O
PCP também tem uma bandeira para o Orçamento do Estado. Quer um
aumento de 10 euros para todas as pensões e reformas
02 DE OUTUBRO DE 201611:01
Paulo
Baldaia e Arsénio Reis
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Jerónimo de Sousa é secretário-geral do PCP desde de 2004, e assim se vai manter depois do congresso de dezembro, sem precisar da ajuda de um secretário-geral adjunto
| LEONARDO NEGRÃO/GLOBAL IMAGENS
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Utiliza
o termo geringonça nalgumas conversas a propósito da coligação
parlamentar das esquerdas? Com amigos ou com camaradas do partido,
por piada ou mais a sério, para si também já ficou este termo, a
geringonça?
Não.
Objetivamente, e tendo em conta como o processo avançou e se
concretizou, aquilo que existe é, da parte do PCP, uma posição
conjunta com o PS que, no seu conteúdo, é uma solução política,
uma posição conjunta que viabilizava a possibilidade de um governo
do PS, com o objetivo primeiro de afastar do poder o PSD e o CDS,
tendo em conta todas as malfeitorias que realizaram ao nosso povo, ao
nosso país durante os quatro anos do seu mandato. Aliás, há que
não esquecer que era um objetivo dos trabalhadores, das populações,
de setores da sociedade portuguesa, particularmente de classes e
camadas antimonopolistas, esse objetivo de derrotar o governo, vê-lo
pelas costas. Era um sentimento maioritário na sociedade portuguesa.
Mas
deixe-me lembrar que, no projeto de tese ao congresso de dezembro do
Partido Comunista, também se diz de forma clara que o governo "não
responde, naturalmente, ao indispensável objetivo de rutura com a
política de direita". Isto quer dizer que, para o PCP, o
governo de direita foi afastado, mas a política de direita ainda
existe no atual governo?
Eu
creio que é importante, aqui, um outro elemento. Para além da
questão do afastamento do governo PSD-CDS, houve também a
necessidade - e essa era outra mensagem que se podia ler dos
resultados das eleições de 4 de outubro - de introduzir medidas
urgentes para corrigir o grau de destruição e de saqueamento de
rendimentos e direitos a que os trabalhadores e o povo estiveram
sujeitos durante esse período. Não se tratava de medidas
estruturais, mas medidas de urgência para a reposição de direitos
e de rendimentos. São esses elementos, essas medidas urgentes, que
definem o grau de convergência entre PS e PCP e, simultaneamente, o
grau, o nível do compromisso entre nós. Ora, por isso mesmo
classificamos aquilo como insuficiente...
Mas
considera que essa tarefa de aplicar medidas urgentes está cumprida?
Não.
Aliás, nós consideramos que os avanços verificados no Orçamento
do Estado para 2016 devem continuar a evoluir no Orçamento do Estado
para 2017. Algumas das medidas do Orçamento de 2016 preconizam que
no Orçamento do Estado para 2017 haja a concretização em termos de
reposição de salários, de fim das taxas...
De
regularização de pensões...
Exatamente.
E
como é que o PCP vê a fixação deste governo na meta do défice
para este ano e para o próximo, sendo essa obsessão pelo défice
muito criticada no anterior governo? Acha que isso pode impedir o
avanço mais rápido da devolução de rendimentos, aumento das
pensões, das várias matérias que defende o PCP?
Sim.
Ainda agora surgiram os dados da execução orçamental e o que se
verifica é uma situação melhor do que a do ano passado, mas depois
tem ali um pedregulho que é o serviço da dívida, que leva a parte
de leão e que impede, na prática, aquilo de que nós precisamos
como de pão para a boca, que é de investimento. Investimento
público, particularmente, e não só.
Mas
há também uma opção do governo de diminuir o investimento
público, para garantir o défice que Bruxelas exige.
Mas
essa é que é a grande contradição. Quer dizer, nós precisamos de
crescimento, precisamos de desenvolvimento económico e isso é
feito, designadamente, com investimento. O défice limita a
capacidade de crescimento e de desenvolvimento, tendo em conta que
tem de cortar no investimento, para dar conta desse serviço da
dívida horrível, que permanentemente nos confronta com um
sentimento de alguma impotência. Há aqui uma contradição que tem
de ser resolvida.
São
essas questões estruturais que levam o PCP a dizer que ainda não
está respondido o "indispensável objetivo de rutura com a
política de direita"?
