quarta-feira, 27 de abril de 2016

Macroscópio – Shakespeare, Cervantes e o que torna um escritor universal. E eterno

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!


Vou começar o Macroscópio de hoje com uma pequena história pessoal. Aqui há uns anos, numas férias passadas na Turquia, o pequeno barco em que seguíamos parou numa baía sossegada para passarmos a noite. A certa altura a calmaria do fim da tarde começou a ser invadida pelo sol dos badalos de dezenas de cabras que pastavam nos montes em redor. Um dos nossos companheiros de viagem, um novaiorquino a viver em Londres, realizador e encenador, lembrou-se logo de William Shakespeare, e a Internet ajudou-nos a localizar, num ápice, os versos que pareciam descrever o momento mágico que estávamos a viver:

Be not afeard; the isle is full of noises, 
Sounds and sweet airs, that give delight and hurt not. 
Sometimes a thousand twangling instruments 
Will hum about mine ears, and sometime voices 
That, if I then had waked after long sleep, 
Will make me sleep again: and then, in dreaming, 
The clouds methought would open and show riches 
Ready to drop upon me that, when I waked, 
I cried to dream again.

Os sons dos badalos, como “a thousand twangling instruments”, foi o que nos levou até esta fala de Caliban na peça “A Tempestade”, uma das últimas escritas pelo grande dramaturgo inglês, e a razão porque aqui evoco este episódio é apenas para ilustrar o que faz a grandeza, e a eternidade, de referências universais como Shakespeare: o podermos encontrar neles uma permanente universalidade e actualidade. Lemos hoje Shakespeare com o mesmo gosto com que o poderíamos ter lido na sua época, e o mesmo sucede com o nosso Camões ou com um Vergílio. Ou então com Miguel de Cervantes, o outro autor a que dedicarei o Macroscópio de hoje.

Há por vezes coincidências extraordinárias, e a morte, com poucos dias de diferença, de dois dos génios maiores da cultura ocidental, Shakespeare e Cervantes, é seguramente uma dessas coincidências: o autor de Dom Quixote morreu a 22 de Abril de 1616, o criador de Othello no dia seguinte, a 23 de Abril do mesmo ano. Ou seja, celebramos por estes dias o quarto centenário do seu desaparecimento. Não podia por isso deixar de aproveitar o momento para chamar a atenção para ambos – e também para aquilo que o une e separa.



Como sempre, começo pelo que foi editado em Portugal, onde deve destacar três trabalhos do Observador e um do Público. Os leitores do Macroscópio compreenderão que comece aqui pela casa e o faça por Cervantes, chamando a atenção para As sete maravilhas de Dom Quixote, um especial do escritor Bruno Vieira Amaral sobre essa obra prima de todos os tempos. É um texto que começa com uma citação de um dos mais conceituados críticos literários da actualidade, Harold Bloom – “D. Quixote é uma obra tão original que quase quatro séculos depois continua a ser a obra de ficção em prosa mais avançada que existe. E mesmo assim é subestimada: é ao mesmo tempo o romance mais legível e, definitivamente, o mais difícil” – e que evoluiu com muitas reflexões interessantes sobre o livro, os seus personagens e os seus moinhos de vento. Por exemplo: “Cervantes usa D. Quixote para filosofar e criticar a sociedade do seu tempo porque este goza da impunidade dos loucos. O lamento pelo fim de uma Idade de Ouro que nunca existiu é apenas um artifício para Cervantes deplorar o tempo em que lhe calhou viver.” Ou: “De todas as imagens de D. Quixote, a mais universal será a do homem que luta contra os moinhos de vento. É o símbolo das causas perdidas ou quase impossíveis de concretizar, mas é também uma inspiração para sonhadores e idealistas.”

Quanto a Shakespeare, o Observador dedicou-lhe dois especiais:400 anos depois, Shakespeare continua a falar ao coração dos homens?, de Nuno Costa Santos, e Qual destes foi o verdadeiro William Shakespeare?, de Rita Cipriano. Este último aborda as diferentes teorias – sim, por há várias teorias – sobre quem foi, por onde andou ou com quem se dava o escritor de Startford-upon Avon. Sendo que “Uma das teorias mais populares é a de que Shakespeare era demasiado brilhante para ser uma só pessoa e a sua obra demasiado variada e que, por isso, só poderia ser uma “espécie de associação de soberbos talentos”, como refere Bill Bryson. Nesse incluem-se Francis Bacon, a condessa de Pembroke, Philip Sidney e Walter Raleigh — ou seja, quase todos aqueles que, por uma razão ou outra, se acreditam serem os verdadeiros autores da obra shakespeariana.”

Nuno Costa Santos ocupou-se mais do legado do escritor, notando que “Em Shakespeare, sabemo-lo, é habitual não existir meio termo nos vastos sentimentos e acções. Há intensidade no verbo e no enredo, mesmo quando há a pulsão da dúvida, hoje diluída num dia-a-dia sem chama nem tragédia. Sem dilemas cruciais. Um tempo assim-assim.” Diria eu que não ficamos a ganhar – ou melhor, ganhamos quando preferimos a claridade da escrita shakespeariana, a claridade com que nela se retrata as glórias e as misérias da natureza humana.

O texto do Público é de Luís Miguel Queirós e aborda Cervantes e Shakespeare em conjunto: Hamlet vs Quixote. Considerando que “No quarto centenário das mortes de Shakespeare e Cervantes, a tentação de os comparar é irresistível”, explica porque é que “O inglês é o claro favorito a maior escritor de todos os tempos, mas D. Quixote e Sancho Pança são dos poucos rivais à altura de um Hamlet ou de um Rei Lear.” Eis uma passagem bem interessante deste texto:
Um dos primeiros a intuir que colocá-los frente a frente no ringue daria um combate memorável foi o ficcionista russo Ivan Turgenev, que em 1860 dedicou toda uma extensa conferência (traduzida para inglês e publicada na Chicago Review em 1965)  à comparação entre Hamlet e Quixote, concluindo que ambos representam expressões extremas de duas tendências humanas discordantes: o altruísmo, a fé inabalável, a capacidade de auto-sacrifício, a força de vontade, o entusiasmo, que o fidalgo da Mancha levaria aos limites da alucinação, isto é, da comédia, e o poder de análise, o escrutínio interior, o egotismo, a descrença, a incapacidade de amar, exacerbados em Hamlet ao ponto da tragédia. 

