de 2018, após sete meses numa instituição portuense, a menor regressou a casa. Bastaram dois dias para acontecer um abuso sexual. Diz a acusação do MP que a mãe a agarrou pelo pulso e ordenou que fosse ter com o pai ao quarto. Apesar da resistência, a jovem foi quase obrigada pela mãe a obedecer. A mulher saiu de casa logo após a filha entrar no quarto. Depois, entre esta data e janeiro de 2019, houve, pelo menos, mais quatro abusos sexuais. "Sempre de igual modo e com conhecimento da mãe", com a progenitora a "mandar sempre a menor ir ter com o pai".
Além destes crimes, após o regresso a casa, o MP imputa ainda dois crimes anteriores a setembro de 2017, quando a ofendida tinha menos de 14 anos. "A mãe chamou a filha ao quarto onde o arguido a esperava." Refere o libelo acusatório que a mulher "disse à filha que o pai a estava a chamar para ir fazer com ele". Apesar do choro e da resistência, a menina foi violada, refere o MP.
Noutra situação, quando a vítima tinha 13 anos, o pai chegou a casa já de madrugada, alcoolizado, e, enquanto a mulher dormia, forçou a filha a ter relações sexuais. A mãe nunca participou nos abusos, mas na maioria das situações era quem encaminhava a menor para o quarto.
Maus-tratos à mãe e aos irmãos
No início deste ano, a adolescente acabou por denunciar os factos a uma pessoa da família. Descreveu o que acontecia e enviou um vídeo que havia gravado com o seu telemóvel no quarto do pai. A esta pessoa contou que os maus-tratos do pai estendiam-se à mãe e aos irmãos. Mas os abusos eram só com ela. "Ele obriga-me a fazer sexo"; "nunca usou camisinha"; "sinto ódio dele", denunciou.
Com os relatórios periciais de natureza sexual a confirmar que a adolescente teve relações sexuais, e com os pais a ficar em silêncio quando ouvidos pelas autoridades judiciais, a investigação avançou rapidamente e, ainda neste mês, os dois suspeitos vão a julgamento no Tribunal de São João Novo no Porto. Respondem ambos por cinco crimes de abuso sexual de menor dependente agravado e um de abuso sexual de menor (quando tinha menos de 14 anos), com o homem a ser julgado por mais um crime de abuso sexual de menor.
O MP pede a pena acessória de inibição de exercício de poder de responsabilidades parentais e proibição de confiança de menores. Nesta altura, a tutela dos pais está suspensa, o pai aguarda o julgamento em prisão preventiva enquanto a mãe está em liberdade, obrigada a apresentações às autoridades e proibida de contactar a filha. O homem já tem antecedentes, com quatro processos por crimes como desobediência, furto qualificado na forma tentada e ofensa à integridade física.
Logo após a detenção dos pais, anunciada em janeiro pela PJ, a menor foi confiada à guarda de familiares. Contudo, não ficou muito tempo e está de novo institucionalizada após desentendimentos com um irmão. Os relatórios feitos indiciam que apresenta um "desenvolvimento cognitivo adequado" mas revela "instabilidade afetiva e emocional".
David Mandim / DN