São
dois elementos estruturantes. Nós consideramos que, a par disso, é
preciso romper com os constrangimentos que hoje nos são impostos
pelos círculos de decisão da União Europeia. Obviamente, esses
círculos não gostam da solução política atual nem da nova fase
da vida política nacional. Eu digo que não gostam exercendo,
digamos, uma inaceitável chantagem, pressões permanentes, ameaças,
avisos [feitos] a partir de uma avaliação política da solução.
Tudo isso impede uma verdadeira política de afirmação da nossa
soberania, de permitir que sejam os portugueses a definir o seu
caminho para o seu devir coletivo. É um problema, uma contradição.
Se
não estou em erro, dizia, recentemente, que o governo vivia nessa
ilusão de cumprir objetivos concretos - alguns já enunciou aqui - e
simultaneamente ter os limites impostos por Bruxelas. É mesmo uma
ilusão? Isso não é possível?
Em
primeiro lugar, nós consideramos que esses posicionamentos,
particularmente do diretório das grandes potências da União
Europeia, são uma ameaça real. Uma ameaça porque nos amarram de
pés e mãos. Nós precisamos de crescer, precisamos de produzir
mais, de criar mais riqueza para criar mais emprego. Toda a gente
está de acordo nisto, mas de repente... Está bem, mas como é que
isto se faz? E aparece a ameaça da União Europeia, que nos impõe
desde as questões do Tratado Orçamental, passando pelas questões
do euro, até às questões da dívida... Enfim, limitações que nos
levam ao definhamento, à anemia e ao arrastamento em termos de
crescimento. E, sendo isto uma ameaça, também referimos a ilusão
que o PS tem de afirmar que é possível, com uma gestão
inteligente, ultrapassar esses condicionalismos e constrangimentos.
Dizia,
a meio do ano, que não tinha nenhuma desilusão com António Costa,
porque o primeiro--ministro fazia boa cara ao mau tempo, referindo-se
aos constrangimentos que vinham de fora. Isso continua a ser assim?
Nos
contactos que fazemos, o sentimento que temos é que existe um bocado
essa visão otimista, de que é possível, mesmo com esta malha tão
apertada, ultrapassar constrangimentos. Bom, pode ser uma ilusão.
Quando falamos dos círculos de decisão da União Europeia, não
estamos a falar de uma organização filantrópica, enfim, de uma
instituição samaritana. Não. Sabemos quem a determina, que são os
interesses do capital monopolista, das transnacionais da Europa, que,
obviamente, não estão para fazer nenhum favor a Portugal. Antes
pelo contrário. Antes pelo contrário! E, nesse sentido, vamos ver -
e a vida demonstrará - se é ou não ilusão pensar que a União
Europeia está disponível para dar uma contribuição positiva, para
sairmos da situação em que nos encontramos.
Passando
essas preocupações, já tendo em conta o Orçamento do Estado para
2017, que está a duas semanas de entrar na Assembleia. Têm
decorrido intensas negociações entre o governo e os parceiros, como
é habitual. O PCP, nesta altura, já pode dar uma garantia, apesar
de todas as ressalvas que acaba de fazer, de aprovação deste
documento no Parlamento?
Não.
Até porque [risos] ainda não há uma proposta de Orçamento no
concreto, materialmente, vá lá.
Mas,
tendo em conta tudo aquilo que foram as negociações com o PCP,
neste ponto das negociações, a intenção do PCP é viabilizar o
Orçamento para o próximo ano?
A
sua pergunta faz-nos voltar à posição conjunta que temos com o PS.
Nós sempre considerámos a disponibilidade para examinar todas as
questões, designadamente a do Orçamento do Estado, que é um
elemento importantíssimo. E portanto esse exame, naturalmente,
pressupõe uma contribuição, uma análise, mas simultaneamente
também a crítica. Não é? Portanto, não há nenhum compromisso do
PCP em votar favoravelmente o Orçamento do Estado. Existe o
compromisso do PCP de examinar juntamente com o PS o conteúdo do
Orçamento do Estado para 2017.
Mas
há linhas vermelhas?
[Hesitação]
Obviamente. Creio que é importante fazer aqui um sublinhado: o nosso
primeiro e principal compromisso é com os trabalhadores e com o povo
português, não é com o PS. Demos a nossa contribuição para a
solução política, em que temos um governo do PS com um programa do
PS. Temos disponibilidade para dar uma contribuição para continuar
a política de reposição de direitos e salários com propostas
concretas. E estamos a fazê-lo.