O El Pais também se deixou tentar pela vertigem da comparação e, em Miguel y William, Carlos Franz desenvolve a ideia de que “Los maestros mayores de la lengua española e inglesa tuvieron destinos dispares”. Shakespeare, por exemplo, deixou de escrever jovem e morreu rico: “William Shakespeare murió en su mansión de Stratford-upon-Avon. Esta era una gran casa de ladrillo y madera, “con diez chimeneas”. William la compró en 1592 (tenía apenas 33 años) con el dinero de sus primeros triunfos en el teatro londinense.” Tudo o contrário se passou com Cervantes: “Después de los 50 años sólo contaba con lo que pudiera ganar escribiendo. Poca cosa: pese a la popularidad del primer Quijote, los derechos de autor que recibió por sus obras fueron magros. En su vejez, Miguel dependía de las dádivas de un conde y un arzobispo a los que debía adular.”

Um outro texto do mesmo El Pais, El nexo entre Cervantes y Shakespeare, defende que “Los dos grandes genios de la literatura occidental están unidos por la historia de Cardenio”.Cardenio é um personagem de uma das obras menores de Carvantes, que o autor inglês recuperou numa sua criação, mas sem a mesma graça, pelo menos de acordo com a avaliação do jornal madrileno: “Resulta tentador establecer una comparación entre la historia cervantina y la recreación de Shakespeare, no ya en la fidelidad al modelo sino en la mirada sobre los personajes. Y esa comparación, sin que debamos sacar más consecuencias, resulta a todas luces ventajosa para el escritor español. “

Ainda na imprensa espanhola, mas duas referências, agora do ABC e centradas em Cervantes: Viaje al corazón del mito é uma apresentação das forma como o escritor foi sendo retratado ao longo dos séculos, sendo que “Las biografías de Cervantes trazan un recorrido apasionante de casi tres siglos que han ido dando forma al mito. Un personaje tan real como imaginario”; e ¿Qué es lo que hace tan especial a Cervantes?, um pequeno vídeo que pode funcionar como uma boa introdução ao criador de D. Quixote.



Saltando para imprensa anglo-saxónica – onde a variedade é imensa – começo por uma quase brincadeira: um quiz do The Guardian, William Shakespeare or Miguel de Cervantes: who said what? Veja, por exemplo, se sabe quem disse "One man scorned and covered with scars still strove with his last ounce of courage to reach the unreachable stars; and the world will be better for this." Ou "Too much sanity may be madness and the maddest of all, to see life as it is and not as it should be."

Para não me estender muito mais, começo por um texto que é uma síntese de um imenso trabalho jornalístico: o que o New York Times fez… há 100 anos. O grande jornal de Nova Iorque foi aos arquivos e lembra a imensidão do que então escreveu. Não por acaso o texto chama-se 1916 | Eating Paper, Drinking Ink: “Few people in the English-speaking world could have been happier on April 23, 1916, than the readers of The New York Times. That was the day our 10-part William Shakespeare supplement, marking the 300th anniversary of his death, finally came to an end. It had begun in February and taken up 43 large pages of the Sunday paper with 75,000 words (give or take a few thousand) and nearly 200 illustrations.” Eis alguns dos títulos de então: Shakespeare the Great Creator of Tragedy;Shakespeare’s Heroines as Human BeingsHe Divined Life, He Did Not Merely Copy It; ou How Each Age Finds New Flaws in Shakespeare.

A fechar, como seria quase inevitável, recorro à New York Review of Books, onde Stephen Greenblatt escreveu sobre How Shakespeare Lives Now. E que talvez se possa sintetizar assim: “We speak of Shakespeare’s works as if they were stable reflections of his original intentions, but they continue to circulate precisely because they are so amenable to metamorphosis. They have left his world, passed into ours, and become part of us. And when we in turn have vanished, they will continue to exist, tinged perhaps in small ways by our own lives and fates, and will become part of others whom he could not have foreseen and whom we can barely imagine.”

A peça "A Tempestade", a tal de que o meu companheiro de viagem se lembrou naquela amena enseada turca, pouco tem a ver com o que sentíamos naquele momento de tranquilidade, mas isso não impediu que recordássemos aquela meia dúzia de versos, e revíssemos neles os momentos que vivíamos. Mais: que se possa sempre repetir "I cried to dream again".

Até amanhã, hoje com reforçados votos de grandes leituras.

 
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Angola. REGIME AVISA A EUROPA: OU TÊM JUIZINHO OU LEVAM NO FOCINHO

A diplomacia angolana (ou seja o MPLA, ou seja o Governo, ou seja o Presidente da República, ou seja José Eduardo dos Santos) avisou hoje os diplomatas da União Europeia (UE) acreditados em Luanda que não volta a aceitar “ingerências” nos assuntos internos.
Isto é, o regime de José Eduardo dos Santos classifica a recente declaração daqueles embaixadores sobre a condenação de 17 activistas como uma atitude “inamistosa”. Assim sendo, cuidem-se. Os diplomatas europeus conhecem a voracidade dos jacarés do MPLA.

A posição oficial do regime foi assumida pelo secretário de Estado das Relações Exteriores, Manuel Augusto, que, em nome do Governo angolano (devidamente apoiado pelo MPLA e pelo Presidente da República), chamou hoje o embaixador da UE em Luanda, Gordon Kricke, para, disse, “prestar esclarecimentos” sobre a posição conjunta daquela delegação e das embaixadas dos Estados-membros.

“Não é normal o procedimento, o Ministério das Relações Exteriores não foi previamente contactado pela delegação da UE sobre a divulgação dessa declaração, pelo que tivemos uma conversa de esclarecimento”, explicou o governante, falando aos jornalistas no final desta reunião.

Muito bem. Desde quando os embaixadores, ou seja quem for, podem dar uma opinião livre sem antes consultarem os donos do reino? Ou será que eles julgam que estão uma democracia e num Estado de Direito?

Na declaração, emitida a 29 de Março, os diplomatas europeus – delegação da UE, embaixadas dos Estados-membros e embaixada da Noruega – afirmavam esperar que os anunciados recursos da condenação dos 17 activistas angolanos, a penas entre os dois anos e três meses a oito anos e meio de cadeia, permitam respeitar os direitos destes jovens.

“Manifestamos profundo descontentamento com uma atitude que consideramos no mínimo inamistosa”, disse o secretário de Estado angolano, admitindo ainda “grande preocupação por este tipo de actuação”.

O regime tem razão. Nas democracias que são uma referência para o reino feudal de José Eduardo dos Santos, casos da Coreia do Norte e da Guiné Equatorial, ninguém vê este tipo de actuação. Portanto, ou têm juizinho ou levam no focinho.

“Na medida em que, para além de representar uma clara violação das normas de relacionamento internacional, nomeadamente da convenção de Viena sobre as relações diplomáticas e consulares, a tal declaração traduz-se também numa clara ingerência nos assuntos internos de um Estado soberano”, apontou o autómato do regime, visivelmente (é que o “querido líder” está a ver) agastado com esta mania dos europeus acharem que sabem alguma coisa de democracia.

