Imagino que a maior parte dos leitores estejam esta noite concentrados no raríssimo eclipse da Lua e que já tenham lido tudo para estarem bem preparados para testemunharem um momento sem paralelo este século (se não estiverem e ainda forem a tempo, pois o eclipse dura até à meia-noite e meia, saibam que podem ficar a saber tudo no Observador: Maior eclipse do século traz outro fenómeno ao céu; Lua vermelha. Guia para o maior eclipse do século; Lua vermelha. Porque é tão especial este eclipse?e ainda um em directo onde se irá relatar, e mostrar tudo), pelo que vou aproveitar este Macroscópio para vos falar de um tema de que pouco se fala: como tudo pode correr mal com o Brexit.
Esta semana o novo ministros dos Negócios Estrangeiros britânico procurou chamar a atenção dos parceiros europeus(afinal de contas por enquanto ainda somos parceiros) para os riscos políticos de um não acordo, ou de um mau acordo. Ora hoje um velho conhecido desta newsletter, Timothy Garton Ash, escreveu no Guardian um artigo de leitura obrigatória: A humiliating Brexit deal risks a descent into Weimar Britain. Recordo que se trata do mesmo Garton Ash que, há exactamente dois anos, quatro meses antes das eleições americanas, me deu uma entrevista a que dei o premonitório título “Viram o Brexit? Não se iludam: Trump pode ganhar”, pelo que é bom dar-lhe atenção.
E o que é que ele nos diz desta vez? Que as posições duras e radicais dos negociadores europeus podem conduzir a um desastre sem precedentes se, por exemplo, for imposto ao Reino Unido um acordo humilhante: “Over the next year or two we could witness the emergence of a rancid, angry Britain: a society riven by domestic divisions and economic difficulties, let down by its ruling classes, fetid with humiliation and resentment. Any such country is a danger both to itself and to its neighbours. This prospect will come closest, fastest, if there is no deal on Brexit and Britain crashes out of the European Union, with what the country’s top civil servant has described as “horrendous consequences”. Garton Ash faz mesmo uma analogia com o Tratado de Versalhes, na sequência da I Guerra Mundial, um tratado que humilhou a Alemanha e acabou por conduzir a uma nova guerra ainda mais terrível. E depois concretiza e enquadra essa comparação: “Am I exaggerating the danger by even hinting at a comparison with Weimar Germany? Indeed I am. I don’t seriously envisage millions of newly unemployed, or a new Hitler coming to power, or a world war started by Boris Johnson. But it’s surely better to overdramatise the risk, to get everyone to wake up to it, rather than do what most of our continental partners have done for the last two years, which is consistently to underestimate the dangers for the whole of Europe that flow from Brexit – especially a mishandled Brexit.” A sua preocupação é grande, até porque não vê sinais de inquietação nas capitais europeias, que parecem alheadas do processo: “Right now, the ball is in the EU’s court. Amazingly, the 27 leaders have not had a major strategic discussion of Brexit since spring 2017. Since then, the negotiation has been left to the European commission team led by Michel Barnier, national officials, lawyers and Brussels theologians.”
A tese do historiador de Oxford não é muito diferente da de Allister Heath, apesar deste escrever num diário nos antípodas políticos do Guardian, o Telegraph. Em A betrayal on Brexit would push British politics to the extremesargumenta que “The consequences of a Brexit betrayal would be catastrophic: there would no longer be any halting the tide of anti-establishment fury that has been building since the early 1990s. Support for mainstream parties would collapse and new ones would emerge. Yes, a centrist business-as-usual grouping may well be one of those that arises from the rubble, but its supporters – the Remain metropolitan base – massively overestimate its potential.” Mais: “The poison of far-Right and far-Left demagoguery would contaminate our body politic, as has already started with the rise of Corbyn and anti-Semitism in the Labour Party; and just like in other countries, millions would end up voting for detestable people with repellent ideas.” Defensor da saída do Reino Unido da UE – ponto que o distancia de Garton Ash, que fez campanha pelo “remain” –. sustenta que o “Brexit was our last chance to escape this madness and show how popular angst caused by economic turmoil and cultural change can be reconciled with free markets and openness. Yet – in the name of their narrow conception of liberalism, and their bonkers belief that we already live in the best of all possible worlds – the elites attempting to stop Brexit are unleashing a far greater backlash, one that would make leaving the EU without a deal seem like a tea party.”
