As chamas quase destruíram um dos mais belos e esplendorosos reflexos da Cristandade. Notre Dame está de luto.
A bela imagem medieval de Notre Dame de Paris, ficou intacta rodeada de escombros do incêndio
➤ Paulo Roberto Campos
“Igreja de uma beleza perfeita, alegria do mundo inteiro”. Assim Plinio Corrêa de Oliveira se referiu à catedral das catedrais que é a de Paris [vide vide trecho no final].
Considerada o monumento mais representativo da Cristandade, a “alegria do mundo inteiro” ardeu em chamas logo no primeiro dia da Semana Santa. Nossas almas entristecidas ficam duplamente revestidas de luto nestes dias nos quais consideramos especialmente a Paixão, Morte e Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo. Cabe recordar que a Catedral de Notre Dame é também um monumental escrínio que contém adoráveis relíquias do Filho de Deus: a coroa de espinhos [foto ao lado: o relicário que guarda a sagrada coroa], um cravo da Santa Cruz e um fragmento deste madeiro no qual Ele foi crucificado. Escrínio também de numerosas outras preciosíssimas e seculares relíquias.
O incêndio devorou parte da mais célebre e gloriosa catedral, é verdade, mas, para além dessa tragédia indescritível, devorou parte de mais de oito séculos de História. Devorou parcialmente uma catedral que resistiu altaneira a guerras e revoluções.
Impávida, esta “Igreja de uma beleza perfeita” — memorizada por Víctor Hugo como o paradigma das catedrais francesas — atravessou a Guerra dos Cem Anos, a Comuna de Paris (1871) e as duas guerras mundiais. Pior ainda. Atravessou a crudelíssima Revolução Francesa que, após ter feito correr um rio de sangue com sua diabólica guilhotina, destruiu muitas de suas imagens, fundiu seus sinos para a fabricação de canhões, tentou transformar a Catedral de Notre Dame no “Templo da deusa razão” — onde uma atriz foi “adorada” como “deusa”, no lugar de Nossa Senhora de Paris.
Até o momento ainda não se tem certeza se o início do incêndio foi provocado de modo criminoso ou acidentalmente — apesar de se ter notícias de que alguns líderes maometanos comemoram a ruína de Notre Dame… Entretanto, em qualquer um dos casos, foi um incêndio que atingiu o fundo de todos os corações autenticamente católicos. Muitos destes, estarrecidos e desolados assistindo o vídeo da catástrofe, sentiram-se como se estivessem tendo um pesadelo! E, in loco, muitos daqueles que presenciaram a tragédia, sobretudo o momento pungente em que La Flèche — como os franceses denominam a celestial flecha da catedral — desmoronou tragada pelas chamas [na foto acima, durante e antes do incêndio], em prantos caíram de joelhos e puseram-se a rezar o Rosário [foto abaixo]. Salve Rainha Mãe de misericórdia, interceda junto a Seu Divino Filho para que Ele tenha compaixão da França e de todos nós!
A “fumaça de Satanás” que penetrou no Tempo de Deus
De um incêndio em qualquer outra catedral poder-se-ia dizer que é simbólico. Mas de um incêndio em Notre Dame — a jóia da arte gótica e obra prima da arquitetura da Idade Média, a “doce primavera da fé”, segundo feliz expressão de Montalembert — podemos afirmar que se trata de um acontecimento apocalíptico, altissimamente simbólico e no mais alto grau carregado de significados.
Que significado? — Um psy-incêndio vem arruinando a Igreja Católica desde o Concílio Vaticano II. Um incêndio símbolo da auto-demolição da Igreja perpetrada por eclesiásticos vinculados à “esquerda católica”, ao progressismo e à “Teologia da Liberação”. Símbolo da “fumaça de Satanás no templo de Deus”[1], introduzida por aqueles que agem para enxovalhar e conspurcar a única e verdadeira Igreja fundada diretamente por Nosso Senhor Jesus Cristo. Portanto, um incêndio símbolo da atual, e também apocalíptica, crise que atingiu a Religião Católica; símbolo da nefasta atuação que vêm incendiando o ensinamento de seu magistério tradicional.
Incêndio simbólico da apostasia das nações
De ambos os parágrafos que seguem em itálico, poder-se-ia afirmar que foram escritos nesses dias, nos quais o mundo inteiro chocado acompanhava o alastramento das chamas devoradoras de Notre Dame. Não, eles foram redigidos em 1942 por Plinio Corrêa de Oliveira. Assim, pode-se constatar que a crise que flagela a nação francesa, assim como todos os demais países, começou há muito tempo.
“A França apostatou da Igreja e repudiou o seu passado histórico. É esse o mal que ela expia, e‚ só no corretivo desse mal que ela encontrará remédio […]. Se fazemos esta observação não é porque desejamos agravar a justíssima dor de nossos irmãos franceses, mas porque uma grande lição desprende destes fatos para o mundo inteiro.
“Não é com paliativos, com meias medidas que se pode resolver o mal. Os paliativos só podem retardar a cura. Não foi pintando com novas tintas seus velhos ídolos que a França de Clóvis se converteu: ela teve que queimar o que adorara, e adorar o que queimara. Para a França, e para todos os povos contemporâneos, não pode ser outro o caminho. [Não basta] a destruição dos ídolos do século passado. [Não basta] apenas uma mudança em suas roupagens. É preciso que os ídolos caiam, e não basta que se transformem”.[2]
Entre numerosos artigos que poderíamos citar, um recente, com o título “Cai Nossa Senhora”, publicado no ABC de 16-4-19, confirma especialmente a declaração acima. Para esse periódico madrileno escreveu o jornalista Salvador Sostres: “É um sinal do nosso tempo que Nossa Senhora de Paris tenha caído. Este incêndio não é pior do que o laicismo que assola a Civilização, negando-lhe a profundidade e o significado. É o fogo de Deus, que escreve severamente em incêndios, ante tanta apostasia. Cai Notre Dame como antes caiu a França na vulgaridade ateia e jacobina”.