No final da reunião, que se prolongou por cerca de 30 minutos, na sede do Ministério das Relações Exteriores, o embaixador da UE, Gordon Kricke, não quis prestar declarações aos jornalistas.

Provavelmente os embaixadores vão, mais uma vez, comer e calar.

Na declaração conjunta dos representantes diplomáticos europeus acreditados em Luanda, estes recordavam que o caso dos activistas, e as penas divulgadas na segunda-feira pelo tribunal de Luanda – condenações de críticos do regime por actos preparatórios para uma rebelião e associação de malfeitores -, “tem vindo a suscitar reservas no que concerne o respeito pelas garantias processuais e pelo princípio de proporcionalidade”.

“A UE espera que os mecanismos legais de recurso disponíveis ofereçam aquelas garantias, em conformidade com os direitos e os princípios consagrados na Constituição angolana”, lê-se na declaração, recordando que os observadores europeus não tiveram acesso ao julgamento, que decorreu entre 16 de Novembro e 28 de Março.

“A declaração da UE vai ao ponto de qualificar as decisões do Tribunal angolano, indo ao ponto de referir a proporcionalidade ou razoabilidade da sentença ditada pelo tribunal. Dissemos ao senhor embaixador que tal atitude é inaceitável e que esperamos muito sinceramente que ela não se venha a repetir”, disse, por seu turno, o secretário de Estado.

Para desanuviar o clima, Manuel Augusto, disse também que contou uma anedota que fez o embaixador rir a bandeiras despregadas. Ou seja, o governante disse que recordou ao diplomata europeu que, tal como na Europa, em Angola há “separação de poderes” e que os “tribunais são independentes na aplicação da Justiça”.

“Não podemos aceitar que nos passem um atestado de menoridade porque este é um país que já não vive sob tutela e que não tem nenhum patrão”, avisou Manuel Augusto, acrescentando que o diplomata europeu justificou a tomada de posição sobre a condenação dos activistas com “instruções das capitais” dos países representados em Luanda.

Manuel Augusto afasta, para já, consequências deste caso nas relações entre Angola e a União Europeia, mas afirma que os angolanos “não abdicam da soberania”, do “orgulho” na independência e de serem “tratados como iguais”.

Esta é mais uma anedota. Isto porque os jovens activistas foram condenados exactamente por “não abdicam da soberania”, do “orgulho” na independência e de querem serem “tratados como iguais”.

Folha 8

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TANTOS PENSIONISTAS A OCUPAREM O PARTIDO DO ESTADO

Francisco Louçã – Público, opinião

Otema aparece aqui e ali e é sempre um refrão: temos pensionistas a mais e colonizam o partido do Estado (e portanto, argumento OCDE e Comissão Europeia, toca de cortar-lhes nas pensões, as actuais, as futuras, tudo o que vier à rede é peixe), junto com outra malandragem como os desempregados, os polícias, os militares, os professores, as enfermeiras, as médicas, outros funcionários públicos e tutti quanti. Mas os pensionistas são o maior número e vai daí o cisma grisalho, a luta de gerações, a divisão etária, a sobrecarga dos reformados aos ombros dos trabalhadores, que sei eu? Reforma estrutural com essa gente, que o país não pode aguentar mais.
O número de facto seria estarrecedor – 3,6 milhões de pensionistas – mas ainda assim convinha que fosse verdade. Diz o Pordata, ou melhor, dizem vários autores que o Pordata diz tal número (aqui, ou logo gulosamente repetido aqui), só que é mentira.

De facto, não é esse o número do Pordata. O Pordata diz que há 3.627.161 pensões em pagamento (dados de 2014). É muita gente? Parece que sim, só que não são 3.627.161 pensionistas. Basta pensar um segundo e a razão é evidente: é que há muita gente que recebe mais do que uma pensão. Lembram-se do ex-presidente Cavaco Silva? Recebe três e o assunto foi bastante falado. Pois muitos dos pensionistas recebem mais do que uma pensão, cumprindo a lei (como Cavaco Silva cumpre a lei, assinale-se para evitar falsos debates). É o que acontece a quem tem pensão de velhice e, sendo viúva ou viúvo, também tem uma pensão de sobrevivência, mas aplica-se igualmente noutros casos em que há acumulação de pensões (mais uma vez, é o que acontece com Cavaco).

Por isso, em contas mais certas, o The 2015 Ageing Report da Comissão Europeia apresenta um número total de pensionistas que é realista porque informado: 2.552 mil. É só um milhão a menos do que as contas que são tão comuns na imprensa e entre vários autores pouco dados ao estudo. Um milhão a menos é muito engano junto.

Do mesmo modo, se nos disserem que há doze milhões de telemóveis em Portugal, não vamos concluir que há doze milhões de habitantes, pois não? No caso da segurança social, ainda por cima, as contas já foram feitas, o aviso foi dado, mas parece que não foi ouvido por quem tem conveniência argumentativa num número exagerado.

É certo, este número é um problema e são muitas pessoas. Muitas mesmo. Mas não vale a pena fantasiar. Para se pensar sobre o futuro da segurança social (ou do Estado) é preferível conhecer bem o problema e ignorar o preconceito ou o exagero. Já agora, é preferível usar a estatística verdadeira.

DIOGO LACERDA MACHADO FALA EM “MOMENTO DIFÍCIL”

O consultor Diogo Lacerda Machado afirmou que aceitou dar ajuda técnica ao Governo movido pelo "espírito de serviço público", lamentando que tenha sido alvo de "notícias falsas e maldosas".

"Tive momentos muito difíceis na vida, mas nunca me foi tão difícil enfrentar uma circunstância da vida como esta", afirmou o advogado Diogo Lacerda Machado, numa intervenção inicial na Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas, agradecendo a oportunidade de "prestar todo o esclarecimento público".
Diogo Lacerda Machado, que mediou as negociações da reprivatização da TAP em nome do Governo de Costa, está a ser ouvido no parlamento por requerimento do PSD, que exige explicações sobre o processo e o seu papel como "negociador".

Na intervenção inicial, o advogado agradeceu a possibilidade de "finalmente poder responder às questões sobre o envolvimento" no processo de reconfiguração do modelo acionista da TAP, depois de ter assistido "em silêncio (...) às notícias, comentários e juízos que foram circulando".

"Intervim no processo, a pedido e sob instruções do primeiro-ministro e do senhor ministro do Planeamento e das Infraestruturas [Pedro Marques], a quem prestei apoio técnico por ter tido a convicção que a minha experiência de 30 anos de advocacia e a minha familiaridade com os temas da aviação comercial poderiam ser úteis ao Governo e ao país", declarou Lacerda Machado.