Se
as pressões da Comissão Europeia obrigarem o governo do PS a ter de
deixar algumas propostas do acordo que fez com o PCP, não contará
com o PCP para, vamos dizer assim, amaciar esse acordo... deixar
passar alguma coisa?
É
evidente que isso tem de ser verificado no concreto. Mas creio que se
se interromper esta linha de avanço, de reposição e conquista de
direitos, o problema não está colocado ao PCP; o problema está
colocado ao governo e aos trabalhadores e ao povo português. Porque,
neste caso da nova fase da vida política nacional, abriu-se uma
janela de esperança. Portanto, hoje as pessoas sentem-se, eu diria,
mais aliviadas, mais tranquilas em resultado da solução política
encontrada, mas, simultaneamente, atentas. E se essa maioria de
portugueses, que hoje continua a pensar que é possível evoluir
positivamente, sentir que lhe querem retirar apoios, rendimentos, os
seus direitos, e se retroceder no sentido que a União Europeia,
particularmente os seus círculos de decisão, quer impor a Portugal,
temos aqui um problema.
O
governo não parece disponível para rever os escalões do IRS e,
portanto, tornar ainda mais progressivo o imposto sobre os
rendimentos do trabalho, para quem ganha mais pagar ainda mais. Tendo
em conta que, com o fim da sobretaxa, os rendimentos mais altos -
acima de dez mil euros - vão ter uma recuperação líquida do
vencimento que, às vezes, ultrapassa o ordenado mínimo que é pago
a 600 mil trabalhadores portugueses, o PCP está satisfeito com o que
se prevê no IRS?
Bom,
nós continuamos a defender uma outra política fiscal e o seu
carácter progressivo. Em termos de reposição de rendimentos para
esses salários acima da média, não podemos ter dois pesos e duas
medidas. Portanto, são rendimentos do trabalho que, enfim, fizeram
os seus descontos. No momento em que se está a eliminar a sobretaxa,
em que se está a repor, enfim, alguma justiça fiscal, nós não
somos a favor que certos setores que, enfim, também vivem do seu
trabalho, mesmo que com vencimentos mais altos...
Salários
mais altos.
Isso
não pode ser confundido com uma outra coisa que nós defendemos, que
é, de facto, ir aos grandes grupos económicos, ao grande capital,
aos que jogam na bolsa e ganham muitos milhões...
Já
lá vamos, a esse património mobiliário de que o PCP fala.
Mas
eu creio que é por aí que lá vamos. Agora, enfim, encontrar como
justificação de que...
O
PCP não faz, portanto, finca-pé em haver uma alteração dos
escalões, de maneira a tornar mais progressivo o pagamento do IRS.
Obviamente
que nós continuamos a considerar que quem mais tem mais deve pagar,
quem menos tem, quem menos recebe...
Isso
já acontece agora.
Exatamente.
Mas não confundir as coisas. De facto, como digo, em termos do
rendimento resultante de vencimentos, não reconhecer que a reposição
deve ser geral, eu acho que acabava por ser uma injustiça,
independentemente dos valores que estamos aqui a discutir.
O
PCP tem insistido também num aumento real das pensões. O governo já
assumiu que vai acontecer, mas o mais certo é que seja apenas nas
pensões mínimas. Há vários estudos que apontam para a ineficácia
destas prestações no combate à pobreza nos idosos. A introdução
da condição de recursos, nestas pensões, de regime não
contributivo, não podia ajudar a poupar, diria, dinheiro mal gasto
pelo Estado, ajudando a reforçar o apoio a quem realmente precisa?
Bom,
em relação à questão das pensões, portanto, das reformas, creio
que é chegado o momento em que tem de haver alguma justiça. No
Orçamento do Estado para 2016 desbloqueou-se o congelamento das
pensões e reformas, mas não houve qualquer aumento significativo,
tirando essas reformas... Não é as reformas mais baixas, é as
baixíssimas.
Muito
baixas, porque são de regimes não contributivos.
O
que propomos é que haja um aumento geral extraordinário de dez
euros para todas as reformas e pensões. Consideramos curta e
bastante limitada esta ideia das reformas mais baixas. Há que
valorizar pensões, reformas de 600, 800 euros...
Mas
o governo não tem dinheiro para fazer isso. Como é que o PCP vai
conseguir convencer o governo a fazê-lo?
Acho
que os saldos atuais da Segurança Social permitem uma visão mais
aberta sobre essa proposta.
É
isso que lhe diz o ministro Vieira da Silva?
