Macroscópio
Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!
Já temos Orçamento Rectificativo e o Santander já tem o Banif, o governo já foi a Belém para os cumprimentos de um Natal que anuncia com muito frio, e penso não me enganar muito se adivinhar que a maioria dos leitores já “desligou” da actualidade para se entregar ao espírito mais próprio desta quadra. Também por isso este será um Macroscópio especial, o último desta semana, e nele deixarei algumas sugestões de leituras mais natalícias e outras mais destinadas a preencher alguma hora vaga de que possam desfrutar entre hoje e a próxima quinta-feira.
Começo por este Natal 2015, com alguns conselhos úteis que lhe fomos dando nos últimos dias. Por exemplo: Como evitar excessos e não comer demais no Natal. Ou então de que esteNatal vai ter lua cheia pela 1ª vez em 38 anos. Ou ainda para ficar a saber que O melhor bacalhau de Natal tem truques. Acha pouco? Então, se ainda lhe falta comprar a última prenda, veja se encontra aqui ajuda:
- Prendas de última hora, a condizer com a decoração;
- 20 sugestões de presentes para adolescentes;
- 30 prendas em conta que deixam as crianças felizes;
- 20 sugestões de presentes para oferecer à namorada;
- 20 sugestões de presentes para o namorado;
- 20 sugestões de presentes para oferecer à mãe;
- 35 sugestões de presentes por menos de 10€.
De resto, se tiver um minuto, aproveite e faça este teste parasaber se está mesmo preparado para o Natal.
Quanto a textos de fundo, devo entregar o prémio deste ano a António Araújo, que escreveu no Público sobre os Mistérios da Natividade. É um texto de rara qualidade que começa debaixo de terra na Praça Central de Cracóvia e acaba numa igreja de Nova Iorque, e onde se procura explicar o significado de cada uma das figuras que costumamos juntar num presépio – as que encontram justificação nos Evangelhos e as que resultam apenas da tradição. Deixem-me reproduzir o último parágrafo, o tal que nos leva até Nova Iorque:
Há poucas semanas, em finais de Novembro, uma mãe em desespero deixou o seu filho recém-nascido na manjedoura de um presépio montado numa igreja de Queens, em Nova Iorque. A polícia conseguiu localizar a mulher, que disse estar convicta de que na igreja cuidariam melhor do seu bebé do que ela. A criança, um rapaz, estava embrulhada numa toalha, trazendo ainda consigo resquícios do cordão umbilical. Segundo os jornais, a mulher não será processada criminalmente, uma vez que a legislação vigente no estado de Nova Iorque permite que os pais de crianças com menos de 30 dias as deixem ao cuidado de outrem ou as abandonem numasuitable location, um “lugar apropriado”. Neste caso, o lugar tido como “apropriado” por uma mãe em desespero foi uma igreja do bairro de Queens. Mais precisamente, a Igreja do Menino Jesus.
De entre os trabalhos de reportagem, há um aqui do Observador que se destaca pela originalidade: Rua do Benformoso. “Para festejar só preciso de um motivo, não preciso de religião.” Para quem não saiba, esta rua fica no coração de Lisboa, no sopé da colina do Castelo, não longe do Martim Moniz, e distingue-se por ser uma espécie de “torre de Babel” do pequeno comércio, onde se misturam católicos, muçulmanos e hindus. Confesso que tenho alguma ligação a ela, pois é possível nalgum daqueles espaços tenha estado, há mais de século, a mercearia onde o meu avô, vindo da Beira Baixa, encontrou o seu primeiro emprego em Lisboa. Claro que não é disso que nos fala Hugo Tavares da Silva, antes do resultado de uma viagem que, para ele, foi de descoberta, mas não só. Como ele escreve, “O Observador aventurou-se por esta rua para saber como seria o Natal daquelas pessoas. Os muitos natais. E quão diferentes. Houve alguma desconfiança, portas fechadas, ares carrancudos, timidez apesar da simpatia. Ainda assim houve quem partilhasse um pouco da sua história.” Há partes de Lisboa que nem os lisboetas conhecem e partes de Portugal que já são mais qualquer coisa, pelo que vos recomendo que acompenham esta incursão de bloco notas na mão e todos os sentidos alerta.
Antes de deixarmos este temas de Natal, deixem-me dizer-vos que Sozinho em Casa está longe de ser o mais celebrado filme de Natal, apesar das inúmeras vezes que passou nas nossas televisões. Por outras bandas a escolha recai num clássico, It's a Wonderful Life (Do Céu Caiu uma Estrela na versão portuguesa), o filme de Frank Capra rodado em 1946 que os cinéfilos ingleses tâm escolhido, como sucedeu em 2013 e 2014, como o melhor filme de Natal de sempre. É curioso que isso suceda, pois o filme protagonizado pelo inesquecível James Stewart nem sequer foi muito bem recebido pela crítica na altura da sua estreia. Para o crítico do New York Times, por exemplo, “the weakness of this picture, from this reviewer's point of view, is the sentimentality of it—its illusory concept of life.” Com o passar do tempo o filme acabaria por ser redescoberto, tornando-se um clássico. Essa história vem bem contada num site que faz a crítica das críticas, ReelViews, onde James Berardinelli recorda como o filme renasceu das cinzas: “It was the expiration of It's a Wonderful Life's copyright that transformed it into a Christmas staple. Once the film began showing with such frequency during the month of December, a whole new generation of movie-lovers discovered (and fell in love with) the previously-obscure release. Critics of the '70s and '80s took a look at the movie, and the reviews were almost unanimously positive (…). It's a Wonderful Life achieved its deserved recognition, albeit four decades after it was first released.”