O consultor do Governo - que desde 15 de abril tem um contrato de prestação de serviços de consultoria estratégica e jurídica que vigora até ao final do ano - explicou que foi "o espírito de serviço público" que o levou a aceitar "prontamente" o pedido de apoio técnico feito por António Costa e Pedro Marques.

"E foi ainda esse espírito que me levou a nem sequer equacionar então a necessidade de exigir ou acordar qualquer retribuição para o mesmo", acrescentou.

Lacerda Machado defendeu que "a ausência de retribuição e de qualquer documento escrito não significam a ausência de vinculação às regras de atuação", realçando que, no apoio técnico prestado, não dispôs de poderes de "vinculação ao Estado".

"E todas e cada uma das reuniões em que participei - e em que jamais estive sozinho - aconteceram sempre na presença de membros do Governo", sublinhou.

Jornal de Notícias - Na foto: Diogo Lacerda Machado na Comissão de Economia / Paulo Spranger/Global Imagens

O PACTO COM O DIABO

Miguel Guedes – Jornal de Notícias, opinião

Aberto até de madrugada, sem o argumento de Tarantino. Podemos esperar até às 00.20 horas do dia 25 para cantar a Grândola mas as revoluções acontecem na madrugada dos amanhãs que cantam e são precedidas pelas maiores declarações de amor e compromisso na véspera. Foi assim a 24 de Abril de 1974 nas operações do MFA em Portugal e assim foi a 24 de Abril de 2016 no pacto Ted Cruz/John Kasich para as eleições primárias do partido Republicano nos EUA. Em ambas as situações, medidas à escala, a vontade de salvar a pele ou a pele dos outros. Em ambas as situações, o desejo de se verem livres do carrasco ou do ditador, do "estado a que chegámos" (como dissertava o capitão Salgueiro Maia, sobre as diversas modalidades de Estado). No 24 de Abril de 74 para o MFA, o desejo do fim de Marcelo Caetano, o ditador progressista. No 24 de Abril de 2016 para Cruz e Kasich, o desejo do fim de Donald Trump, o ditador em progressão.
Aberta a cronologia da madrugada, só os republicanos podem ter visto o filme de Robert Rodriguez. Mas é verdadeiramente inacreditável que não tenham percebido que o acordo de 24 de Abril, dois dias antes da vitória de Trump na Pennsylvania nesta madrugada, é mesmo uma admissão de derrota perante o multimilionário que lidera todas as sondagens. O MFA tinha o apoio do povo democrata, Donald Trump tem o apoio do povo republicano. Ainda que a história possa vir a contar que há uma enorme distância entre delegados e o povo.

O sinal expresso não é dado apenas pela mais do que previsível vitória de Hillary Clinton e de Donald Trump nas "primárias de Acela" nesta madrugada portuguesa. O mais significativo é que, nas sondagens, Trump consegue - pela primeira vez - liderar maioritariamente o apoio nacional entre os republicanos com 50% de intenções de voto, com Cruz a registar 26% e Kasich apenas 17% (fonte NBC News). A soma dos dois não chega a Trump. Ainda que, entre Trump e Cruz, saia o Diabo de dentro deles e escolha. A mais cómica das eleições e também a mais perigosa.

O pacto de Ted Cruz e John Kasich é aparentemente simples: o primeiro abandona a corrida por Oregon e New México e o segundo deixa cair o estado de Indiana. O que parece um mero tacticismo é uma efectiva admissão de falência técnica no momento em que Trump desfila com apoio maioritário. A dupla deste pacto está matematicamente morta e só pode ressuscitar pela diferença que separa a opinião dos delegados em Congresso da opinião do povo nas urnas. Várias formas de recordar, sem as imagens de Roman Polanski, o pacto com o Diabo e a sua semente ou de soletrar a forma como as elites na revolução podem mesmo manter o tasco aberto.

Brasil. REGIME DE FORÇA JÁ RESPIRA ENTRE NÓS

Engenheiros sociais já falam em cortar 15% do Bolsa Família e milícias da Fiesp executam o policiamento ideológico da Avenida Paulista.

Saul Leblon – Carta Maior, editorial

A barbárie já respira entre nós. Da leitura atenta dos jornais, em ordem e com atenção inversa à pretendida pela edição, sente-se o sopro do regime de força a pulsar seu passo de ganso no metabolismo nacional.

O assoalho da democracia range, enquanto a narrativa dominante tenta naturalizar judicialmente o que é, na verdade, uma ruptura do chão institucional.

É possível ouvir a voz dos personagens icônicos da conspiração em marcha batida.

Já se vive em uma sociedade em que a suprema corte da justiça age como um anexo dos que, sem voto, se avocam a prerrogativa de ‘corrigir o voto popular’, na expressão feliz do ex-presidente do Uruguai, Pepe Mujica.

Tome-se personagens do calibre de um Gilmar Mendes, ou de Celso de Mello –dois retificadores empenhados em desasnar as urnas.

Ou aspirantes ao mesmo posto mas de estatura inferior, a exemplo de um Dias Tofolli, ou  Rosa Weber e Cármen Lúcia (‘não tenho prova cabal contra Dirceu – mas vou condená-lo porque a literatura jurídica assim o permite’).

O conjunto afasta qualquer ilusão em uma instancia isenta –a última instância a qual o impasse previsível do desenvolvimento em uma sociedade de desiguais poderia ser mediado em pé igualdade e em busca de um equilíbrio reordenador.

Os membros do STF cuidam diuturnamente de desautorizar a fé da sociedade nessa última instância também conhecida como justiça.

Diante do golpe em curso, o STF brasileiro se apresenta à sociedade não como um garantidor da lei e da Constituição

A cena que as togas protagonizam neste filme é a de um salão de chá de boçais que declamam afetação, enquanto um estupro coletivo acontece na sala ao lado.

O golpe tem como uma de suas âncoras fundamentais o combate seletivo à corrupção.

No PT, como se sabe, ela é sistêmica; no resto do sistema ela é pontual.

Das comportas da Lava Jato emana esse diktat.

Do qual se vale a  crispação midiática para irradiar uma indignação seletiva, sancionada, afinal, pelo coquetel de cumplicidade, cinismo e acoelhamento das togas da Suprema Corte.

‘Se fazem isso com uma Presidenta da República, o que será do cidadão comum?’, arguiu Dilma Rousseff diante da manipulação intrínseca ao golpe do qual é vítima e para o qual as togas se oferecem como o lubrificante obsequioso.

É esse o bafo frio que arrepia a consciência democrática da nação e só lhe deixa como janela de ar fresco a rua.

Assiste-se a uma radicalização aberta dos interesses dominantes, na qual a  isenção parece, enfim, não representar mais um valor passível sequer de ser simulado.

