Uma fuga de informação revela ainda que familiares de um político angolano acusado de corrupção compraram o seu acesso à Europa através de Portugal
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Homens de negócios envolvidos no escândalo de corrupção Lava Jato, no Brasil, e familiares de um político angolano que foi acusado de corrupção compraram de forma sigilosa o seu acesso à Europa através do Governo português.
Um empresário condenado a 18 anos de prisão domiciliária e o ex-presidente de um conglomerado de construção envolvido em polémica também estão entre os nomes que constam num documento alvo de uma fuga de informação, por terem pago centenas de milhares de euros na busca de um “visto dourado” em Portugal.
A revelação surge na sequência de uma outra fuga de informação que expõe como oligarcas russos e um empresário sírio incluído na lista de sanções dos Estados Unidos estavam entre as centenas de investidores que receberam cidadania do Chipre em troca de investimentos em dinheiro.
As duas fugas de informação oferecem uma visão detalhada sobre este tipo de regimes de visto gold, em que os países trocam passaportes, cidadania ou autorizações de residência por investimentos vindos de pessoas ricas.
O programa de “autorização de residência para investimento” em Portugal exige que os investidores apliquem 500.000 euros no mercado imobiliário em troca de uma autorização de residência permanente. Após cinco anos, essa autorização pode ser convertida em cidadania, concedendo aos investidores o direito de viver e trabalhar em toda a União Europeia.
De acordo com o governo, 66% dos vistos gold emitidos desde 2012 foram para candidatos chineses, apesar de ser ilegal na China transferir mais de 50 mil dólares por ano para fora do país.
Há mais de dois anos que o Brasil tem sido atormentado pelos escândalos da Operação Lava Jato, uma investigação judicial sobre uma vasta teia de subornos e corrupção que penetra as mais altas esferas do poder e da vida pública.
A investigação tem estado centrada em milhares de milhões de dólares de contratos corruptos relacionados com a Petrobras, a companhia estatal petrolífera. Centenas de políticos, empresários e gestores têm estado a ser investigados e dúzias deles têm sido condenados.
Um deles é Otávio Azevedo, o antigo presidente da segunda maior empresa de construção do país, a Andrade Gutierrez. Em 2016, foi condenado a uma sentença de 18 anos, depois de admitir ter cometido uma série de crimes de corrupção.
Dois anos antes de ser condenado, Azevedo comprou um imóvel de 1,4 milhões de euros em Lisboa e solicitou um visto gold em 2014.
Um porta-voz de Azevedo disse que o empresário ainda não foi informado sobre se a sua candidatura foi aceite. E sublinhou que Azevedo adquiriu a propriedade em plena conformidade com a lei portuguesa, e que um acordo judicial que assinou com os procuradores brasileiros ajudou a expor “numerosos” outros casos de corrupção.
Sérgio Lins Andrade, presidente e principal acionista da Andrade Gutierrez, adquiriu, em 2014, um imóvel em Lisboa através do regime de vistos dourados por 665.000 euros. A sua fortuna é estimada pela “Forbes” em 1,5 mil milhões de dólares.
Um porta-voz de Lins Andrade, que no início deste ano foi convocado para fornecer provas à investigação da Lava Jato, não contestou o facto de o empresário ter adquirido residência em Portugal, mas disse que o empresário não morava e não tinha planos de vir a morar no país.
Pedro Novis, antigo presidente e CEO da Odebrecht, a maior empresa de construção da América do Sul, adquiriu uma propriedade em Lisboa por 1,7 milhões de euros em 2014. A empresa foi acusada de inúmeros crimes de corrupção em toda a América Latina.
Um assessor de imprensa disse que Novis “não tem nada a declarar e a informação relacionada com as suas actividades em Portugal são conhecidas pelos tribunais brasileiros”.
Entre os nomes que constam no documento, estão também familiares do vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, que até 2012 foi o CEO da companhia petrolífera estatal Sonangol.
Vicente, que chegou a ser apontado como o próximo presidente de Angola, foi acusado este ano de ter subornado um procurador em Portugal, de forma a dar por encerrada uma investigação relacionada com corrupção na Sonangol.
Um advogado de Manuel Vicente disse que o antigo CEO da Sonangol não tinha outro comentário a fazer se não limitar-se a negar as alegações das autoridades portuguesas.
