Num tempo em que se voltaram a queimar, destruir e proibir livros, a Guerra e Paz editores fez, em 2021, um dos seus melhores anos a ler, acarinhar e publicar novos títulos. Eu sou o editor e queria contar-vos tudo ao ouvido. E desculpem se tomo a liberdade de tais e indevidas intimidades. Querem que eu ponha a máscara? Eu ponho a máscara!
A poesia, este ano, fez-me estremecer. A Ana Paula Jardim foi de Roupão Azul ganhar o Prémio Glória de Sant’Anna, enquanto a Eugénia de Vasconcellos, com o seu Livro da Perfeita Alegria, nos convida a um sobressaltado recolhimento, quase monástico, a cantar vésperas, culminando na fulgurante pulsão lírica de O Recreio dos Fâmulos, de Jorge Melícias. Sim, estremeci. De Angola, o Manuel Rui mandou-me um livro bilingue, Do Rio ao Mar, com traços rupestres do Ondjaki – que coisinha linda esse livro de amor à língua portuguesa, que vai e vem da boca poética portuguesa à boca poética angolana. Juntou-se-lhe a bela crise da Meaidade, e de amizade, de outro angolano, o Carlos Ferreira, Cassé.
Sim, eu fiz-me ao mar. Fui com Pêro Vaz de Caminha, tanto mar, e vim de lá com a Carta do Achamento do Brasil, que o Onésimo Teotónio Almeida prefaciou, fazendo um volumezinho que é só de assombro e maravilha: nunca olhos humanos se perderam, surpreendidos, noutros olhos humanos como neste livro de inocência se perdem: descoberta, que descobrimento! Viajaram comigo, neste livro, a Câmara de Santarém e a querida Joana Emídio do jornal O Mirante. Obrigado. Ah, psiu, psiu… deixem-me dizer que a Carta é Livro Branco e da mesma colecção, branquinha, é o nosso Cântico dos Cânticos que, da inenarrável e inesquecível Agustina, tem um prefácio com um título que nos faz conjecturar e corar: Um tijolo quente na cama. E faço uma pausa para o irem a correr ler.
Agora, vamos lá ver de quem foram, em 2021, os melhores peidos – oh, desculpem, que vergonha... Juro que foram, vindos do século xviii, os de Jonathan Swift. Os seus Benefícios de Dar Peidos aromatizaram a colecção Livros Negros, a que se assoam também o escandalosamente educativo e libertário Manual de Civilidade para Meninas e o sufocante Solilóquio do Rei Leopoldo, de Mark Twain.
Já conhecem os Clássicos Guerra e Paz. Com a Clepsydra, que tem um bilhete inédito de Camilo Pessanha, que o Ilídio Vasco, organizador, desenterrou, são agora meia centena, quase todos no Plano Nacional de Leitura, com aquelas capas de multiplicação de ícones à Andy Warhol: a novidade é que os clássicos se modernizaram e já sentaram à sua mesa o F. Scott Fitzgerald, esse leviano príncipe da depressão e da turbulência: Terna é a Noite, livro de minha juvenil paixão, mas também O Grande Gatsby e O Estranho Caso de Benjamin Button.
Manuel S. Fonseca