Sugestivo dessa depuração conservadora foi o conselho da ombudsman da Folha, Vera Magalhães, na nota de despedida do cargo, neste domingo.

Ao criticar a manchete do jornal no dayu-after da votação na Câmara (‘Impeachment’, em garrafais idênticas às utilizadas na cassação de Collor, quando o que foi aprovado dia 18/04 foi a autorização para a abertura do processo de impeachment), a jornalista sugeriu um pouco mais de ‘comedimento’ ao jornal.

‘Mantenham a aparência, ao menos a aparência, please’, parece ter sido o seu recado.

Ao que tudo indica, tardio e obsoleto.

Essa era a batalha do dia anterior dos  ombudsman do jornalismo conservador --não há mais espaço para simulações.

Sobriedade, comedimento, nunca foi o forte do sistema de comunicação monopolizado do país.

Não será agora que a temperança ecumênica mediará a abordagem das grandes questões nacionais pelo jogral dos interesses que ele vocaliza.

A rota de colisão entre o noticiário político local centrado na destruição do governo e do PT, e a denúncia do golpe, predominante da mídia internacional, dá a dimensão do que se pode e do que não se deve esperar dessa pata dianteira do galope conservador.

Graças à blindagem jurídico-midiática, a natureza ostensivamente antipopular, antinacional e espoliativa do golpe pode (por ora) manter-se mitigada aos olhos da maioria da população.

Cunha e Bolsonaro são tratados como desvios pontuais, quando na verdade detém representatividade superior àquilo que a palavra excrecência costuma designar.

A ação violenta que eles personificam já atravessou a soleira da ameaça para a  rua.

A desenvoltura das milícias fascistas, contratadas e pagas por uma entidade empresarial, a maior do país, a Fiesp, foi fartamente documentada na avenida Paulista, neste final de semana em que a via foi tomada por protestos contra o golpe (veja a sequência documentada pelo ‘Jornalistas Livres’ no twitter de Carta Maior https://twitter.com/cartamaior?ref_src=twsrc%5Etfw ).

De novo, não estamos diante de um ponto fora da curva.

O que se desenrola aos olhos de quem quiser enxergar é um ensaio da violência intrinsecamente indispensável à sustentação da curva de expropriação de direitos arquitetada pelo compasso do ajuste golpista.

Em dúvida, consulte-se a curva.

O documento ‘Ponte para o Futuro 2 – a Travessia Social’, que o golpe coloca na praça nestes dias,nasceu da necessidade esquizofrênica de se distrair a atenção popular, oferecendo-lhe uma cenoura pré-abate, ao mesmo tempo em que endereça perolas aos ouvidos da plutocracia e da classe média fascistizada.

Quais pérolas?

Todas aquelas provenientes da concha do Banco Mundial que preconiza a substituição dos direitos sociais universais por um ‘focalismo’ associado ao Estado mínimo, ao qual caberá  ‘fazer mais com menos’.

O Banco Mundial é a mais importante usina de difusão, treinamento e reeducação neoliberal em ação no planeta.

Crédito não é a especialidade dessa instituição.

O empréstimo oferecido pelo banco funciona apenas como isca para enredar países, governos, técnicos e burocracias públicas – bem como algumas ONGs – na obra jesuítica de satanizar o Estado, catequizar e remodelar os aparatos públicos, converter corações e mentes das elites e tecnocracias nativas, adestrando-os nas excelências do mercado como remédio para todos ao males.

No Brasil, o Banco Mundial implantou uma bem urdida hegemonia no modo de pensar de várias esferas do setor público.

Dentro do Ipea, por exemplo –parcialmente remodelado no ciclo de governos do PT, com Pochmann e agora, com Jessé Souza--   formou-se uma tropa de choque de aplicados discípulos que funcionam como correia de transmissão do pensamento do Banco Mundial.

Um exemplo arrematado dessa cepa é Ricardo Paes de Barros, apontado como o ‘fomulador’ do golpe na área da política social.

E o que diz o especialista nas artes do focalismo na entrevista publicada nesta 2ª feira no Estadão?

Exemplos:

1. ‘é claro que o Bolsa Família está inchado’;

2. ‘com 15% de dinheiro a menos consigo ter o mesmo 100% de redução da pobreza’;

3. ‘se numa casa de 5 pessoas, o sujeito declara R$10 a menos de renda própria, o governo vai gastar R$ 50 a mais por mês com essa família’

‘inventou-se essa ideia de que creche é um direito de todos’

‘(quando você arrumar a política) obviamente tem gente que vai sofrer’

O desempregado primeiro terá que conseguir um emprego, para depois ter direito ao Pronatec...’

Vai por aí  a gororoba destinada a tropicalizar os ditames do focalismo, empanturrando governo e colunistas com inesgotáveis papers que atestam a virtuosa conjunção entre Estado mínimo e economia máxima com os pobres, em substituição aos direitos do Estado de Bem-Estar Social.

É justamente esse o sentido da acenada ‘Travessia Social’ de Temer.

Conforme relata o insuspeito jornal Valor, em editorial nesta 2ª feira: entre as medidas que discutidas pelos assessores mais próximos do vice-presidente estão a ‘desvinculação das verbas orçamentárias, desindexação dos gastos sociais da variação do salário mínimo, a reforma tributária, a flexibilização do mercado de trabalho e a reforma da Previdência Social’.

Um mutirão restaurador da agenda neoliberal.

O relato do jornalista Paulo Gama, da Folha, publicado neste domingo sobre o 15º Fórum Empresarial realizado em Foz do Iguaçu, é ilustrativo do ambiente que impulsiona essa escalada.

O jornal não deu o destaque, a manchete ou o espaço que  o assunto  justificaria. Mesmo assim, propiciou um relance ilustrativo do clima de euforia de botim que predomina na divisão de sesmarias entre os apoiadores e articuladores do golpe.

Nesse circuito puro sangue, palavras como ‘trabalhador’, ‘pobre,’ ‘salário’ e ‘direitos sociais’ entram apenas na lista dos problemas, nunca na relação dos convidados do tucano João Dória Jr, candidato a prefeito de São Paulo e promotor do encontro de Iguaçu.

Trechos da reportagem da Folha:

‘...apito na mão depois de um longo "priiii" para pedir silêncio, João Doria Jr, candidato do PSDB à Prefeitura de São Paulo, dava as boas-vindas a 300 dos maiores nomes do setor produtivo do país e políticos de oposição-quase-virando-governo que se reuniram, no feriado de Tiradentes, para quatro dias de seminários e "networking" em Foz do Iguaçu...’

