O Orçamento do Estado para 2016 foi apresentado hoje à tarde, depois de incorporar muitas cedências a Bruxelas – o défice prometido acabou por ficar em 2,2%, bem abaixo do que desejava o Governo e à custa de muitas “medidas adicionais” que pesarão 1.125 milhões de euros no bolso dos portugueses – e, mesmo assim, com uma Comissão Europeia a expressar reservas e a anunciar uma revisão da situação para esta Primavera. Não vou, por hoje, entrar em grandes detalhes sobre a proposta do Governo, apenas indicar onde podem encontrar os documentos essenciais e recomendar que leiam a ampla e minuciosa cobertura do Observador. Deixando para mais tarde a selecção de comentários mais informados, ainda assim acabarei por referir alguns textos com reflexões que resistiram bem ao conhecimento dos números finais.
Começando pela informação: no Observador está concentrada nesta página, onde surge arrumada por ordem de importância, mas todos os nossos artigos podem também ser localizados através da tag ORÇAMENTO 2016, surgindo aí arrumados por ordem cronológica (no momento em que escrevo já disponibilizámos aos nossos leitores, só durante o dia de hoje, mais de quatro dezenas de artigos diferentes, uns mais informativos, outros já com reacções e primeiras análises, sendo que há muitos mais “no forno” prontos a sair nas próximas horas); no Expresso a informação está aqui, no Público aqui, no Jornal de Negócios aquie no Diário Económico aqui.
Para quem quiser consultar os documentos originais, aqui ficam as ligações necessárias:
- Parecer da Comissão Europeia;
- Relatório;
- Proposta de Lei n.º 12/XIII – Orçamento do Estado para 2016;
- Proposta de Lei n.º 11/XIII – Grandes Opções do Plano para 2016;
- Proposta de Lei n.º 13/XIII – Quadro Plurianual de Programação Orçamental para os anos de 2016 – 2019;
- Argumentário do Orçamento do Estado 2016;
- Carta de Mário Centeno a Valdis Dombrovskis e Pierre Moscovici.
Ainda no domínio da informação pura e dura, eis uma síntese do essencial que entretanto já foi preparada pela equipa do Observador: Guia para saber o que vai mudar em 2016.
Agora, para terminar este bloco, algumas referências analíticas e opinativas dos últimos dois dias:
- "Consolidação mais ambiciosa reforçaria confiança dos investidores", a entrevista a Subir Lall, o chefe da missão do FMI ao Jornal de Negócios, onde também defendeu queEstímulos ao consumo terão "impacto mínimo";
- Eles não estão malucos, de Rui Ramos, no Observador, sobre a estratégia política do Governo: “António Costa segue a receita do Syriza: não consiste em reverter a austeridade, mas em encenar um confronto internacional em que os seus erros passem por patriotismo, e todas as críticas por traição.”
- Pobres de nós, que já vimos este filme, que eu próprio escrevi, sobre o meu espanto sobre a forma como o processo orçamental foi evoluindo: “Por uma vez, todos estão de acordo nas críticas ao Orçamento, em Lisboa, em Bruxelas, no FMI – mas para o comandante e adjuntos deste nosso Titanic, estão todos errados, pois só eles é que têm razão.”
- Défices e aldrabices, de Luís-Aguiar Conraria, onde este contesta a utilização do conceito de “saldo orçamental estrutural” notando que “A partir do momento em que um indicador económico passa a ter relevância política passa a ser uma aldrabice, mesmo que legal, pelo que deixa de medir o que deve medir. É o caso do défice estrutural.”
- O lado B da austeridade, de André Veríssimo no Jornal de Negócios, onde refere que “Contas feitas, a economia vai crescer menos do que previa o Governo. Só que António Costa e os partidos da esquerda podem agora dizer que a culpa é dos liberais de Bruxelas.”
- O que nos sobra, de André Macedo no Diário de Notícias, para quem “Neste pêndulo radical, as boas ideias de Mário Centeno para a economia perderam parte do potencial que tinham antes das eleições. Foi-se a redução da Taxa Social Única que permitiria usar a pouca liquidez existente para incentivar o investimento sem agravar o endividamento.”
- As incoerências de um Orçamento ideológico, o editorial do Diário Económico, onde se escreve que “Este é o documento de um Governo sequestrado por tiques de esquerda radical. O IVA da restauração fica com a promessa de descer, em Julho, de 23% para 13%, mas as bebidas são excepção, quer porque dá jeito em termos de receita, quer porque parece bem.”
Haveria mais mas, como já referi, são todas anteriores a ser conhecido o documento final, que neste momento começa a ser “digerido” por analistas e comentadores. Haverá mais segunda-feira, sendo que no Observador, durante a manhã de amanhã, sábado, colocaremos em linha as primeiras avaliações em O que pensar sobre o Orçamento? (este link ainda não está disponível, mas vá estando atento que é nela que irá encontrará, conforme foram sendo disponibilizadas, as opiniões de Paulo Trigo Pereira, Nuno Garoupa, Jorge Costa, Paulo Ferreira, André Azevedo Alves e eu próprio).