Rezemos especialmente nestes dias da Semana Santa pedindo a Nossa Senhora, Padroeira da Catedral de Paris [foto acima], pela completa restauração desse seu belo e majestoso Templo.
Rezemos pela restauração espiritual da França — denominada “Fille aînee de l´Église” (“filha primogênita da Igreja”), em razão da conversão e batismo de Clóvis, o primeiro rei francês, em 25 de dezembro de 496. A respeito da conversão da França — sua passagem, como o Apóstolo São Paulo, pelo “caminho de Damasco” — veja no final texto com as proféticas palavras do Papa São Pio X.
Rezemos também pela restauração da Civilização Cristã em todo seu esplendor, grandeza e glória, para a alegria do mundo inteiro.
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Notas:
1. Insegnamenti di Paolo VI, Tipografia Poliglotta Vaticana, vol. X, p. 707.
2. Plinio Corrêa de Oliveira, 7 Dias em Revista, “Legionário”, Nº 496, 15 de março de 1942, p. 2.
“Eis a igreja de uma beleza perfeita, a alegria do mundo inteiro”
➤ Plinio Corrêa de Oliveira
“Eu não posso me esquecer que uma das viagens que eu fiz a Paris. Cheguei à noitinha, jantei e fui imediatamente ver a Catedral de Notre Dame. Era uma noite de verão, não extraordinariamente bonita. A catedral estava iluminada.
Ela me pareceu desde logo, num determinado ângulo tomado ao acaso, tão bela que eu fiquei com vontade de dizer ao motorista do taxi no qual eu estava: ‘Pára, que eu quero ficar aqui!’ Eu sei que o resto é muito belo, mas eu creio que poucos olharam a catedral naquele ângulo e pararam. E eu quero ser dos poucos, para dar a Nossa Senhora o louvor daquele ponto de vista, que contemplou aquilo que outros talvez não tenham louvado suficientemente. Ao menos se dirá que uma vez que um peregrino vindo de longe amou o que muitos outros — por pressa ou por não terem recebido uma graça especial naquele momento — não amaram.
Em todos os grandes monumentos da Cristandade, depois de admirar as maravilhas, eu tenho a tendência de ir admirando os pormenores. Isto num ato de reparação, porque esses pormenores talvez não tenham sido amados como eles deveriam ser. Então fazer ao menos isto: amar o que deveria ter sido amado e que foi esquecido. É sempre a nossa vocação de levar à tona as verdades esquecidas que os homens põem de lado.
Eu fiquei encantado com a catedral vista naquele ângulo. Depois dei a volta e retornei para o hotel com a alma cheia. Se alguém naquele momento me lembrasse da palavra da Escritura: ‘Eis a igreja de uma beleza perfeita, a alegria do mundo inteiro’, eu teria dito: ‘Oh! como está bem expresso! É bem o que eu sinto a respeito da Catedral’”.
França — “Filha primogênita da Igreja”
“Nação predestinada, vaso de eleição, vai levar, como no passado, meu nome diante de todos os povos e de todos os reis da Terra”
➤ Da Alocução de São Pio X (29-11-1911)*
“Que vos diremos agora, filhos da França, que gemeis sob o peso da perseguição? O povo que fez aliança com Deus nas fontes batismais de Reims se arrependerá e retornará à sua vocação primitiva.
Os méritos de tantos filhos seus que pregam a verdade do Evangelho quase em todo o mundo, tendo-a selado muitos com o próprio sangue, as orações de tantos Santos que desejam ardentemente ter em sua companhia na glória celeste os irmãos, muito amados, de sua Pátria, a piedade generosa de tantos filhos seus que, sem recusar nenhum sacrifício, provêm à dignidade do Clero e ao esplendor do culto católico, e, acima de tudo, os gemidos de tantas crianças que, diante dos tabernáculos, expandem a alma com as expressões que o próprio Deus lhes coloca nos lábios, atrairão certamente sobre esta nação as misericórdias divinas. As faltas não ficarão impunes, mas não perecerá nunca a filha de tantos méritos, de tantos suspiros e de tantas lágrimas.
Dia virá, e esperamos que não esteja muito afastado, em que a França, como Saulo no caminho de Damasco, será envolvida por uma luz celeste e escutará uma voz que lhe repetirá: ‘Minha filha, por que Me persegues?` E à resposta: ‘Quem és tu, Senhor?` a voz replicará: ‘Sou Jesus, a Quem persegues. Duro te é recalcitrar contra o aguilhão, porque em tua obstinação te arruinas a ti mesma`. E ela, trêmula e admirada, dirá: ‘Senhor, que quereis que eu faça?` E Ele: ‘Levanta-te, lava as manchas que te desfiguraram, desperta em teu seio os sentimentos adormecidos e o pacto da nossa aliança, e vai, filha primogênita da Igreja, nação predestinada, vaso de eleição, vai levar, como no passado, meu nome diante de todos os povos e de todos os reis da Terra’”.
ABIM
(*) Alocução consistorial Vi ringrazio de 29 de novembro de 1911, Acta Apostolicae Sedis, Typis Polyglottis Vaticanis, Roma, 1911, p. 657).