No início do mês, pacotes de panfletos da organização supremacista branca Ku Klux Klan foram parar aos degraus de dezenas de casas em duas cidades da província canadiana de British Columbia. O material era semelhante a papéis deixados numa comunidade vizinha no verão.
Nas últimas semanas, posters com mensagens contra muçulmanos e a religião monoteísta indiana sikh apareceram em duas universidades na Província de Alberta.
Estes incidentes contrastam com a imagem do Canadá como país aberto e multicultural, e que recentemente abriu as portas a cerca de 30 mil refugiados sírios.
A polícia ainda está a investigar os casos, mas ainda não está claro quem está por trás destas manifestações.
Para investigadores como James Ellis, da Rede Canadiana para a Pesquisa sobre Terrorismo, Segurança e Sociedade, os eventos não surpreendem.
“Aqui no Canadá parece haver menos preocupação com o extremismo de direita do que com o de outros tipos”, afirma. “Há muitas indicações de ressurgimento do extremismo de direita e do terrorismo no mundo ocidental e não há razões em particular pelas quais o Canadá não sentiria os mesmos efeitos.”
Influência do vizinho
Para James Ellis, a extrema direita no Canadá – definida informalmente pelo apreço à desigualdade social e étnica, por uma crença no nacionalismo étnico e por uma forma radical de atingir esses objetivos – fortaleceu-se com a retórica anti-imigração que circula nos Estados Unidos.
Assim como noutros países, este sentimento também é reforçado pela instabilidade social e económica.
Há cerca de 100 grupos de extrema direita ativos no Canadá nos últimos anos, desde pequenas e grandes células até grupos mais organizados, embora sejam menos violentos do que os da Europa e EUA.
Apesar disso, Ellis destaca que há uma espécie de “polinização cruzada” das ideias desses grupos, e o Canadá tem sido fonte de muita bagagem ideológica.
“Há muitas situações nas quais o discurso de ódio e as músicas mais violentas originaram-se aqui e influenciaram pessoas de toda a parte”, afirma.
Panfletos do Ku Klux Klan similares aos distribuídos em British Columbia também foram encontrados nos EUA, da Carolina do Norte até a Califórnia e a Pensilvânia.
De acordo com a entidade Southern Law Center, que monitoriza organizações extremistas e tem sede no Alabama (EUA), há um crescimento dos grupos radicais de direita nos Estados Unidos.
Entre 2014 e 2015, o número desses grupos cresceu 14%, e o número de células da KKK subiu de 72 em 2014 para 190 no ano passado.
De acordo com o investigador Ryan Scrivens, da Universidade de Fraser, em British Columbia, as autoridades europeias e norte-americanas têm conseguido monitorizar esses grupos de forma mais efetiva do que no Canadá.
“Pensamos que somos esse país perfeito e multicultural, mas não somos. Não vemos as mesmas insurgências aqui porque a nossa população é menor, mas eles estão aqui de qualquer forma”, afirmou Scrivens, que estuda grupos extremistas de direita.
Scrivens e o seu grupo de investigadores identificaram casos de violência extremista espalhados pelo país e registaram centenas de incidentes entre 1980 e 2015, documentando assédios verbais e físicos, além de actos de vandalismo relacionados com esses grupos.
As atividades estão agrupadas à volta do Quebec, a oeste de Ontário, em Alberta e no centro de British Columbia.
A monitorização da violência ligada ao extremismo mostra que os alvos mais comuns sãomuçulmanos, judeus, minorias mais visíveis e a população aborígene.
Brincando com fogo
Um ex-extremista radical e violento afirma, no entanto, que está mais preocupado com o rumo que a maioria do país está a tomar do que com as células extremistas.
O canadiano Anthony McAleer era organizador e recrutador no Canadá para o grupo neonazi Resistência Ariana Branca.
Agora, trabalha para uma organização norte-americana sem fins lucrativos chamada Life After Hate (Vida após o Ódio), fundada por ex-membros de movimentos radicais de direita e dedicada a combater a ideologia da extrema direita.
Para o canadiano, é preciso preocupar-se com a retórica do candidato do Partido Republicano à Presidência dos EUA, Donald Trump, que chegou a sugerir que os muçulmanos fossem banidos do país. “Ele está a mexer com o centro dos EUA, e quando ele empurra esse centro certamente consegue atingir os extremos.”
O ativista alerta ainda que, apesar de o Canadá não ser afetado pela desigualdade como outras nações e ter sido capaz de integrar refugiados e imigrantes, existem pressões que podem mudar a cultura do país.
Essas pressões vão desde a retórica de outras regiões que chega pelas notícias até grupos anti-islâmicos como o alemão PEGIDA - acrónimo para Europeus Patriotas contra a Islamização do Ocidente -, que se estabeleceu no Canadá.
As propostas de Kellie Leitch, que concorre pela liderança do Partido Conservador no Canadá, incluem a revista a imigrantes baseada apenas em “valores canadianos”. As medidas foram criticadas por espalharem o medo, mas as sondagens mostram que têm o apoio da maioria da população do país.
Além disso, há focos de estagnação económica nas regiões produtoras de petróleo.
Para McAleer, são esses “influenciadores” que preocupam – mais do que os extremistas que atuam no país.
“É preciso olhar para ambos com atenção. Um é certamente uma ameaça ao cumprimento da lei. O outro é uma ameaça ao tecido social.”