‘. (os articuladores do golpe presentes eram) ... Romero Jucá (PMDB-RR), o elo de Michel Temer com o setor empresarial, José Agripino (RN), presidente do DEM, e os tucanos Cássio Cunha Lima (PB) e Antônio Anastasia (MG), o provável relator do processo de deposição de Dilma Rousseff no Senado’.

‘Além de Jucá, o resort recebeu Rodrigo Rocha Loures, assessor do peemedebista na Vice-Presidência, e Gaudêncio Torquato, consultor e estrategista de longa data do presidenciável’.

‘...os convidados andam com crachá de identificação pendurado "à altura do plexo". O de Rocha Loures já o indicava como assessor da Presidência, não mais da Vice...’

‘Jucá passou os dois dias em que esteve no encontro recebendo demandas. De deputados que queriam ser ouvidos para a formulação da política econômica do possível governo, já dado como certo, a empresários e consultores que queriam fornecer estudos e avaliações –além de saber que rumo tomaria o início da gestão’.

‘Nas palestras abertas, o governo Dilma era tratado por políticos e empresários como "nefasto" e "avesso ao lucro".

Esse é o ponto do desmonte em que nos encontramos.

Empenhados centuriões se esfalfam para despejar na fornalha  do “ajuste” e da “retomada da consistência macroeconômico” o estorvo que sujou o mercado e a boa teoria nos últimos 13 anos.

Inclua-se nessa montanha desordenada de entulho: 60 milhões de novos consumidores ingressados no mercado, a cobrar cidadania plena;um salário mínimo 70% maior em poder de compra;  um sistema de habitação popular ressuscitado; bancos públicos a se impor à banca privada; uma Petrobras e um BNDES fechando as lacunas da ausência de instrumentos estatais destruídos no ciclo tucano etc

A faxina requerida é tão virulenta que necessita árduo trabalho de escovão e detergente ideológico para dissolver a resistência alojada em estruturas de consumo, serviços e participação política instituídas para atender a 1/3 da sociedade e não a sua totalidade.

O fato é que o golpe se depara aí com uma montanha de tamanho e resistência muito superior ao poder destrutivo do politicídio imposto ao PT pelo juiz Moro e seus assessores de vazamento na mídia.

O ciclo iniciado em 2003 tirou múltiplas dezenas de milhões de brasileiros da pobreza; deu mobilidade a outros tantos na pirâmide de renda.

Os novos protagonistas formam hoje a maioria da sociedade.

Lula criou um novo personagem histórico – ainda que não um protagonista da própria história (seu erro capital).

A presença desse personagem em fraldas, de qualquer forma, dificulta sobremaneira rodar o software conservador no botim festivo da plutocracia e do conservadorismo.

Devolver a pasta de dente ao tubo requer uma assepsia repressiva dificilmente realizável em ambiente de liberdades democráticas.

O espinho de peixe na garganta do golpe não deixa de cutucar também a omissão histórica da agenda progressista.

Hoje ela enfrenta suas provas cruciais, sem dispor de base organizada, nem de instrumentos indispensáveis para isso -- entre os quais, um sistema de comunicação plural e ecumênico.

Se há tempo para providencia-los no longo e traumático ciclo de enfrentamento deflagrado a partir da reeleição de Dilma, em outubro de 2014, só a história dirá.

O terreno é mais adverso que nunca e os blindados da crise e do conservadorismo avançam para um enfrentamento de vida ou morte.

Sim, há autocrítica a fazer e equívocos a corrigir. Todos aqueles em debate e mais alguns que não interessa à emissão conservadora contemplar.

Mas só há duas formas de descascar o abacaxi.

Uma, implica a construção democrática de linhas de passagem negociadas para um novo estirão de crescimento ordenado pela justiça social.

A outra preconiza simplificar a tarefa, terceirizando o timão à “racionalidade” dos livres mercados.

É o arrocho.

A escolha conservadora dispensa o penoso trabalho de coordenação da economia pelo Estado, ademais de elidir a intrincada mediação política dos conflitos inerentes às escolhas do desenvolvimento.

Sua receita pressupõe replicar aqui a panaceia neoliberal que depauperou o mundo do trabalho nos EUA e desmontou o Estado do Bem-Estar Social na Europa.

Com a consequências sabidas.

Embora o jornalismo isento afirme que a crise da Petrobrás é fruto do aparelhamento ‘lulopetista, averdade é que se vive desde 2008 a mais longa, incerta e frágil recuperação de uma crise do sistema capitalista desde 1929.

Com uma agravante aqui: em uma sociedade na qual não existe a gordura do Estado de Bem-Estar Social  --apesar de Paes de Barros considerar que o Bolsa Família está ‘inchado’-- será preciso cortar no osso.

O osso dos mais pobres.  Reconduzindo-os para uma invalidez de direitos apenas esboçados.

São os albores dessa batalha cruenta que explicam a presença armada de porrete dos bate-paus da Fiesp em autonomeada fiscalização ideológica da rua mais importante na principal cidade do país.

A mãe de todas as batalhas gira em torno dessa questão. A questão do método de repactuação do desenvolvimento brasileiro.

Golpe e porrete? Ou mais democracia e a construção negociada do passo seguinte do desenvolvimento?

Quem opta pela segunda alternativa não pode faltar neste domingo, no Anhangabaú, em São Paulo, no 1º de Maio em defesa de Dilma, da legalidade e dos direitos sociais.

O regime de força já respira entre nós.

A democracia ainda não expirou, mas carece de nervos e musculatura que só a largueza das ruas poderá propiciar-lhe.

Jogos Olímpicos Rio2016. Amnistia Internacional diz que habitantes das favelas vivem terror

11 pessoas foram mortas este mês em tiroteios com a polícia.

A Amnistia Internacional denunciou esta quarta-feira que os habitantes das favelas do Rio de Janeiro, cidade anfitriã dos Jogos Olímpicos, estão a viver num clima de terror, após 11 pessoas terem sido mortas este mês em tiroteios com a polícia.
O grupo defensor dos direitos humanos disse que pelo menos 307 pessoas foram mortas pela polícia na cidade no ano passado e pediu às autoridades brasileiras que tomem medidas antes do início dos Jogos Olímpicos Rio2016, que começam a 5 de agosto.

De acordo com os dados recolhidos pela Amnistia Internacional, um em cada cinco homicídios cometidos por elementos das forças policiais no Brasil verifica-se no Rio de Janeiro, cidade que dentro de 100 dias irá acolher os Jogos Olímpicos.

"Residentes em muitas das favelas do Rio de Janeiro estão a viver num verdadeiro clima de terror, depois de, pelo menos, 11 pessoas terem sido mortas desde o início do mês em tiroteios com a polícia", refere em comunicado a organização.