Se quiserem continuar a conhecer o tipo de nuvens negras que se acumulam sobre o Canal da Mancha então leiam ainda mais estes dois textos, também de dois órgãos d informação de orientação bem diferente:
- The real Brexit drama is just beginning, de James Forsyth na Spectator, explica por que motivos Theresa May pode ter um plano, mas não tem apoio no Parlamento para o aprovar ao mesmo tempo que, em Bruxelas, ainda exigem mais cedências. Como aqui se explica, “‘The numbers just don’t stack up,’ one cabinet minister wearily declared to me on Monday night. This is, perhaps, the single most important fact in British politics today: Theresa May does not currently have the votes to pass her Brexit plan even if she could get the European Union to accept it.” Depois de discutir todos os cenários possíveis e imaginários, Forsyth explica também como mesmo a hipótese de repetir o referendo é problemática: “Taking the EU’s preferred options — staying in the customs union and the EEA — would rightly be seen as contemptuous of the referendum result. And if there were to be a second referendum, what would the question be? Leavers would say: deal or no deal. Remainers would say: Mrs May’s deal, or cancel Brexit. One thing is certain: it would be impossible to devise a question that would satisfy everybody. The referendum would only end up creating more division, not to mention a sense of outrage among those who did not get the question they wanted.”
- Europe must wake up to the looming nightmare of a no-deal Brexit, de Henry Newman, director do thinktank Open Europe e um europeísta, começa por sublinhar o que não deve ser esquecido: “The referendum in 2016 settled the question of whether we were leaving or remaining in the EU. The question now is the nature of our exit, and more importantly our future relationship. We tend to fixate on our future economic relations, neglecting the security, defence and home affairs aspects of Brexit. But they are not neatly separable. An acrimonious exit from the EU will have a major economic impact on both sides of the Channel – and it will also damage security and defence cooperation with probably more lasting consequences.” Por isso, “Member states need to give the British decision to leave a little more sober reflection – perhaps when David Cameron came asking for flexibility during his renegotiation it might have been better to give a little more. Now there’s another inflection point where a British prime minister is asking for flexibility.”
Estes alertas parecem chocar com a intransigência de Bruxelas. Como nos conta a Spectator, em Michel Barnier confirms David Davis’ Brexit deal warning, que “Barnier said in his press conference with Dominic Raab that the EU is still open to the UK staying in the customs union; the UK side has long known that this is Barnier’s preferred option. But Theresa May doesn’t want that, and her party would never allow that.She has repeatedly said that, once Brexit is done, the UK will be outside the customs union and the common commercial policy and able to do its own trade deals. Also, if May did agree to staying in the Customs Union more Brexiteers would resign from the Cabinet, and it is doubtful whether she could survive that.”
Ou seja um beco sem aparente saída a não ser aquele descrito pela edição europeia do Politico: UK prepares for Brexit surrender to Frenchman. Escreve o jornalista que,“Without a dramatic course change from Brussels or leading Tory Brexiteers, only one route to Brexit remains that is likely to be palatable to the EU and could also carry a majority in the House of Commons”. O que, e aqui regresso ao ponto de partida, levou ao já referido alerta: “In Berlin Monday, the new Foreign Secretary Jeremy Hunt said there was now “a very real threat of ‘no deal’ by accident,” which he said would “change British public attitudes to Europe for a generation.”
Para terminar, e vos deixar um outro tipo de reflexão para este fim-de-semana, recomendo um texto muito, mas mesmo muito interessante que saiu no El Pais a propósito dos incêndios da Grécia, um texto onde dois engenheiros florestais, Marc Castellnou Ribau e Alejandro García Hernández, desmontam alguns mitos. Trata-se de Incendios como bombas atómicas.Criticam, por exemplo, a estratégia – espanhola mas também portuguesa – de ataque rápido aos fogos, pois ela está longe de resolver o problema: “Esta estrategia se ha demostrado equivocada y la estadística nos lleva a plantear la paradoja de la extinción, esto es, que cuanto más eficaces somos apagando incendios de pequeña y media envergadura, más inducimos la acumulación de combustibles “salvados inicialmente” que alimentarán al próximo megaincendio, haciéndonos por tanto más ineficaces en la lucha contra los incendios verdaderamente dañinos, lo que nos enseña que el camino recorrido, lejos de mejorar la situación, la está empeorando.” Com a frieza de quem sabe do que fala, também explicam que há incêndios que não há forma de combater eficazmente: “Hay un umbral de intensidad a partir del cual la multiplicación de los recursos de extinción no puede influir en el comportamiento del fuego, la energía emitida hace físicamente imposible su control. Si no se identifica ese umbral en el que todo empeño por apagar las llamas resulta inútil, no solo se desperdiciarán recursos pagados con dinero público, sino que se estarán perdiendo oportunidades para cuando haya un cambio de condiciones y, lo que es peor, poniendo inútilmente en riesgo al personal que se mantenga en el empeño.” Ou seja, esqueçam lá essa ideia que muitos aviões resolvem os problemas e pensem antes que a realidade é outra e bem dura: “Se malgasta dinero público en la extinción que serviría más en la gestión de los montes”.
Leiam e aprendam, pois este é mesmo um daqueles textos com que se aprende. Mas não deixem por isso de desfrutar o espectáculo do eclipse. Amanhã ainda é dia e, por mim, estarei de regresso, como de costume, para a semana. Ainda não chegou o dia das minhas férias, mas deseja as melhores a quem já as estiver a desfrutar.
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