Está
a considerar. Nós colocámos a nossa proposta, usámos os nossos
argumentos e há uma consideração, enfim, inacabada em relação a
essa matéria.
Essa
pode ser uma linha vermelha para o PCP?
Não.
Nós nunca definimos, enfim, linhas vermelhas. Aliás, houve
momentos... Lembro-me do caso do Banif, em que estávamos claramente
contra, e votámos contra. E nesse sentido, em função de cada
matéria, definimos uma posição. Consideramos que esta medida,
portanto, das reformas, é uma medida de justiça social, a que o
governo tem de responder.
Não
é bem um tabu, mas andou lá perto. Vai continuar secretário--geral
do PCP depois do congresso de dezembro?
Bom,
em relação a essa matéria, creio que é importante afirmar que a
questão do secretário-geral não vai ser tratada no congresso. E
digo isto porque, naturalmente, é o comité central que faz a
avaliação do trabalho da direção e é o comité central, eleito
em congresso, que elege o secretário-geral e respetivos organismos
executivos. A questão não está posta no 20.º congresso.
De
qualquer forma, o próprio projeto de teses ao congresso deixa
subentendida a necessidade de um reforço da liderança. À primeira
pergunta acrescento outra. Há ou não uma necessidade de reforço?
Há ou não necessidade de uma segunda figura que o acompanhe nesta
missão de liderar o PCP?
Em
primeiro lugar, o que as teses afirmam é, de facto, o reforço do
trabalho de direção e não o reforço do secretário-geral. Mas, de
qualquer forma, em relação a essa ideia de um secretário-geral
adjunto, eu quero aproveitar a oportunidade para dizer [risos] - com
uma nota bem-humorada - que a comunicação social ainda tem
capacidade de me surpreender, na medida em que essa ideia nunca,
sublinho, nunca esteve em cima da mesa. É uma questão que não tem
fundamento.
A
figura do secretário-geral adjunto já existiu no PCP...
Já
existiu.
Designadamente
com Carlos Carvalhas, que foi secretário-geral adjunto de Álvaro
Cunhal.
Exatamente.
Existiu, de facto. Mas eu não me escandalizo por isso. O problema é
que, lendo os jornais, até falam em guerras, em vencedores e
vencidos, quando a questão - e digo isto com todo o sentido de
responsabilidade - não tem nenhum fundamento, nunca esteve colocada.
Não existirá nenhum secretário-geral adjunto.
Nem
nenhuma mudança na liderança no curto e no médio prazo?
Bom,
eu não posso antecipar... É o comité central que decide.
Mas
tem essa disponibilidade e essa vontade?
Pelo
menos em termos de capacidade física e anímica, que é um elemento
importante em qualquer tarefa. Em termos dessa capacidade, enfim,
isso está demonstrado, ao longo destes quatro anos particularmente.
Para além de uma intervenção política muito exigente - tendo em
conta, designadamente, a nova fase da política nacional -, a verdade
é que eu contabilizo, por alto, cerca de mil iniciativas, comícios,
contactos, para além da minha vida normal, portanto, de cidadão.
E
é deputado na Assembleia da República.
E
deputado na Assembleia da República, também. Portanto, poderia
dizer que, para além do partido, mesmo fora do partido, a reação e
o sentimento prevalecente que me é transmitido até me dá força
para continuar com esta disponibilidade de militância, de
participação na vida do meu partido, independentemente do grau de
responsabilidades que me seja atribuído. Portanto, é com este ponto
de vista de observação, é por aquilo que sinto que sou, é pela
profunda solidariedade dos meus camaradas de partido que eu
arriscava, a dizer que, para os meus camaradas, a referência do
secretário-geral é de unidade e coesão e não de divisão.
Surpreendeu-o
que a mesma comunicação social tenha apresentado uma lista, até
bem grande, de camaradas que poderiam ser secretário-geral adjunto
e, no futuro, seus sucessores. Todos aqueles nomes que leu na
comunicação social são militantes do Partido Comunista com peso.
Surpreendeu-o ver lá esses nomes todos?
Não,
não me surpreendeu. Antes pelo contrário, eu acho que isso é
positivo, porque demonstra que, num processo inevitável de
renovação, de rejuvenescimento...
Mas
havia nomes mais antigos do PCP e alguns novos, não é?
Sim.