Deixemos agora o nosso orçamento doméstico para, como muitas vezes sucede no Macroscópio à entrada do fim-de-semana, referir textos com outra natureza, mesmo que nalguns casos os possamos e devamos ler à luz do debate que domina a actualidade nacional. É isso que sucede, por exemplo, como a coluna de Miguel Ángel Belloso no Diário de Notícias, A triste realidade face à ideologia estúpida. É um texto onde se fala sobretudo do difícil processo de constituição de um novo governo no país do autor, Espanha, mas onde também se reflecte sobre as dificuldades dos governos socialistas em França e na Itália, sem esquecer a Grécia. Depois dessa volta, regressa-se a Portugal: “Talvez Costa pense que, como se diz em Espanha, pode pescar em águas turvas, que aproveitar-se da debilidade da França e da Itália, da enfermidade congénita da Grécia ou que, inclusivamente, os problemas que a Alemanha enfrenta com os refugiados abrandarão as condições exigidas por Bruxelas a ponto de lhe permitir um começo de legislatura relativamente airoso. Eu duvido. Subvaloriza o juízo implacável dos mercados”.
Mas se este é o olhar de um espanhol, encontrei no Jornal de Notícias um texto que considero muito revelador da forma como no nosso país se olha para a actividade das empresas, seja qual for o seu estatuto. É de Felisbela Lopes, professora na Universidade do Minho, e chama-se Que decisão é esta, TAP? Eis a passagem que julgo ser mais significativa: “A interrupção das ligações aéreas entre algumas cidades europeias e o Porto é uma decisão que a TAP tem de ser impedida de tomar. Já! Porque a empresa tem capitais públicos e não deveria estar autorizada a fazer tudo, porque há ainda um processo de reversão da respetiva privatização parcial que está a ser discutido, porque, finalmente, coloca em causa equilíbrios relevantes de uma influente região do país. O problema aqui é não haver elites com força suficiente para travar esta guerra.” Gosto sobretudo da exigência “Já!”
Estas duas sugestões ainda foram muito políticas, e pouco relaxantes, pelo que vamos então a leituras que podem ser mais divertidas. Uma delas é da americana The Atlantic e relata uma descoberta científica que foi noticiada em muitos outros jornais mas que, aqui, foi apresentada com um título mais desafiante: A Prehistoric Mass Grave Suggests Hunter-Gatherers Weren’t So Peaceful. Confesso que o tema da violência em sociedades primitivas me interessa desde há muito, em boa parte por contrariar o mito do “bom selvagem” e a ideia de que a natureza humana seria naturalmente boa, só tendo sido estragada pela sociedade, pela civilização, pelo capitalismo. Esta descoberta apenas veio reforçar os que contestam essa imagem idílica de uma origem sem pecado. Deixo-vos só a introdução do texto da Atlantic:
When it comes to the origins of warfare, there are two main schools of thought. One school believes the propensity for violence is embedded deep in human nature; the other believes that it arose in response to the need to protect property, a symptom of humans’ move from nomadic hunting and gathering towards a more settled lifestyle. Those who support the latter idea argue that the Paleolithic era was generally a peaceful time, with little evidence of organized violence between hunter-gatherer groups. But new research complicates that second argument: In a study published today in the journal Nature, a team of anthropologists describe a prehistoric mass grave whose inhabitants died a violent death, evidence that small-scale warfare was alive and well even among hunter-gatherer communities.
Cuba for sale: ‘Havana is now the big cake – and everyone is trying to get a slice’ é uma interessante reportagem do Guardian que me provocou sentimentos contraditórios. De facto quem quer que tenha visitado Havana sabe que muito do encanto da capital de Cuba é este ter ficado como que urbanisticamente “congelada” no final dos anos 50, com as suas casas a degradarem-se lentamente, mantendo um ar decadente e retro inimitável. Agora tudo pode mudar, falta saber como, sendo certo que não é razoável pensar que os cubanos devem continuar a viver nas suas casas de fachadas esboroadas apenas para delícia de quem visita Havana, mas existindo todas as razões para temer o pior quando se houve falar da chegada dos investidores imobiliários. Como se interroga o Guardian: “Property developers are queuing up to pounce as Cuba opens its doors to the world. Proposals for Havana’s old harbour are described as ‘Las Vegas meets Miami in the Caribbean’. So can the city cope with the commercial storm ahead?”
Mas se este artigo é quase um convite para ir a correr conhecer o charme decadente da Havana castrista antes dele desaparecer, deixo-vos com um texto mais prático e mais próximo: Este ano há 9 fins de semana grandes. Transforme-os em grandes fins de semana. Bem sei que um desses fins-de-semana é aquele em que estamos a entrar, mas mesmo assim talvez ainda vá a tempo de conhecer as sugestões do Observador reunidas neste Especial que não deixa escapar nenhum dos feriados repostos por este governo e que permitem as chamadas “pontes”. Se o fizer puderá sentar-se na cadeira que mostro abaixo a ler as sugestões do Macroscópio. É só uma ideia, mas não me parece uma má ideia...
Tenham bom descanso, e até segunda-feira.
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