A violência armada em Cabo Delgado está a provocar uma crise humanitária, com mais de duas mil mortes e 670 mil pessoas deslocadas, sem habitação, nem alimentos.
As necessidades das crianças deslocadas em Cabo Delgado, norte de Moçambique, "superam em muito os recursos disponíveis para apoiá-las" e muitas vezes elas são o alvo de violência, alertou a organização humanitária Save the Children.
A ajuda é desesperadamente necessária, mas poucos doadores priorizaram a assistência para aqueles que perderam tudo e para os seus filhos", numa altura em que o mundo lida também com a Covid-19, refere Chance Briggs, diretor da organização em Moçambique, citado em comunicado.
"Enquanto o mundo estava focado na Covid-19, a crise de Cabo Delgado cresceu e foi menosprezada", acrescentou.
Pelo menos uma criança foi decapitada pelos extremistas na província de Cabo Delgado, no Norte de Moçambique.
A denúncia é feita pela organização Save The Children, a partir do relato de uma mãe, que conseguiu esconder-se na floresta com três filhos. O mais velho, de 11 anos, foi apanhado e morto pelos fundamentalistas.
Foi o que contou à TSF, Chance Briggs, diretor da organização em Moçambique. "Infelizmente ele foi decapitado pelos insurgentes. Depois disso a família teve de fugir. Não tinham nada, só tinham a camisa nas costas e nada mais." A família refugiou-se então numa escola primária.
O dirigente da Save The Children partilha ainda com a TSF que "cada caso é uma preocupação enorme".
Enquanto o mundo estava focado na Covid-19, a crise de Cabo Delgado cresceu e foi esquecida, denuncia a Save the Children. Chance Briggs sublinha que as crianças estão a ser alvo dos extremistas. "Às vezes, querem que os rapazes maiores entrem nos campos, para participar na guerra. Quando recusam, às vezes, é lá que são mortos, e os jovens adultos também." Também as raparigas se recusam a servir e são mortas. "O trauma psicossocial é terrível", alerta.
O diretor da Save The children em Moçambique confessa que os trabalhadores da organização ficaram em lágrimas ao escutar os relatos das mães nos campos de refugiados. Chance Briggs insiste no apelo de mais ajuda internacional para a população de Cabo Delgado. "Mais de um milhão de pessoas têm necessidade de comida e de outros bens. Temos quase 700 mil pessoas de Cabo Delgado que estão deslocadas, um terço da população total dessa província", sinaliza.
Chegam a estar na mesma casa, abrigadas, 40 a 50 pessoas, com necessidades de higiene e de habitabilidade que não estão a ser atendidas. Há ainda acampamentos formais e informais, com falta de saneamento. "As necessidades são enormes, e os doadores estão a dar, mas não chega", diz, deixando um apelo à comunidade internacional para que se mobilize.
Mais de 2500 pessoas foram mortas desde o início da violência em Cabo Delgado, há quatro anos. Há mais de 700 mil deslocados.
A Save the Children referiu que "quase um milhão de pessoas enfrenta fome severa" como resultado direto da onda de deslocados provocada pelo conflito armado na região, incluindo pessoas deslocadas e comunidades anfitriãs.
Como reflexo da pirâmide etária do país, cerca de metade das pessoas afetadas pela violência são menores de 18 anos, presenciando muitas vezes morte e destruição e sendo elas próprias alvo das partes em conflito.
"Todas as partes devem garantir que as crianças nunca sejam alvos. Devem respeitar as leis humanitárias internacionais e de direitos humanos e tomar todas as ações necessárias para minimizar os danos civis, incluindo o fim de ataques indiscriminados e desproporcionais contra crianças", acrescentou a Briggs.
"Os relatos de ataques a crianças incomodam-nos profundamente. A nossa equipa foi levada às lágrimas ao ouvir as histórias de sofrimento contadas por mães em campos de deslocados", sublinhou.
Algumas das incursões de rebeldes foram reivindicadas pelo grupo 'jihadista' Estado Islâmico entre junho de 2019 e novembro de 2020, mas a origem dos ataques continua sob debate.
A situação de insegurança levou a petrolífera Total a diminuir o número de trabalhadores e a abrandar os trabalhos no megaprojeto de gás na região, até que seja garantido um perímetro de segurança pelas Forças de Defesa e Segurança (FDS) moçambicanas.
No entanto, mantém-se a previsão de início de exportação de gás natural liquefeito em 2024.
Lusa / TSF