De acordo com a nota à imprensa distribuída pela Amnistia Internacional, as autoridades brasileiras "têm cada vez mais uma abordagem de linha dura contra os protestos de rua, que, na sua grande parte, são pacíficos”.

"Apesar da promessa de uma cidade segura para receber os Jogos Olímpicos, mortes por elementos das forças policiais têm vindo a aumentar ao longo dos últimos anos no Rio", reconheceu o diretor da Amnistia Internacional no Brasil, Atila Roque.

O responsável acrescentou ainda que “muitos foram gravemente feridos por balas de borracha, granadas de gás e até mesmo armas de fogo utilizadas pelas forças policiais durante os protestos".

De acordo com dados da Amnistia Internacional, a polícia do estado do Rio de Janeiro matou 580 pessoas em 2014, quando o país recebeu o Mundial de futebol. Esse número foi superior em cerca de 40 por cento em relação a 2013 e continuou a crescer em 2015, que registou 645 mortes.

A Amnistia admite que "não é possível relacionar esse aumento de mortes cometidas por polícias diretamente com os preparativos para os Jogos Olímpicos", mas "as estatísticas revelam um claro padrão de uso excessivo de força, violência e impunidade que fere instituições de segurança pública".

SAPO Desporto c/ Lusa  - Foto: Tasso Marcelo / AFP

Brasil. A OPERAÇÃO SALVA-CUNHA ESTÁ EM MARCHA

Após o impeachment, a tropa de choque do presidente da Câmara prepara sua anistia 


Nos dias que precederam a votação doimpeachment, tornou-se cristalina uma trama de venda casada. Enquanto trabalhava pela abertura do processo contra Dilma Rousseff, uma expressiva bancada de parlamentares articulava uma “anistia” ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha.

Nem mesmo a delação de Ricardo Pernambuco Júnior, da Carioca Engenharia, constrangeu a turma. O empresário entregou aos investigadores da Lava Jato uma tabela que aponta 22 depósitos, no valor total de 4,6 milhões de dólares, em propinas repassadas ao peemedebista entre 10 de agosto de 2011 e 19 de setembro de 2014. A planilha foi divulgada pelo jornal O Estado de S. Paulo na sexta-feira 15, dois dias antes da derrota do governo no plenário.

Antes mesmo do desfecho, os aliados mais próximos do peemedebista não escondiam as cartadas lançadas nos bastidores. “Sem ele não teríamos o processo de impeachment. Por isso, Cunha merece ser anistiado”, afirmou o deputado Paulinho da Força, do Solidariedade, ao site Congresso em Foco.

Com o placar consolidado, Osmar Serraglio, do PMDB do Paraná, também passou a defender publicamente uma “retribuição” ao correligionário pelo presente. Integrante da tropa de choque de Cunha no Conselho de Ética, Carlos Marun, do PMDB de Mato Grosso do Sul, já ensaia o discurso: “Entendo que deva haver uma punição, mas não entendo que deva ser a cassação”. 

Com o apoio de partidos do chamado Centrão, entre eles PP, PRB e PSD, além do Solidariedade e de parte do DEM, Cunha mostra-se confiante na absolvição no Conselho de Ética da Câmara, onde enfrenta processo por quebra de decoro parlamentar.

“Não tenho nenhuma preocupação, estou absolutamente em condições de ser inocentado”, afirmou na tarde da segunda 18, após entregar a papelada do processo contra Dilma ao presidente do Senado, Renan Calheiros.

A representação no Conselho de Ética, que pode levar à cassação do mandato do presidente da Câmara, foi apresenta pelo PSOL e pela Rede em outubro de 2015, mas os trabalhos não avançam graças às sucessivas manobras protelatórias do parlamentar e de seus aliados.

Cunha é acusado de mentir à CPI da Petrobras há cerca de um ano, quando negou possuir contas no exterior não declaradas à Receita Federal. Ato prosaico, perto das graves acusações que pesam contra o candidato à anistia.

Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal acolheu, em março, uma denúncia contra o peemedebista pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Convertido em réu, Cunha é acusado de receber 5 milhões de dólares em propina de contratos de navios-sonda da Petrobras.

Mais dois inquéritos foram autorizados pelo ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato na Corte. Um deles apura se o deputado recebeu repasses que somam 52 milhões de reais de empresas envolvidas nas obras do Porto Maravilha, no Rio de Janeiro. O outro investiga as milionárias contas secretas do parlamentar na Suíça.

Os extratos bancários revelados pelas autoridades suíças respaldam a acusação contra ele no Conselho de Ética, mas o colegiado nem sequer consegue ouvir as testemunhas arroladas. Em março, sete depoentes foram convidados a comparecer ao Congresso, incluídos o lobista Júlio Camargo, o doleiro Alberto Youssef e o ex-gerente da Área Internacional da Petrobras Eduardo Vaz Musa.

A maioria dos convocados havia delatado o presidente da Câmara anteriormente à Justiça e à Polícia Federal. Em 7 de abril, a ministra do Supremo Tribunal Federal Cármen Lúcia negou uma liminar apresentada pela defesa de Cunha para anular os depoimentos. A Direção da Câmara tardou, porém, a autorizar a emissão de passagens aéreas para as testemunhas, e as sessões tiveram de ser postergadas.

Nesse interregno, o primeiro relator do processo, Fausto Pinato, do PP, defensor da cassação de Cunha, afastou-se do Conselho. Em seu lugar entrou uma deputada do PRB da Bahia, Tia Eron, que faz mistério sobre seu voto, mas despertou dúvidas após declarar ter “admiração e respeito” pelo trabalho do peemedebista na Casa. Se assim for, o deputado terá uma maioria de 11 votos a 9 no colegiado. “Durante a votação doimpeachment, muitos dedicaram votos a parentes. Pois bem, parece que uma ‘tia’ pode salvar Eduardo Cunha agora”, ironiza Chico Alencar, líder do PSOL na Câmara.

Alessandro Molon, da Rede, não se diz surpreso com o movimento pela anistia. “Cheguei a denunciar essa articulação na tribuna da Câmara, alertando que ela fazia parte do pacote. É um movimento conjugado, a incluir a absolvição dele como compensação pela aprovação do impeachment”, afirma.

“Cunha tem enorme influência sobre um grande número de parlamentares, e isso ficou explícito no domingo 17. Quando alguém o criticava, o Plenário vaiava efusivamente.” Foi o que aconteceu quando Glauber Braga, do PSOL, o chamou de “gângster” ou quando o presidente do Conselho de Ética, José Carlos Araújo, do PR, lembrou que Cunha era a “bola da vez”.

Na terça-feira 19, o vice-presidente da Câmara, Waldir Maranhão, do PP, decidiu limitar a investigação no Conselho de Ética à mentira contada por Cunha na CPI da Petrobras. A decisão impede que o Conselho aprecie as provas recolhidas pela Operação Lava Jato.