No rol de figuras que receberam vistos gold, de acordo com o documento, incluem-se: Carlos Pires Oliveira Dias, vice-presidente do grupo de construção Camargo Correa, investiu 1,5 milhões de euros em Portugal no âmbito do programa Autorização de Residência para Investimento (ARI), em 2014. A Camargo Correa também está envolvida no escândalo Lava Jato e reembolsou empresas estatais com 700 milhões de reais (£ 168 milhões) como compensação pelas suas práticas corruptas. A empresa está a tentar conseguir um acordo judicial este ano. Oliveira Dias confirmou que obteve um visto gold.
José Mauricio Caldeira faz parte do conselho de administração da holding de topo da Asperbras, um conglomerado brasileiro com interesses em muitos setores, da indústria mineira à agricultura. Um inquérito-crime, a Operação Rota do Atlântico, está a investigar a relação da empresa com José Veiga, um empresário preso no ano passado por suspeita de crimes de corrupção. Um porta-voz de Caldeira confirmou que o gestor comprou um apartamento em Portugal, em 2014, por um milhão de euros, através do programa de vistos gold, e desde então tem residência cá. Disse ainda que Caldeira e os acionistas da Asperbras estavam a cooperar plenamente com os investigadores da Operação Rota do Atlântico.
João Manuel Inglês é um coronel angolano e assessor do general Manuel Helder Vieira Dias, mais conhecido como Kopelipa, chefe das forças armadas angolanas e uma das figuras mais poderosas de Angola. Inglês, que foi acusado num processo-crime nos EUA de ser um testa-de-ferro de Kopelipa e de outros dois governantes angolanos, solicitou um visto dourado português em 2013. Inglês não respondeu aos nossos pedidos para confirmar ou contestar esta informação.
Pedro Sebastião Teta, secretário de Estado angolano para as Tecnologias de Informação, pediu um visto gold em 2013. No ano seguinte, foi referido como sendo o dono de 30% de uma empresa chamada Impulso Angola, que recebeu um contrato do governo para fazer o mapeamento de todos os recursos minerais do país. Teta não respondeu às questões que lhe foram enviadas.
Sebastião Gaspar Martins, administrador executivo do braço brasileiro da Sonangol, candidatou-se a um visto gold português em 2014. Gaspar Martins, que chegou a ser comentado como um possível sucessor de Vicente no lugar de vice-presidente, recusou-se a falar sobre o seu visto gold.
Outro candidato que teve um visto dourado foi Mir Jamal Pashayev, chefe de uma das famílias mais poderosas do Azerbaijão e administrador da Pasha Holding. A sobrinha de Pashayev é Mehriban Aliyeva, a esposa do presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev. Nem Pashayev nem Pasha Holding responderam aos repetidos pedidos de esclarecimento.
O facto de indivíduos implicados em casos de corrupção conseguirem obter vistos gold ao comprar propriedades suscita especial preocupação aos especialistas em crimes financeiros. O setor imobiliário tem sido atraente para os criminosos, pelo potencial que tem para lavar grandes quantidades de dinheiro numa única transação.
O esquema dos vistos gold em Portugal já deu origem a um escândalo. Em 2014, a polícia prendeu 11 pessoas no âmbito da Operação Labirinto, uma investigação sobre alegações de que estrangeiros receberam vistos dourados em troca de subornos.
O diretor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e o presidente do Instituto de Registos e Notariado (IRN) estavam entre os detidos e o programa foi suspenso durante algum tempo. Um ex-ministro da Administração Internal foi mais tarde incluído como suspeito na investigação. O ex-ministro, Miguel Macedo, nega que tenha cometido qualquer irregularidade.
Numa resposta escrita, o Governo português disse que o seu regime de vistos dourados “segue estritamente todos os procedimentos de segurança legalmente estabelecidos” e que as autoridades “possuem ferramentas adequadas que salvaguardam a legalidade e a segurança”.
“Todos os pedidos estão sujeitos a revisão após um processo de avaliação, de acesso aos registos criminais e de consulta a bases de dados nacionais e internacionais, bem como por meio do intercâmbio de informações no âmbito da cooperação policial”, dizia a resposta.
Com o contributo de Stelios Orphanides
Este artigo foi desenvolvido com o apoio do Journalism Fund
Fonte: expresso