Não consegui descobrir se algum canal de televisão, mesmo no cabo, programou Do Céu Caiu uma Estrela para um dos próximos quatro dias, mas se nunca viu este filme, não deixe de o fazer se tiver uma oportunidade, agora ou mais tarde. Verá por que razão é considerado um grande clássico.
Não consegui descobrir se algum canal de televisão, mesmo no cabo, programou Do Céu Caiu uma Estrela para um dos próximos quatro dias, mas se nunca viu este filme, não deixe de o fazer se tiver uma oportunidade, agora ou mais tarde. Verá por que razão é considerado um grande clássico.
Saio agora das sugestões natalícias para deixar outras que, sendo variadas, proporcionarão, estou certo, bons momentos de leitura - e de reflexão. Eis-las:
- Winston Churchill. A falta que ele nos faz, um ensaio de Filipe Ribeiro De Meneses para o Expresso, escrito a propósito da passagem, este ano, de 50 anos sobre a sua morte: “Reacionário, racista e chefe militar desastrado? Ou mente visionária, estadista destemido e irredutível defensor da liberdade? A história de Winston Churchill não tem uma só dimensão. Mas há lições a retirar do seu desempenho político, 50 anos depois da sua morte. São lições a reter por políticos ou por quem tem ambições políticas. Mas são, sobretudo, lições a reter por si, caro eleitor”.
- “O Ocidente acabou. O declínio é irreversível”, uma entrevista, também saída no Expresso, ao historiador Niall Ferguson, realizada a pretexto do seu livro mais recente, uma biografia de Kissinger, onde este se mostra bastante pessimista sobre o nosso futuro, sobretudo na Europa: “O declínio europeu parece-me irreversível. Económica, demográfica e psicologicamente. Os europeus têm as instituições mas não acreditam nelas. Aliás, nas nossas próprias escolas ensinamos quão fraco é o Ocidente. Temos instituições mas elas estão corroídas.”
- Uma obra-prima à espera de leitores, um especial de Joana Emídio Marques aqui no Observador onde ela nos fala de uma obra quase esquecida, Húmus, de Raul Brandão. Pequena passagem: “Publicado pela primeira vez em 1917, Húmus, será por duas vezes revisto por Raul Brandão e só em 1926 sai a versão definitiva do livro. Apesar de contemporâneo do grupo do Orfeu, apesar de ser claramente um modernista e de estender o decadentismo e o simbolismo, “é claramente uma obra expressionista, a primeira e uma das únicas obras expressionistas da literatura portuguesa”, afirma, em entrevista ao Observador, José Carlos Seabra Pereira, da Universidade de Coimbra, um dos principais conhecedores da obra de Raul Brandão. E acrescenta: “Se Húmus fosse um quadro era O Grito, de Munch”.”
- What the Führer means for Germans today, um trabalho da The Economist incluído no seu (famoso) número duplo especial de final do ano e que, também a propósito de um livro, aborda o tema sempre delicado da memória de Hitler na Alemanha de hoje. Tudo a propósito da edição em alemão de “Mein Kampf”, a obre do Führer que esteve 70 anos proibida naquele país. A conclusão é optimista, ou quase: “If a country can ever be said to be good, Germany today can. And yet Germans know that whenever others are angry with them, they will paint a Hitler moustache on posters of their chancellor. Many Germans are fed up with this (…). Other Germans, mainly on the left, fret about a new “post-post-nationalism”, as Germany tentatively articulates its self-interest abroad. For most countries, this would count as normal. For Germany, it remains complicated.”
- A poetic and jargon-free textbook on theoretical physics is a surprise Christmas bestseller, um trabalho da Spectator sobre o surpreendente sucesso de um livro (lá continuo eu com livros…) que já recomendámos no Observador (aqui),Seven Brief Lessons on Physics. Um livro que em Itália, país do seu autor, vendeu mais do que 50 Sombras de Grey. Possível explicação: “Rovelli is taking aim at what C.P. Snow called the ‘Two Cultures’ of science and the arts. Writing in the 1960s, Snow argued that the world of words and of numbers were slowly divorcing — with potentially disastrous effects for basic human understanding — and that the scientists would become boffins, unable to communicate outside their milieu, and that the rest of us would give up even attempting to understand science. ‘I see no incompatibility between the two cultures, only mutual attraction,’ Rovelli insists. This is his belief: that non-specialists are fascinated by science, if only it can be explained properly. The sales of his book suggest that he might just be right.”
- The Death of God Is Greatly Exaggerated, uma entrevista do Wall Street Journal a Eric Metaxas, um autor e comentador muito conhecido nos Estados Unidos pela sua defesa enérgica da Cristandade, e que nesta conversa explica porque defende “on why faith and science are not opposed, and why the public square benefits from expressions of belief.” É um texto onde também revela como ele próprio se tornou cristão: “While he “floundered,” he was influenced by a good friend who was a Christian. Mr. Metaxas’ initial attitude was: “Don’t come too close. That’s all that weird stuff I’ve been trained to avoid. On the other hand, tell me just a little bit more.” The friend gave him “The Cost of Discipleship,” by Dietrich Bonhoeffer, the German Lutheran pastor from a prominent family who stood in solidarity with the Jews in World War II, publicly denouncing the Nazis at his peril. At age 39 Bonhoeffer was murdered by Hitler’s henchmen two weeks before the Americans liberated Flossenbürg. This story laid the groundwork for Mr. Metaxas’ “dramatic” conversion experience, which he says happened overnight, in a dream. It was “game over.” He said he knew he believed in Christianity and his only question was: “How do I reconcile my life to this?” That continues to be a work in progress.”
Com esta meia dúzia de sugestões bastante variadas, e intemporais q.b., despeço-me por quatro dias. Regresso segunda-feira. Até lá só posso desejar a todos um Natal muito feliz.
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