Molon antecipa: se o Conselho de Ética rejeitar a cassação, vai apresentar recursos para levar a discussão ao plenário. Além disso, pretende reunir um grupo de parlamentares para solicitar ao presidente do STF, Ricardo Lewandowski, a inclusão na pauta da Corte do pedido de afastamento de Cunha da presidência da Câmara, apresentado pela Procuradoria-Geral da República em dezembro de 2015.

Para Alencar, só uma mobilização popular mudaria o cenário. “Cunha tem a seu desfavor o fato de ser uma unanimidade nacional. Mesmo nos atos pró-impeachment, quase 90% defendiam a sua cassação, segundo o Datafolha”, observa.

“Refiro-me à massa que saiu às ruas, e não às lideranças desses movimentos, que também são gratas ao Cunha, ganharam até credenciais para circular pela Câmara durante a votação do impeachment. Desses não espero muita coerência.” 

Na foto: Livrar o deputado seria uma retribuição por seu desempenho na aprovação do impeachment de Dilma (Foto: Jefferson Rudy/ Agência Senado)

*Colaborou Débora Melo.

*Carta Capital - Reportagem publicada originalmente na edição 898 de Carta Capital, com o título "Operação Salva-Cunha"

Investigador português critica atuação da CPLP nas presidenciais da Guiné Equatorial

O investidor português Paulo Gorjão criticou hoje a missão de observação eleitoral da comunidade de países lusófonos às presidenciais de domingo na Guiné Equatorial, considerando que a presença legitimou uma votação que "não foi justa nem livre".
Num artigo de opinião, o também presidente do Instituto Português de Relações Internacionais e Segurança (IPRIS) lembrou que a conclusão tirada pela missão de observação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) - "votação correu de forma ordeira e pacífica" -, "evita a questão de fundo".

"Como se constata a partir da leitura da nota, percebe-se rapidamente o intuito que esteve por detrás do convite do Governo da Guiné Equatorial para que a CPLP enviasse uma equipa de acompanhamento da votação", afirmou Paulo Gorjão, notando os 98% dos votos obtidos pelo reeleito Teodoro Obiang Nguema, há 37 anos no poder.

Lusa

ISABEL DOS SANTOS, O WALL STREET JOURNAL, O FBI E O BPI

Rui Verde, 26 de Abril de 2016

Isabel dos Santos escolheu a máxima trompeta do capitalismo americano para lançar a sua ofensiva mediática internacional, o Wall Street Journal. Recentemente, dos Estados Unidos para o mundo, a história de Isabel dos Santos foi contada nas suas próprias palavras:

Este constituiu um passo interessante, porque simultaneamente americanizou e mundializou a questão dos movimentos financeiros de Isabel dos Santos. E assim permite-nos focar na utilização dos mecanismos legais americanos para lidar com a situação. Desde 2014, o FBI (Federal Bureau of Investigation), o Departamento Federal de Investigação Criminal norte-americano, desenvolve um programa intitulado Kleptocracy Assets Recuperation Initiative (KARI), que, entre outros relevantes sucessos, já recuperou dinheiros desviados pelo filho de Theodore Obiang, da Guiné Equatorial, e pelo general Sani Abacha, antigo homem forte da Nigéria.

Através deste programa, a jurisdição norte-americana declara-se dotada de competências para agir sempre que em qualquer parte do mundo sejam usados dólares norte-americanos ou seja utilizado o sistema financeiro dos Estados Unidos. Qualquer montante monetário que seja convertido em dólares é passível de investigação.

O mesmo programa tem legitimidade legal para arrestar e confiscar bens em qualquer parte do mundo, desde que as respectivas jurisdições colaborem. Um exemplo: a pessoa X de Angola é proprietária de um apartamento comprado com dólares em Portugal. Esses dólares foram obtidos através de corrupção. Então, os EUA podem confiscar esse bem, desde que Portugal colabore. E Portugal, devedor crónico do FMI, dominado pelos americanos e membro da NATO, não vai colaborar? Claro que sim. Portanto, neste momento, os bens portugueses dos angolanos corruptos estão ao alcance do FBI.

Acresce que, de acordo com a lei americana, não é necessário que tenha existido previamente uma condenação criminal para que o FBI dê início a esses procedimentos.

De igual modo, não é obrigatório que as denúncias sejam feitas nos Estados Unidos. Qualquer pessoa, em qualquer local do mundo, pode dirigir-se a uma embaixada norte-americana e proceder a uma denúncia, a qual será levada em conta e investigada  pelos EUA.

Finda a investigação e comprovando-se a ilegalidade, os bens apreendidos são posteriormente devolvidos aos povos dos respectivos países.

Esta iniciativa leva-nos a duas conclusões:

Os vários milhões retirados de forma ilegítima dos cofres angolanos ainda podem ser recuperados e devolvidos ao povo angolano.

Havendo notícia de Isabel dos Santos ter procedido a movimentações financeiras suspeitas em dólares, poderá iniciar-se uma investigação por parte do FBI, alargada a todo o mundo, e que cruzará com aquela que a Comissão Europeia lançou.

Na realidade, ao nível da União Europeia, desde finais de 2015 que a Comissão Europeia, na pessoa de Vera Jourová, comissária da Justiça, encetou diligências para averiguar a origem dos fundos e a utilização de empresas off-shore por Isabel dos Santos na compra da EFACEC portuguesa, na qual é consultor o famoso comentador português Luís Marques Mendes. A questão é que Isabel dos Santos é uma PEP (Pessoa Exposta Politicamente), e este estatuto parece ter sido esquecido em muitos negócios que efectuou em Portugal desde 2005.

Na mesma linha se encontram as dificuldades com que Isabel dos Santos se deparou na concretização da operação no BPI. A questão é o cerco legal imposto pela sua qualificação como PEP pela União Europeia; daí que seja impossível assegurar-lhe a entrada na Bolsa de Lisboa, que não é comandada por Portugal, mas pelo EuroNext (grupo de mercados bolsistas com sede na Holanda), ou garantir certificações de idoneidade bancária, que também estão sujeitas a regulações junto do BCE (Banco Central Europeu).

Concluindo: os dois mais poderosos sistemas legais globais (Estados Unidos e União Europeia) condicionam forçosamente o comportamento de Isabel dos Santos e acabaram por colocá-la debaixo de foco.

Provando-se que os fundos utilizados por Isabel dos Santos provêm do Tesouro angolano, facilmente se procederá à apreensão dos seus bens nos Estados Unidos e na União Europeia (Portugal incluído), seguindo-se a sua devolução, em tempo oportuno, ao povo angolano.