Mas isto... Eu queria dizer que até podia juntar mais três ou
quatro nomes de um conjunto de quadros de dirigentes do partido que
têm condições para assumir novas responsabilidades. E isso, para
mim, é profundamente tranquilizante, tendo em conta que sempre, mas
sempre, tive a ideia de que o partido não acaba quando eu sair de
secretário-geral. E essa garantia, essa existência de quadros
dirigentes capazes de assumir essa responsabilidade é profundamente
tranquilizante, é uma grande garantia do futuro do partido.
Só
para fechar este tema da liderança, não haverá surpresa nenhuma no
congresso e no comité central que se seguirá? Jerónimo de Sousa
continuará a ser secretário-geral do PCP?
Como
digo, não quero fazer juízos de valor antecipados, mas poderia
dizer aqui, aos microfones da TSF e ao Diário de Notícias, o que
sinto - e estou a falar terra a terra -, o que sinto por parte dos
meus camaradas, do comité central, do partido é uma profunda
confiança e uma profunda solidariedade. E isso, para mim, é talvez
o elemento que me dá essa tal tranquilidade e ânimo para, num
quadro de uma situação política tão exigente, continuar a dar o
meu contributo ao meu partido.
Um
partido que, como outros na vida política portuguesa, tem uma gestão
para fazer que não é fácil. O PCP tem um prejuízo anual médio a
rondar um milhão de euros. A pergunta é se também o PCP vai
precisar de austeridade para pôr as contas em ordem?
Em
primeiro lugar, uma nota: o PCP, que se afirma como o partido da
classe operária, de todos os trabalhadores, não poderia também,
nesse aspeto, ficar imune à ofensiva que caiu, particularmente,
sobre os rendimentos do trabalho, com consequências, obviamente,
também na vida do partido. Mas, de qualquer forma, eu queria aqui
fazer uma precisão, que acho importante. Nós até conseguimos uma
receita superior à despesa durante estes dois últimos anos, mas com
uma diferença: nós continuamos a considerar que a situação é
insustentável, mas aquele princípio fundamental que temos de não
estar dependente das subvenções estatais é um elemento
fundamental. Mas não estamos tranquilos, porque, como digo, nós
queremos continuar a ser autónomos, independentes não só do
capital mas também do Estado e a melhor garantia são as receitas
próprias. E essa questão, para nós, é fundamental.
O
partido tem também o problema de estar a perder militantes. Tem as
causas deste fenómeno identificadas?
Durante
décadas, nós não atualizámos os ficheiros. A partir de 2003,
decidimos realizar uma grande campanha de contactos em que havia
milhares de militantes que tinham perdido o contacto, não pagavam
quotização. Obviamente, muitos deles por razões da vida e da
morte, por razões de emigração e por razões de afastamento,
mesmo, criavam aqui uma dúvida imensa, porque estavam registados nos
ficheiros mas não tínhamos esse contacto. E essa campanha de
contactos que tem vindo a realizar-se tem permitido recuperar alguns
militantes. Não é coisa pequena, nos últimos quatro anos tivemos
mais de cinco mil novos inscritos, 69% dos quais têm menos de 50
anos.
E
cobrem as saídas que se vão verificando?
Obviamente
que continua a haver umas dezenas de milhares de fichas por
atualizar. Mas a perspetiva é continuar essa campanha de contactos e
dinamizar uma grande campanha de recrutamento. Porque eu, por
exemplo, tenho este sentimento, no contacto que tenho com os
trabalhadores, com as populações, de que existem potencialidades
imensas de crescimento do PCP. Muitas vezes há aqui, ainda,
barreiras a ultrapassar, às vezes o preconceito...
Não
é fácil transformar a simpatia em militância. É isso que está a
dizer.
Sim.
Há ali... é de uma subjetividade muito grande. Se me perguntar:
"Mas porquê?" Há esta contradição. Enfim, as pessoas
identificam-se com as propostas, com a ação, com a intervenção do
partido, mas... existe ainda ali um "mas" muito difícil de
definir, de grande subjetividade que, quando se vencer...
Ainda
funciona o papão do Partido Comunista? Sente isso em algumas
pessoas?
É
evidente. Hoje o anticomunismo, a discriminação, a tresleitura das
posições do partido, fundamentalmente, no plano ideológico,
existem barreiras que fazem parte deste combate natural. Mas, por
isso mesmo, nós consideramos que é através da ação concreta, da
proposta concreta, da nossa intervenção, da nossa forma de estar na
política que nos leva a ter essa ideia de que é possível, é
possível crescer e avançar.
Fonte:dn.pt/portugal/entrevista
Fonte:ABIM